domingo, 25 de julho de 2021

História: O Brasil já voou nas asas da Real Aerovias

Fundada em Santos na década de 1940, a Real Aerovias foi a sétima maior companhia aérea do mundo em seu tempo.

A frota da Real Aerovias chegou a ter 117 aeronaves, entre eles o quadrimotor Douglas DC-4
Se fosse hoje, ela seria uma das maiores companhias aéreas brasileiras. No entanto, nos tempos em que voar era mais que algo rotineiro, um verdadeiro glamour, a Real Aerovias era simplesmente a maior!

Bem depois de Varig e VASP, essa empresa cresceu e ultrapassou suas rivais em apenas 15 anos. Mais do que ser a maior do Brasil, a Real Aerovias foi a sétima maior companhia aérea do mundo em seu tempo, com nada menos que 117 aeronaves. Também teve a maior frota de Douglas DC-3 do mundo.


Voando para vários cantos e rincões do Brasil, ela encantava os passageiros pela excelência nos serviços, comida de primeira e conforto a bordo de seus muitos aviões. Nas asas da Real, muitos fecharam negócios, outros conheceram o mundo e o progresso foi levado aonde se fazia necessário.

Foi a primeira companhia aérea a pousar em Brasília, quando a nova capital federal ainda nem estava pronta. Desta, que mal viu nascer, estampou seu nome nas fuselagens de alumínio. Adquiriu algumas companhias aéreas e rapidamente atingiu destinos fora do país.


Mesmo sem ter conseguido voar a jato ou mesmo com turboélices, a Real Aerovias veio, viu e venceu. Esta é a história da companhia que nasceu de um sonho, iniciado nas praias do litoral paulista, mas que, com esforço e garra de dois empreendedores paulistas, decolou para a história.

Da Santista para a Real


A cidade de Santos, no litoral paulista, era no começo dos anos 40, não só a capital do café, mas uma das mais importantes cidades do país. Servida pelos trens da São Paulo Railway ou pelas curvas da estrada velha Caminho do Mar, a pequena metrópole tinha (e ainda tem) o maior porto da América Latina.

Pelo mar, ia e chegava de tudo, especialmente passageiros das rotas de Ouro e Prata. Entretanto, ainda faltava algo, os céus. A Base Aérea de Santos (hoje no Guarujá) recebia diversos voos e o destino principal era a capital em São Sebastião do Rio de Janeiro. Vislumbrando esse mercado, dois empresários decidiram criar uma companhia aérea santista.

Em 1943, Vicente Mammana Neto – que era piloto e filho de um industrial paulista – fundou na cidade portuária a Companhia Santista de Aviação. Para compor a frota da nova empresa, Mammana adquiriu duas aeronaves Stinson Reliant da extinta Aerolloyd Iguassú (adquirida pela VASP em 1939).

O pequeno Stinson Reliant, para seis passageiros, foi o primeiro avião operado pela Real Aerovias
Esse avião era um utilitário de origem militar e que podia levar até 4 passageiros, além do piloto. Com asa alta e motor radial, o Stinson Reliant seria utilizado em rotas para o Rio de Janeiro, mas por motivos ainda hoje não revelados, o negócio não decolou.

No entanto, Mammana Neto não desistiu da ideia de fundar uma companhia aérea. Após encerrar as atividades (que nem haviam começado) da Cia Santista, se juntou com outro aviador, o piloto Lineu Gomes e decidiram que o negócio agora partiria de São Paulo.

Nasce a Redes Estaduais Aéreas Ltda.


Em novembro de 1945, Vicente e Lineu juntaram Cr$ 400.000 e compraram um Douglas DC-3 (C-47) de matrícula PB-YPA. O avião foi adquirido dos excedentes da extinta Aviação do Exército dos EUA (USAAC), que tinha centenas de unidades sem uso após a Segunda Guerra Mundial.

Assim como foi sua trajetória, o nascimento da Real Aerovias se deu rapidamente, pois, já em dezembro do mesmo ano, com sociedade formada também com o empresário Armando de Aguiar Campos, outros dois DC-3 se juntaram e formaram a frota da REAL (abreviação das iniciais da primeira empresa) Transportes Aéreos.

A Real foi o maior operador comercial do DC-3 na história da aviação, com 99 aparelhos na frota
O Douglas DC-3 tinha essa designação enquanto no serviço civil, embora as aeronaves tivessem sido produzidas para operação militar, sendo assim utilizada a designação C-47, já que era um cargueiro da USAAC.

O bimotor de asa baixa e trem do tipo “tailgate” era um avião muito robusto, simples, barato de operar e podia levar de 21 a 32 passageiros, dependendo da configuração interna. Dotado de motores radiais a pistão da Wright ou Pratt & Whitney, ele tinha alcance operacional de 3.420 km.

A companhia recebeu autorização para voar na rota entre São Paulo e Rio de Janeiro, ligando os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont. O voo inaugural se deu em 7 de fevereiro de 1946. No primeiro ano, a Real já atingia Curitiba com seus três aviões.


Entretanto, a demanda era alta e a necessidade de levar mais pessoas era urgente. Na época, a companhia já revelava em seus anúncios publicitários que os aviões partiam lotados.

Afinal, a Real praticava tarifas competitivas e oferecia um bom serviço de bordo na ponte aérea Rio-São Paulo. Por conta disso, muitos passageiros buscavam um assento em seus DC-3, que já não eram mais suficientes. Londrina e Foz do Iguaçu foram alcançadas em 1947.

Então, ainda em 1946, a empresa teve que adquirir dois Bristol 170 Mk II Wayfarer. Este bimotor era novo, tendo voado a primeira vez em dezembro de 1945. A Real apostou na capacidade desse pequeno gigante, cujo nariz era ovalizado e a cabine de comando elevada, lembrando o futuro Boeing 747.

Ainda nos anos 40, a Real apostou no curioso Bristol 170 Mk II Wayfarer,
mas o avião não fez sucesso com a empresa
Infelizmente, o Bristol 170, com suas asas altas e capacidade para 36 passageiros, o maior avião da época no Brasil, era muito ruim. Apresentava falhas estruturais, infiltração de água e o barulho era alto demais, a ponto dos passageiros reclamarem muito. Operava na rota SP-Curitiba e os dois não duraram muito, sendo retirados em 1948. Um terceiro caiu antes de ser entregue.

