terça-feira, 29 de maio de 2012

O alemão que rasgou a cortina

Após percorrer 850 quilômetros e atravessar a impenetrável defesa antiaérea soviética, o aviador Mathias Rust aterrissou na Praça Vermelha, em Moscou, no dia 28 de maio de 1987. Destaque em diversos veículos ocidentais, a notícia correu o mundo e causou grande choque na liderança da União Soviética. 

Há 25 anos um aviador partindo de Hamburgo furou a defesa 
antiaérea soviética e aterrissou em plena Praça Vermelha

Era uma noite quente de primavera e a URSS celebrava o Dia do Guarda de Fronteira. Foi então que um avião monomotor Cessna 172R, comandado pelo aviador alemão Mathias Rust, aterrissou em pleno centro de Moscou sem tocar os cabos elétricos das redes de troleibus. 

Quando a aeronave pousou suavemente, o rapaz, com um macacão vermelho e sorriso amigável, desceu do avião e começou a dar autógrafos aos moscovitas curiosos para ver o que estava acontecendo. Quinze minutos depois a polícia chegou e Rust foi levado para um local desconhecido, onde ficou preso por quatro anos.

Já era tarde demais. “Um alemão atravessou a Cortina de Ferro”, anunciavam as manchetes da imprensa ocidental, causando grande choque na liderança soviética. 

Embora naquela época a URSS ainda não enfrentasse ameaças terroristas, o potencial perigo de tais ataques se tornou evidente. O sistema de defesa antiaérea soviético possuía brechas e podia ser atravessado por pequenos aviões que, se necessário, seriam capazes de levar a bordo munição nuclear ou bombas com substâncias tóxicas. 

Também ficou claro que os enormes recursos financeiros – oficialmente, 15 %, mas, na realidade, quase o dobro do orçamento estatal – aplicados pelo país para reforçar sua segurança eram mal utilizados. 

Demissão em massa

Na sequência, uma reunião extraordinária do Conselho Político do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética foi convocada. Três marechais e cerca de 300 generais e coronéis responsáveis pela defesa antiaérea foram demitidos, entre eles o então ministro da Defesa, Serguêi Sokolov, e o comandante da Defesa Antiaérea, Aleksandr Koldunov. 

Segundo alguns meios de comunicação ocidentais, essa foi a maior campanha de expurgação no alto comando militar da URSS desde a repressão estalinista de 1937. 

O chefe do Estado Maior, Ígor Máltsev, só não teve o mesmo fim pois, no dia do voo de Rust, estava em Tallinn participando de trabalhos no parlamento da Estônia, uma das ex-repúblicas soviéticas. “Não acreditei”, disse Máltsev. “Fomos ao posto de comando de defesa antiaérea nos subúrbios de Tallinn e soubemos que Rust havia cruzado a fronteira na Estônia.” 

“A defesa antiaérea soviética tinha sido concebida para combater ataques aéreos maciços contra alvos no território soviético, e não para lutar contra aeronaves esportivas. Éramos realmente a mais eficaz do mundo naquela época”, justificou o general. 

Muitos especialistas são da opinião de que o então líder do Partido Comunista e da URSS, Mikhail Gorbatchov, teria aproveitado o voo de Rust para se livrar dos altos oficiais contrários a suas reformas voltadas para a democratização e abertura informativa da sociedade soviética. 

Considera-se que, a partir desse momento, teria começado o processo de degradação das Forças Armadas e desagregação da URSS. Entretanto, cabe lembrar que os novos generais e marechais nomeados seguiam a mesma cartilha de seu antecessores e a degradação das instituições soviéticas era um processo que vinha acontecendo muito antes do famoso voo de Rust. 

Outras desculpas 

Além do motivo citado por Máltsev, outra razão para explicar o ocorrido se deve à adesão soviética ao protocolo da Convenção de Aviação Civil Internacional, que proibia derrubar aviões civis onde quer que sobrevoassem. 

O documento foi assinado após o caso do jumbo sul-coreano derrubado pela defesa antiaérea soviética no Extremo Oriente, em 1983, por ter violado o espaço aéreo da URSS. 

O ministro da Defesa também emitiu na época um despacho proibindo abrir fogo contra aviões de passageiros, carga e aeronaves leves. “Por razões desconhecidas, esse fato foi omitido naquela época e continua omitido ainda hoje”, disse. 

Por último, os radares monitoravam todas as aeronaves, podendo, contudo, identificar somente aquelas equipadas com sistemas de identificação “amigo-inimigo”. 

As aeronaves de pequeno porte, assim como aviões agrícolas e esportivos não possuíam esses dispositivos e eram detectadas aos montes por um setor específico da defesa antiaérea. O avião de Rust não diferenciava em nada dos outros aviões desse tipo, razão pela qual não foi identificado como violador de fronteira, mas como infrator do regulamento de voos. 

O pouso minuto-a-minuto 

14h10 
Aeronave identificada perto da cidade estoniana de Loksa, ou seja, já no espaço aéreo soviético 

14h18 
Relato de que nessa zona não havia aviões civis soviéticos; a aeronave de Rust foi considerada violadora de fronteira e dois caças foram enviados para escoltar o avião estrangeiro 

14h30
Radares perderam contato com o avião infrator. Acredita-se que tenha entrado em uma das numerosas zonas mortas ou lacunas dos radares situadas após a linha de fronteira 

15h30 
Sem conseguir reencontrar o avião de Rust, o comandante do 60º Exército de Defesa Antiaérea informou o comando em Moscou de que o alvo se tratava de um denso bando de pássaros 

18h30 
Aeronave foi detectada novamente quando já sobrevoava Khodínskoe Pole, um bairro moscovita 

18h55 
Rust aterrissou na Praça Vermelha 

Fonte: Víktor Litóvkin, especial para Gazeta Russa

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