A má experiência com o Bristol 170 levou a Real a comprar mais dez DC-3 e reforçar a frota com o avião mais confiável que dispunha. Assim, ao final de 1947, a empresa contava com pelo menos 15 aviões.

C-47, o cavalo de batalha


O apetite por crescer era enorme e a Real se viu obrigada a comprar algumas companhias aéreas menores para levar seu padrão de serviços a outros lugares e expandir suas rotas. Assim, a primeira a ser encampada foi a Linhas Aéreas Wright.

Operando dois Lockheed 18 Lodestar, um avião bimotor de origem militar e que tinha capacidade para apenas 18 passageiros, a Wright foi comprada, mas estes foram vendidos para aumento da frota de DC-3, no caso o C-47, que era então configurado para aviação civil.

Dois DC-3 e um C-46 da Real, estacionados no aeroporto de Congonhas, no começo da década de 1950
No ano seguinte, em 1949, a Linha Aérea Natal também passou para o controle da Real, que certamente gostou de ter mais quatro DC-3 em sua frota, operados pela extinta empresa.

No início dos anos 50, a Real simplesmente foi incorporando mais empresas e aviões, sempre com um deles tendo como comandante o presidente da empresa, Lineu Gomes. Em 1951, já eram 24 C-47 na frota, após a aquisição da LATB-Transcontinental, que voava para o Nordeste.

Nesse mesmo ano, quatro unidades do Curtiss C-46 foram compradas. Tratava-se de outro bimotor cargueiro militar que a Real aproveitara dos estoques americanos. Ele era convertido para passageiro, algo ainda barato de fazer, já que os preços dos aviões de carga militares eram muito baixos.

Entretanto, estes C-46 voaram por pouco tempo nas cores da Real, que nessa época tinha faixas verdes, celebrando o país que a abrigava e desafiava. Em 1953, os Curtiss saíram de cena, ficando apenas seus irmãos de fardas C-47.

Os primeiros aviões da Real eram ex-cargueiros do Exército dos EUA que foram
convertido para uso comercial, como o C-46 Commando

Ganhando o mundo


A Real voava para diversas partes do Brasil, mas ainda não havia saído para outros países. Então, aquele que viria ser o seu “sobrenome” célebre, enfim, se apresentou. A Aerovias Brasil, que fora fundada em 1942 por dois ex-sócios do projeto TACA (criação de companhias nacionais em países latinos), surgiu como uma nova sócia.

A Aerovias Brasil foi a primeira empresa com voos regulares para os EUA (Miami) em 1946, partindo sempre do Rio de Janeiro e com um único DC-3, que fazia a rota com diversas escalas e em eternas 48 horas! Ela também já havia conseguido rotas para Buenos Aires e Montevidéu, além de linhas costeiras e na Amazônia.

Estatizada em São Paulo no ano de 1949, foi privatizada e comprada pelo ex-governador Adhemar de Barros, que vendeu 87% da companhia para a Real em 1954. Agora Real-Aerovias, a empresa tinha o prestígio de voar aos EUA e América do Sul.

A Real Aerovias iniciou as operações com o DC-4 no início dos anos 1950
De quebra, a Aerovias trouxe quatro Douglas DC-4, um quadrimotor com capacidade para até 80 passageiros. Já bem grande, a Real Aerovias mirou em outra companhia aérea de importância nacional, até no nome…

Tornando-se uma gigante


Com nada menos que 41 aeronaves, a Transportes Aéreos Nacional teve 85% de suas ações compradas pela Real-Aerovias em 1956, vindo esta a se tornar a Real-Aerovias-Nacional. O consórcio brasileiro agora era muito grande e a frota passava a ter dez C-46 Commander da ex-TAN. A frota de C-47 já era numerosa. Nesse mesmo ano, a empresa brilhou novamente.

Mesmo ainda em obras, Brasília ainda nem era de fato uma cidade organizada, mas a Real-Aerovias-Nacional começou a operar na futura capital do Brasil, levando a bordo diversas autoridades, entre elas o presidente da República Juscelino Kubitscheck.

Por conta disso, Lineu Gomes mudou o nome da empresa para REAL Aerovias Brasília. No ano seguinte, a companhia atingia sua glória ao dispor da frota nacional mais numerosa com nada menos que 117 aviões, sendo 99 C-47/DC-3: era a maior do mundo em uma única empresa aérea.

A Real Aerovias também operou algumas poucas unidades do DC-6
Se só isso já não bastasse, a REAL Aerovias Brasília era a sétima maior companhia aérea do mundo, de acordo com a IATA. Em 1958, a empresa tinha 89 DC-3/C-47 em serviço regular. Nessa época, não havia escolas de piloto que pudessem suprir a demanda da companhia.

Assim, em meados dos anos 50, a Real Aerovias tinha seis aeronaves de treinamento de pilotos em sua frota, sendo um North American T6, um Fairchild PT-19 e quatro Vultee BT-15, todos eles treinadores militares da Segunda Guerra.

Esses monomotores foram fundamentais para a instrução dos futuros pilotos e copilotos da Real Aerovias nos anos seguintes. Em 1959, dois Rockwell Aero Commander (560 e 680) foram comprados para instrução. Estes eram bimotores de asa alta e mais próximos dos aviões comerciais da empresa.

Sua majestade, o Super Constellation


Assim, enquanto a REAL Aerovias Brasília ampliava o quadro de pilotos, ela também mantinha seu ritmo de expansão. De olho em unificar algumas das rotas internacionais, a companhia deu o pulo do gato ao adquirir quatro Lockheed L-1049H Super Constellation.

O Super Constellation era o máximo da aviação comercial antes da era dos jatos
Esse quadrimotor de empenagem vertical tripla, pods nas asas e fuselagem elegantemente curvada, era o máximo que a aviação comercial podia ter antes do jato. Era o ano de 1958 e nessa época os jatos davam os primeiros passos para dominar os céus, em especial o Boeing 707.

Ainda assim, o Super Constellation era o meio mais glamoroso de voar. Considerado um dos mais bonitos de todos os tempos, o Lockheed L-1049H chegou como sensação na REAL Aerovias Brasília em 1958. Ele foi imediatamente para a rota Buenos Aires-Miami com escalas em cidades brasileiras.

Majestoso, o Super Constellation promoveu na Real e na Varig, que também tinha os seus, a chamada “Guerra das Letras”. Como as duas eram rivais, a primeira pintava a letra “H” em destaque para dizer que seu avião era mais moderno que o da gaúcha, que em resposta botava o “I” em seu modelo “Super G” para sugerir que era “Intercontinental”.

A Real Aerovias usou o Super Constellation em rotas internacionais, como em voos para os EUA e Japão
Era a batalha por passageiros que realmente tinham dinheiro para gastar. A bordo do Super Constellation, que agora voava até Tóquio, a Real Aerovias servia tudo do bom e do melhor para pessoas que embarcavam em ternos caríssimos e vestidos de gala. Havia espaço até para casacos de pele e chapéus.

Fumar a bordo era liberado e os passageiros internacionais brindavam com champanhe, uísque e toda a sorte de bebidas. A refeição tinha até leitão assado e outras iguarias, como enormes bolos. Travesseiro e cobertor eram de praxe.

Propaganda da Real Aerovias exaltando o luxo do Super Constellation no final da década de 1950
No entanto, se isso parecia algo apenas aos abastados, a Real-Aerovias-Nacional tinha tratamento praticamente VIP em seus DC-3 nas rotas nacionais, especialmente no triângulo SP-BH-RJ, onde uma Kombi pegava alguns passageiros em casa. A bordo, serviam de estrogonofe até cerveja portuguesa.

Voar pela REAL Aerovias Brasília era alçar um voo social. As aeromoças de quepe e roupas finas, assim como os comissários faziam de tudo para agradar os exigentes clientes, embora nem sempre o terminal aéreo fosse de primeira, como nos muitos lugares longínquos do país, onde às vezes havia um galpão de madeira e uma pista ainda de terra.

Em 1960, porém, nuvens negras cruzaram a rota da REAL Aerovias Brasília. Dívidas e custos elevados colocaram as finanças da companhia no vermelho. Lineu Gomes já estava doente e isso era um mau negócio para a empresa, pois, era o símbolo do progresso.

Herança na Ponte Aérea


Convair CV-440 Metropolitan, operado pela Real Aerovias entre 1956 e 1961
Ainda tentando crescer mais, agora a Real queria voar a jato. A velocidade maior era o impulso definitivo para uma empresa que sempre foi apressada em seu desenvolvimento. O Convair 880 foi a escolha e quatro aviões foram encomendados, sendo posteriormente convertidos no modelo 990.

Esse jato quadrirreator reduziria o tempo dos voos internacionais da Real Aerovias e um aumento dessa frota seria apenas questão de pouco tempo. Com eles, três Lockheed L-188 Electra II foram encomendados. O quadrimotor turbo-hélice seria o alicerce nacional da companhia.

Ilustração publicada pela Real de como seria o jato Convair 880 com suas cores, algo que nunca se concretizou
Então, veio a crise e com ela a Varig. A companhia do Rio Grande do Sul comprou a Real em 1961. Esta tentou cancelar as reservas feitas por Lineu Gomes, mas não foi possível e teve que os operar a contragosto.

O comandante da Real Aerovias não viveu muito mais para vislumbrar (provavelmente com tristeza) sua querida companhia desaparecer sob a estrela da Varig. Entretanto, sua herança permaneceu nos bons Electra, reconhecidos pela nova dona, que os utilizou posteriormente na mesma Ponte Aérea Rio-SP, na qual a Real decolou pela primeira vez.


A última chama da Real Aerovias se apagou em 1992, quando seus Electra saíram de cena na Varig, deixando saudades naqueles que eram seus clientes diários. O estilo de voar da companhia do comandante Gomes durou muito mais do que se imaginava.

Hoje, a Real voa nas asas da história para ser sempre lembrada por sua ousadia em crescer mais rápido do que se poderia imaginar. Tudo isso, feito com um cargueiro militar e sem nunca ter conhecido o jato.


Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (com Ricardo Moriah/Airway e Wikipedia)

Aconteceu em 25 de julho de 2008: Voo 30 da Qantas - Pânico no céu


O voo 30 da Qantas, em 25 de julho de 2008, era um voo programado do Aeroporto London Heathrow para Melbourne, na Austrália, com escala em Hong Kong. O voo foi interrompido na perna de Hong Kong em razão de um tanque de oxigênio ter explodindo e rompido a fuselagem à frente da raiz da asa de estibordo. 

O avião fez uma descida de emergência a uma altitude respirável de cerca de 10.000 pés e foi desviado para o Aeroporto Internacional Ninoy Aquino, em Manila, nas Filipinas. Não houve feridos entre os 365 ocupantes da aeronave.

VH-OJK, a aeronave envolvida no acidente
Após realizar o voo entre Londres e a escala em Hong Kong sem intercorrências, o Boeing 747-438, prefixo VH-OJK, da Qantas, partiu de Hong Kong, pouco depois das 9h00 (01h00 UTC). A bordo da aeronave estavam 346 passageiros e 19 tripulantes.

Às 10h17, os passageiros e a tripulação ouviram um grande estrondo. A cabine despressurizou-se e apareceu um orifício no piso do convés de passageiros, bem como um orifício na parede externa do convés de carga. 

Durante a emergência, partes do piso e teto da aeronave desabaram. Uma chamada de socorro em maio foi feita na frequência do controle de tráfego aéreo regional. Os pilotos realizaram uma descida de emergência de 29.000 pés para garantir o suprimento de oxigênio adequado para os passageiros, chegando a 10.000 pés às 10h24.


A tripulação desviou o Boeing 747 para o Aeroporto Internacional Ninoy Aquino, em Manila, nas Filipinas, onde uma aproximação visual e pouso sem intercorrências foram feitas. A aeronave foi parada na pista para inspeção externa, antes de ser rebocada até o terminal para desembarque de passageiros. Não houve feridos. Alguns passageiros relataram sinais de náusea ao saírem da aeronave.

Após o acidente, quatro passageiros disseram que suas máscaras de oxigênio não foram acionadas, enquanto outras tinham seu elástico deteriorado. Foi declarado que esses passageiros foram privados de oxigênio até que o avião desceu a uma altitude respirável. O Australian Transport Safety Bureau entrevistou passageiros que relataram problemas com as máscaras de oxigênio como parte de sua investigação.


O orifício na fuselagem - aproximadamente em forma de T invertido - tinha até 2,01 m de largura e aproximadamente 1,52 m de altura, localizado no lado direito da fuselagem, abaixo do nível do chão da cabine e imediatamente à frente da asa.

A carenagem da asa-fuselagem estava faltando, revelando alguma carga paletizada no porão. No entanto, o despachante relatou que todos os itens do manifesto foram contabilizados. Exceto alguns itens que estavam localizados perto do cilindro e buraco resultante, nenhuma outra carga ou bagagem no voo foi danificada.

O Australian Transport Safety Bureau (ATSB) liderou a investigação, enviando quatro investigadores a Manila para realizar uma inspeção detalhada da aeronave, juntamente com a Qantas, a Administração Federal de Aviação dos EUA, a Boeing, a Autoridade de Segurança da Aviação Civil Australiana e a Autoridade de Aviação Civil das Filipinas também envolvidos.


Logo após o acidente, o ATSB anunciou que os investigadores de segurança aérea descobriram que um cilindro de oxigênio localizado na área da explosão não havia sido contabilizado, mas que era muito cedo para dizer que um cilindro de oxigênio poderia ser a causa do explosão no ar em QF30. 

Independentemente disso, a Autoridade de Segurança da Aviação Civil ordenou que a Qantas inspecionasse todos os seus cilindros de oxigênio e suportes que mantêm os cilindros em sua frota de Boeing 747. 

A válvula e os suportes de montagem foram encontrados, mas não a garrafa, número quatro de treze instalado naquele banco. Um investigador sênior, Neville Blyth, relatou que a válvula do cilindro foi encontrada dentro da cabine, tendo feito um furo de "pelo menos vinte centímetros de diâmetro" no chão da cabine. Blyth disse que os gravadores de voo seriam analisados ​​nos laboratórios de Canberra do ATSB. 


No entanto, porque o avião permaneceu no ar e operacional durante todo o incidente, o gravador de voz da cabine não contém registros do evento inicial em si; sua memória de duas horas havia sido substituída por gravações ocorridas após esse evento, durante o desvio e pouso. O gravador de dados de voo de 24 horas contém dados cobrindo todo o incidente.

Em 29 de agosto, o ATSB deu uma atualização confirmando outros aspectos da investigação inicial. Eles afirmaram que essas investigações iniciais descobriram que a aeronave levou cerca de cinco minutos e meio para descer do evento de descompressão a 29.000 pés para a altitude de 10.000 pés e que parecia que parte de um cilindro de oxigênio e sua válvula haviam entrado no passageiro cabine, em seguida, impactada com a maçaneta da porta direita número 2, girando-a parcialmente. 

O ATSB constatou que não existia o risco de a porta ser aberta por este movimento, com os sistemas de portas a funcionar como previsto. Todos os três sistemas de pouso por instrumentos da aeronave bem como o sistema de travagem anti-derrapante não estavam disponíveis para o pouso; os pilotos posteriormente pousaram a aeronave sem usar esses sistemas. A maioria das máscaras de oxigênio implantadas no incidente, com 426 das 476 implantadas sendo ativadas pelos 346 passageiros, puxando-os para baixo para ativar o fluxo de oxigênio.

Foto tirada por um passageiro dentro do voo 30 da Qantas
A causa do acidente foi a explosão de um tanque de oxigênio na área de carga, de acordo com uma descoberta preliminar da ATSB: 

Depois de retirar a bagagem e a carga do porão da aeronave de vante, ficou evidente que um cilindro de oxigênio do passageiro (número 4 de um banco de sete cilindros ao longo do lado direito do porão) sofreu uma falha repentina e descarga forçada de seu cilindro pressurizado conteúdo no porão da aeronave, rompendo a fuselagem na vizinhança da carenagem da borda de ataque da asa-fuselagem. 

O cilindro foi impulsionado para cima pela força da descarga, perfurando o chão da cabine e entrando na cabine adjacente à segunda porta principal da cabine. O cilindro posteriormente impactou a moldura da porta, maçaneta da porta e painéis superiores, antes de cair no chão da cabine e sair da aeronave pela fuselagem rompida.



Máscaras de oxigênio que foram implantadas após a explosão não funcionaram corretamente. Alguns passageiros foram forçados a compartilhar uma máscara quando o Qantas Boeing 747 teve problemas, enquanto outros entraram em pânico quando eles não conseguiram abrir. A FAA emitiu recentemente diretrizes de aeronavegabilidade sobre problemas com as máscaras neste e em vários outros modelos de aeronaves comerciais da Boeing.

O ATSB emitiu dois Avisos de Aconselhamento de Segurança, aconselhando as organizações responsáveis ​​a revisar procedimentos, equipamentos, técnicas e qualificações de pessoal para manutenção, inspeção e manuseio de cilindros de oxigênio de aviação.


Pouco mais de dois anos após o incidente, o relatório final do evento foi divulgado em 22 de novembro de 2010.

Do resumo divulgado pelo ATSB: "Em 25 de julho de 2008, uma aeronave Boeing Company 747-438 transportando 369 passageiros e tripulantes despressurizou-se rapidamente após a ruptura forçada de um dos cilindros de oxigênio de emergência da aeronave no porão de carga avançado. A aeronave estava navegando a 29.000 pés e tinha 55 minutos de início um voo entre Hong Kong e Melbourne."

"Após uma descida de emergência para 10.000 pés, a tripulação desviou a aeronave para o Aeroporto Internacional Ninoy Aquino, em Manila, nas Filipinas, onde pousou com segurança. Nenhum dos passageiros ou tripulantes sofreu qualquer lesão física."

"Uma equipe de investigadores, liderada pelo Australian Transport Safety Bureau (ATSB) e incluindo representantes do US National Transportation Safety Board (NTSB), da US Federal Aviation Authority (FAA), da Boeing e da Civil Aviation Authority das Filipinas (CAAP) examinou a aeronave no solo em Manila. Desse trabalho, ficou evidente que o cilindro de oxigênio (número 4 em uma inclinação ao longo do lado direito do porão de carga dianteiro) havia estourado de forma a romper a fuselagem adjacente parede e ser impulsionado para cima; perfurar o piso da cabine e impactar a estrutura e a maçaneta da porta R2 e os painéis superiores da cabine. Nenhuma parte do cilindro (além do conjunto da válvula) foi recuperada e presume-se que tenha sido perdida da aeronave durante o despressurização."


"O ATSB realizou um estudo minucioso e detalhado do tipo de cilindro, incluindo uma revisão de todos os cenários de falha possíveis e uma avaliação de engenharia de outros cilindros do mesmo lote de produção e do tipo em geral. Era evidente que o cilindro havia falhado por rompendo ou ao redor da base - permitindo a liberação de conteúdo pressurizado para projetá-lo verticalmente para cima. Embora houvesse a hipótese de que o cilindro pudesse conter um defeito ou falha, ou ter sido danificado de uma forma que promoveu a falha, não foram encontradas evidências para apoiar tal conclusão. Nem foi encontrada qualquer evidência para sugerir que os cilindros do lote de produção em questão, ou o tipo em geral, estavam de alguma forma predispostos à falha prematura."

Os reparos na aeronave foram realizados em Manila pela Boeing. Foi transportado para Avalon em 10 de novembro de 2008. O capitão original e o primeiro oficial faziam parte da tripulação da balsa. O único trabalho que restou a ser feito naquele momento foi a substituição dos tapetes e capas dos bancos. Em 18 de novembro de 2008, com todos os trabalhos concluídos, a aeronave foi danificada novamente quando outro Qantas Boeing 747 colidiu com ela em Avalon.


A aeronave acabou sendo devolvida ao serviço em 15 de janeiro de 2009, mas retirou-se do serviço no final de 2009 e foi vendida para a transportadora nigeriana Max Air em 2011, registrada novamente como 5N-HMB. A aeronave foi então operada por mais seis anos antes de ser armazenada no Pinal Airpark.

A Qantas ainda usa o voo 30, como uma rota Hong Kong-Melbourne sem escalas, deixando de lado sua origem em Londres.

No início de 2010, a Federação Internacional de Associações de Pilotos de Linha Aérea concedeu o Prêmio Polaris ao Capitão John Bartels e sua tripulação de voo.

Por Jorge Tadeu (com Wikipedia e ASN)

Vídeo: Mayday Desastres Aéreos - Air France 4590 - Concorde em Chamas


Vídeo: Segundos Fatais - "Concorde em chamas"

Aconteceu em 25 de julho de 2000: Voo 4590 da Air France - A tragédia que pôs fim aos voos do Concorde


A queda do voo 4590 da Air France em 25 de julho de 2000 abalou o mundo. O supersônico jato de passageiros Concorde foi o auge da aviação moderna. Ele poderia cruzar o Atlântico em três horas e voar com o dobro da velocidade do som. Uma passagem poderia custar mais de US$ 9.000. 

O sonho de todo piloto era um dia voar no Concorde, um sonho que apenas uma elite poucos alcançariam. Mas uma cadeia de eventos extremamente improvável, terminando em um desastre que matou 113 pessoas, mudou tudo isso.


O voo 4590 era um voo regular do aeroporto Charles de Gaulle de Paris para o JFK de Nova York, realizado pelo Aérospatiale/BAC Concorde 101, prefixo F-BTSC, da Air France (foto acima), que havia realizado seu primeiro voo em 31 de janeiro de 1975 (durante o teste, o registro da aeronave foi F-WTSC). 

A aeronave foi adquirida pela Air France em 6 de janeiro de 1976. Ela era movida por quatro motores turbojato Rolls-Royce Olympus 593/610 , cada um equipado com pós-combustores. O último reparo programado da aeronave ocorreu em 21 de julho de 2000, quatro dias antes do acidente; nenhum problema foi relatado durante o reparo. No data do acidente, a aeronave havia voado por 11.989 horas e havia realizado 4.873 ciclos de decolagem e pouso.

A tripulação da cabine consistia no seguinte: Capitão Christian Marty, 54 anos, que trabalhava na Air France desde 1967. Tinha 13.477 horas de voo, incluindo 317 horas no Concorde. Marty também pilotou aeronaves Boeing 727, 737, Airbus A300, A320 e A340.

O primeiro oficial Jean Marcot, 50, que estava na Air France desde 1971 e tinha 10.035 horas de voo, sendo 2.698 no Concorde. Ele também pilotou as aeronaves Aérospatiale N 262, Morane-Saulnier MS.760 Paris, Sud Aviation Caravelle e Airbus A300.

O engenheiro de voo Gilles Jardinaud, 58, trabalhava na Air France desde 1968. Ele tinha 12.532 horas de voo, das quais 937 eram na aeronave Concorde. Jardinaud também pilotou aeronaves Sud Aviation Caravelle, Dassault Falcon 20, Boeing 727, 737 e 747 (incluindo a variante -400 ).

A rota prevista do voo 4590 da Air France: Paris a Nova York
Durante os preparativos para o voo, indicaram aos mecânicos da Air France a necessidade de duas ações não programadas: a troca do motor pneumático do reversor do motor número dois; a substituição de um sistema do trem de pouso esquerdo. Estes procedimentos provocaram um atraso na partida de mais de uma hora. Esse atraso teria consequências trágicas.

A bordo estavam 100 passageiros e 9 tripulantes. O voo foi fretado pela empresa alemã Peter Deilmann Cruises. Os passageiros - quase todos alemães - estavam a caminho do navio de cruzeiro MS Deutschland, na cidade de Nova York, para um cruzeiro de 16 dias até Manta, no Equador. Entre eles estava um casal, ambos professores, que tiveram que economizar vinte anos para pagar a viagem. 

O vento no aeroporto estava fraco e variável naquele dia, e foi relatado à tripulação da cabine como um vento de cauda de oito nós (15 km/h; 9 mph) enquanto eles se alinhavam na pista 26R.

Finalmente, com os 109 ocupantes a bordo, o primeiro oficial Marcot solicitou autorização para iniciar a viagem. Pesando no momento da decolagem 186,9 toneladas, com 95 toneladas de combustível contabilizadas nesse total, o Concorde estava no seu peso máximo permitido.

N13067, o DC-10 envolvido na sequência do acidente
As 16h37, entrou na pista 26R (4.217m) para iniciar o voo CO 55 com destino a Newark, o DC-10-30 de prefixo N13067, pertencente à Continental Airlines (foto acima). A veterana aeronave, fabricada em 1973, já contabilizava 27 anos de serviço e começava a mostrar a idade com sinais nada agradáveis: durante sua corrida de decolagem, um pedaço de metal, usado na fixação de um dos motores, desprendeu-se e no meio da pista, como uma lâmina, pronta a cortar quem por sobre ela ousasse passar.

A tira de liga de titânio que fazia parte do capô do motor, identificada como uma tira de desgaste sobre 435 milímetros (17,1 polegadas) de comprimento, 29 a 34 milímetros (1,1 a 1,3 polegadas) de largura e 1,4 milímetros (0,055 polegadas) de espessura (foto mais abaixo). 

A tira havia sido substituída apenas duas semanas antes, mas o pessoal de manutenção que a instalou não seguiu o procedimento correto, nem seu fabricante. Como resultado, a tira não encaixou e ficou solta. Seu fracasso foi inevitável.


Cinco minutos depois, às 16h40, o jato taxiou para a pista, pronto para decolar em sua jornada supersônica.

Vamos agora acompanhar os últimos momentos do voo AF4590, com a reprodução dos diálogos gravados na caixa-preta do supersônico.

16h42:17.00 - Torre CDG: Air France quarenta e cinco noventa, autorizado livre decolagem, pista 26 direita, vento zero noventa, oito nós.

16h42:21.16 - Primeiro oficial: Quarenta e cinco noventa, autorizado livre decolagem, pista 26.

16h42:24.21 - Comandante: Todo mundo pronto?

16.42:25.19 - Primeiro oficial: Sim.

16.42:26.00 - Engenheiro: Sim.

16.42:26.15 - Comandante: Vamos para 100, V1 e 150.

Christian Marty acelera os quatro motores Olympus 593, abrindo o máximo de potência e ligando os sistemas de pós-combustão, que injetam combustível no bocal de saída de cada motor, aumentando a potência, o ruído, e principalmente, o consumo. Quando 100% da força é alcançada, o cmte. Marty indica o início da corrida de decolagem, com a curta palavra a seguir, ao mesmo tempo que solta os freios do Concorde:

16.42:31.00 - Comandante: Top.

Conforme o Concorde descia pela pista, um de seus pneus altamente pressurizados no trem de pouso traseiro esquerdo atropelou a faixa de metal. Sua ponta afiada perfurou o pneu e o fez estourar violentamente, fazendo com que pedaços de borracha e metal pesando até 4,5 quilos voassem pelo ar a 500 km/h (311 km/h). A explosão também cortou fios na porta do compartimento do trem de pouso.


16.42:31.07 Neste momento, os microfones de cabine registram a mudança no som na cabine. Com os freios soltos, os motores, acelerados ao máximo, começam a permitir a rápida aceleração na pista. Quatro segundos mais tarde, uma voz não identificada, externa ao Concorde, é ouvida na fonia, como que incentivando o comandante Christian Marty.

16.42:35.08 - Transmissão VHF: Vamos, Christian!

16h42:43.08 - Engenheiro: Temos os quatro afterburners.

16h42:54.16 - Primeiro oficial: Cem nós.

16h42:55.13 - Comandante: Confirmado.

16h42:57.00 - Engenheiro: Quatro (luzes) verdes. (os quatro motores a plena potência)

16h43:03.17 - Primeiro oficial: V-1.

16h43:07.00 - Começa neste instante um som de baixa frequência.

16h43:11.22 - Comandante: (*) - ininteligível.

16h43:13.00 - Primeiro oficial: Atenção.

O vazamento de combustível jorrando da parte inferior da asa provavelmente foi causado por um arco elétrico no compartimento do trem de pouso (destroços cortando o fio do trem de pouso) ou pelo contato com partes quentes do motor.


Um pedaço de pneu voou direto para o tanque de combustível cheio. Uma onda de pressão viajou através do combustível e, em um fenômeno nunca visto antes na aviação, a onda fez o tanque estourar em seu ponto mais fraco, bem à frente de onde o fragmento do pneu realmente atingiu. 

Quase instantaneamente, os fios cortados acenderam, acendendo a mistura volátil de ar e combustível. Mesmo enquanto o avião continuava sua decolagem, chamas irromperam da asa esquerda.

Porém, o Concorde já havia alcançado a V-1, a velocidade máxima de segurança na qual os pilotos poderiam abortar a decolagem. Tentar parar inevitavelmente levaria a um acidente e, sem saber a extensão dos danos, os pilotos decolaram da pista. 


O diálogo anterior mostra que na cabine de comando, coisas começam a acontecer fora do previsto. No instante seguinte, a torre de controle de Charles de Gaulle alerta os tripulantes do AF4590 que a emergência que eles começam a enfrentar é mesmo séria.

16h43:13.09 - Torre CDG: Concorde quarenta e cinco noventa, você tem chamas, você tem chamas atrás de você.

16h43:16.03 - Transmissão VHF: Direita!

16h43:18.20 - Primeiro oficial: Roger.

16h43:20.11 - Engenheiro: Pane no motor número dois.

16h43:22.21 - Começa a soar o alarme de incêndio do motor. Uma voz não identificada entra na frequência, e comenta: Está queimando muito, hem?

16h43:24.20 - Engenheiro: Corte o motor número dois.

16h43:25.19 - Comandante: Procedimento de fogo no motor!

16h43:26.19 - Cessa o alarme de fogo.

16h43:27.04 - Primeiro oficial: Atenção! Olha a velocidade! Velocidade!

O Primeiro oficial refere-se certamente à brutal desaceleração que o Concorde começa a sofrer. Não apenas o motor dois havia sido cortado, como o motor número um começa também a falhar e não render toda a potência necessária para a decolagem. Alarmado, o Primeiro oficial alerta mais uma vez:

16h43:28.05 - Primeiro oficial: Velocidade!

O horrível espetáculo do pássaro branco em chamas mobiliza as atenções de todos no aeroporto. Outra voz entra na frequência, como se o comentário pudesse alertar os tripulantes do AF 4590.

16h43:28.17 - Está queimando muito mesmo, mas não tenho certeza se o fogo está saindo do motor!

Dentro da cabine de comando do Concorde, não há tempo para o medo: os procedimentos de emergência tomam toda a atenção dos três tripulantes. Ouve-se claramente o botão e o sistema de extinção de fogo ser acionado.

16h43:30.00 - Comandante: Trem de pouso recolhendo.

16h43:31.15 - Torre CDG: Quarenta e cinco noventa, você tem chamas atrás de você.

16h43:34.17 - Primeiro oficial: Entendido.

Para quem está no solo, a visão é horrível. Voando baixo e lento demais, o Concorde deixa um rastro de fogo e de fumaça negra. Nesse momento, o motor número um falha e entra em estol, deixando de produzir a potência fundamental para manter o jato no ar. O Concorde e seus 109 ocupantes estão condenados.


Mas o problema era muito pior do que qualquer um poderia imaginar. A explosão e o incêndio causaram a falha do motor número dois, e os danos nas portas do trem de pouso impediram os pilotos de retrair o trem. 

Neste vídeo real, filmado por um motorista de caminhão em uma rodovia próxima, o Concorde pode ser visto voando logo acima do solo, com o nariz erguido, deixando um rastro de chamas atrás de si. 


Como seu desenho incomum em "asa delta" já fornecia menos sustentação, a perda de um motor e o arrasto extra do trem de pouso impediram que o avião ganhasse altitude. 

16h43:35.13 - Engenheiro: O trem de pouso não...

16h43:37.08 - Torre CDG: Segundo sua conveniência, vocês tem prioridade para retornar.

16h43:37.18 - Engenheiro: O trem de pouso!

16h43:38.10 - Primeiro oficial: Não?

16h43:39.00 - Comandante: (trem de pouso) recolhendo.

16h43:42.07 - Volta a soar na cabine o alarme de fogo.

16h43:45.16 - Primeiro oficial: Estou tentando.

Engenheiro: Estou desligando!

16h43:46.08 - Comandante: Está desligando o motor dois?

16h43:48.04 - Engenheiro: Já cortei!

O Concorde, como um pássaro ferido mortalmente, luta para permanecer no ar. Com a perda brutal de potência, a velocidade está abaixo do normal e do que é necessário para a segurança do voo. O primeiro oficial alerta novamente.

16h43:49.22 - Primeiro oficial: Velocidade!

Segundos preciosos são gastos pelo comandante Marty, que tenta estabilizar o aparelho. O motor número um também não rende a potência necessária, e o Concorde se mantêm no ar com esforço. Checando o painel à sua frente, o engenheiro de voo observa mais uma vez que as luzes de indicação de trem recolhido não se acendem.

16h43:56.17- Primeiro oficial: O trem de pouso não recolhe.

16h43:58.15 - Retorna o alarme de fogo. E menos de um segundo depois, o GPWS soa pela primeira vez, indicando que o Concorde voa baixo demais, próximo demais ao solo.

16h43:59.03 - (gravação do GPWS): Whoop whoop pull up! Whoop whoop pull up!

16h44:00.17 - Primeiro oficial: Velocidade!

16h44:02.00 - (gravação do GPWS): Whoop whoop pull up!


No aeroporto Charles de Gaulle, os bombeiros chamam a torre de controle:

16h44:03.00 - Torre De Gaulle do serviço de bombeiros!

16h44:05.04 - Torre CDG: Serviço de bombeiros, uh, o Concorde não avisou suas intenções, tomem posição próximo das cabeceiras sul.

16h44:13.05- Torre De Gaulle: Serviço de bombeiros, solicita ingresso para entrar na pista 26 direita.

Ouvindo o diálogo acima, o Primeiro oficial responde à torre e aos bombeiros, sem dar maiores detalhes, qual a intenção do comandante do AF4590:

16h44:14.15 - Primeiro oficial: Le Bourget, Le Bourget!

O primeiro oficial Marcot ainda acredita que o Concorde consiga chegar ao aeroporto de Le Bourget, situado a apenas alguns quilômetros de distância de Charles de Gaulle e, naquele momento, a meros 2 km da proa do supersônico. Mas o comandante Marty sabe que não conseguirá levar o Concorde até lá. Sua voz fica gravada, comentando num tom resignado:

16h44:16.12 - Comandante: Tarde demais.

A torre de controle dá outra instrução aos bombeiros.

16h44:18.02 - Torre CDG: Serviço de bombeiros, o Concorde vai retornar para a pista 09, na direção oposta!

O comandante Marty ouve o diálogo e comenta a informação.

16h44:19.19 - Comandante: Não dá tempo, não.

O primeiro oficial então comunica à torre de Charles de Gaulle:

16h44:22.19 - Primeiro oficial: Negativo, vamos a Le Bourget!

Bombeiros - Torre De Gaulle do serviço de bombeiros, pode fornecer a situação do Concorde?

Mas mesmo enquanto os pilotos discutiam tentar pousar no aeroporto Le Bourget, a asa delta começou a se desintegrar com o calor intenso, e o motor número um também começou a falhar. "Eles sabiam que iam morrer. Mas não houve nenhum pânico, até o fim. Até o fim, eles tentaram encontrar uma solução", disse o piloto de Concorde Jean-Louis Chatelain.

16.44:27.13 - Não houve tempo para responder sobre a situação do Concorde. Voando a apenas 200 nós, 100 nós a menos que o necessário para o peso que tinha naquele momento, o leme de direção perdeu sua autoridade. 

O Concorde não podia mais ser controlado. 

Sem velocidade para continuar voando, o jato estolou. O Concorde virou 180º sobre seu eixo e ficou de dorso, de costas para o solo, um pássaro abatido em pleno voo. 

A bordo da cabine de comando, a voz esgarçada do comandante Marty foi gravada em três rápidos grunhidos, entre as 16h44:29.00 e 16h44:30.18, mostrando o enorme esforço físico que ele exercia para evitar a queda. 

Sua respiração ofegante e o som de objetos caindo e batendo dentro da cabine de comando, ficam gravadas como os últimos sons a bordo do F-BTSC. Não havia esperança para o voo 4590 da Air France. Eram exatamente 16h44:31.16 quando se deu o fim da gravação. 

Exatamente dois minutos e nove centésimos de segundo após a liberação dos freios na pista do aeroporto Charles de Gaulle, o Concorde bateu contra um terreno descampado e atingiu também o Hotelíssimo, um pequeno hotel de três andares. 


Com o impacto, as 95 toneladas de combustível explodiram imediatamente, ceifando numa fração de segundo a vida dos 109 ocupantes do supersônico e de mais quatro funcionários do hotel.

“Liguei para 'Air France 4590, você leu?' Eu disse duas vezes. Não houve resposta."

"Até o último momento pensei que algo salvaria a situação. Lembro-me que simplesmente me sentei no chão de carpete da torre de controle e chorei.", disse o Controlador Gilles Logelin.


Hóspedes e funcionários do hotel foram forçados a pular das janelas quando as chamas atingiram o prédio. Milagrosamente, vários escaparam vivos, embora todos no Concorde tenham morrido. O fogo queimou por três horas e, quando foi extinto, o hotel estava completamente arrasado.

A investigação oficial foi conduzida pelo departamento de investigação de acidentes da França, o Bureau de Inquérito e Análise para Segurança da Aviação Civil (BEA).


A investigação pós-acidente revelou que a aeronave estava acima do peso máximo de decolagem para a temperatura ambiente e outras condições, e 810 kg (1.790 lb) acima do peso estrutural máximo, carregado de forma que o centro de gravidade ficasse à ré do limite de decolagem.

A transferência de combustível durante o taxiamento deixou o tanque da asa número 5, 94 por cento cheio. Um espaçador de 30 centímetros (12 pol.) normalmente mantém o trem de pouso principal esquerdo alinhado, mas ele não foi substituído após uma manutenção recente; o BEA concluiu que isso não contribuiu para o acidente.



A aeronave estava sobrecarregada em 810 kg (1.790 lb) acima do peso máximo de decolagem segura. Qualquer efeito desse excesso de peso no desempenho de decolagem foi insignificante. 

Após atingir a velocidade de decolagem, o pneu da roda número 2 foi cortado por uma tira de metal (uma tira de desgaste) colocada na pista, que havia caído da tampa do reversor de empuxo do motor número 3 de um Continental Airlines DC-10 que havia decolado da mesma pista cinco minutos antes.


Esta tira de desgaste foi substituída em Tel Aviv , Israel, durante uma verificação C em 11 de junho de 2000, e novamente em Houston , Texas, em 9 de julho de 2000. A tira instalada em Houston não tinha fabricados nem instalados de acordo com os procedimentos definidos pelo fabricante. 

A aeronave estava em condições de aeronavegabilidade e a tripulação era qualificada. O trem de pouso que mais tarde não retraiu não apresentou problemas sérios no passado. Apesar da tripulação ser treinada e certificada, não existia plano para a falha simultânea de dois motores na pista, por ser considerada altamente improvável.


Abortar a decolagem teria levado a uma excursão de pista em alta velocidade e o colapso do trem de pouso, o que também teria causado a queda da aeronave.

Enquanto dois dos motores apresentavam problemas e um deles estava desligado, os danos à estrutura do avião foram tão graves que a queda teria sido inevitável, mesmo com os motores funcionando normalmente.

Dois fatores que a BEA considerou de consequência insignificante para o acidente, uma distribuição desequilibrada de peso nos tanques de combustível e trem de pouso solto, foram reavaliados por investigadores britânicos e ex-pilotos franceses do Concorde. Eles acusaram a Air France de negligência porque concluíram que esses fatores fizeram com que a aeronave se desviasse do curso na pista, reduzindo sua velocidade de decolagem abaixo do mínimo crítico. 


Ao examinar os destroços em um depósito, os investigadores britânicos notaram que um espaçador estava faltando na viga do bogie no trem de pouso principal esquerdo (mais tarde foi encontrado em uma oficina de manutenção da Air France). 

Isso distorceu o alinhamento do trem de pouso porque um suporte foi capaz de oscilar em qualquer direção com 3 ° de movimento. O problema foi agravado nos três pneus restantes da marcha esquerda pela carga de combustível desigual. As marcas de arrasto deixadas na pista pelas rodas de pouso traseiras esquerdas mostram que o Concorde estava virando para a esquerda enquanto acelerava para a decolagem.


Devido à virada, o Concorde desceu mais na pista do que o normal porque não estava conseguindo ganhar velocidade de decolagem suficiente. Foi depois de ultrapassar seu ponto normal de decolagem na pista que bateu na tira de metal do DC-10.

A certa altura, ele derivou para um Boeing 747 da Air France que transportava o então presidente francês Jacques Chirac (que voltava da 26ª reunião de cúpula do G8 em Okinawa, Japão ).

As autoridades francesas iniciaram uma investigação criminal da Continental Airlines, cujo avião deixou cair os destroços na pista, em março de 2005, e naquele setembro, Henri Perrier, o ex-engenheiro-chefe da divisão Concorde em Aérospatiale na época do primeiro teste voo em 1969 e o diretor do programa na década de 1980 e início de 1990, foi colocado sob investigação formal.


Em março de 2008, Bernard Farret, procurador adjunto em Pontoise , nos arredores de Paris, pediu aos juízes que apresentassem acusações de homicídio culposo contra a Continental Airlines e dois de seus funcionários - John Taylor, o mecânico que substituiu a tira de desgaste no DC-10, e seu gerente Stanley Ford - alegando negligência na forma de fazer o reparo. 

​​A Continental negou as acusações, e alegou no tribunal que estava sendo usado como bode expiatório pela BEA . A companhia aérea sugeriu que o Concorde "já estava pegando fogo quando suas rodas atingiram a tira de titânio, e que cerca de 20 testemunhas em primeira mão confirmaram que o avião parecia estar em chamas imediatamente após o início da decolagem".


Ao mesmo tempo, foram feitas acusações contra Henri Perrier, chefe do programa Concorde na Aérospatiale, Jacques Hérubel, engenheiro-chefe do Concorde, e Claude Frantzen, chefe da DGAC, o regulador das companhias aéreas francesas. Foi alegado que Perrier, Hérubel e Frantzen sabiam que os tanques de combustível do avião podiam ser suscetíveis a danos por objetos estranhos, mas mesmo assim permitiram que ele voasse.

O julgamento ocorreu em um tribunal parisiense de fevereiro a dezembro de 2010. A Continental Airlines foi considerada criminalmente responsável pelo desastre. Ela foi multada em € 200.000 (US$ 271.628) e condenada a pagar à Air France € 1 milhão. Taylor foi condenado a 15 meses de pena suspensa , enquanto Ford, Perrier, Hérubel e Frantzen foram inocentados de todas as acusações. 


O tribunal decidiu que o acidente resultou de um pedaço de metal de um jato Continental que foi deixado na pista; o objeto perfurou um pneu do Concorde e, em seguida, rompeu um tanque de combustível. As condenações foram anuladas por um tribunal de apelações francês em novembro de 2012, isentando Continental e Taylor de responsabilidade criminal.

O tribunal parisiense também decidiu que a Continental teria que pagar 70% de quaisquer pedidos de indenização. Como a Air France pagou 100 milhões de euros às famílias das vítimas, a Continental poderia ser obrigada a pagar sua parte no pagamento da indenização. 


O tribunal de apelações francês, embora revogasse as decisões criminais do tribunal parisiense, confirmou a decisão civil e deixou a Continental responsável pelos pedidos de indenização.

Um monumento em homenagem às vítimas do acidente foi construído em Gonesse. O monumento Gonesse consiste em um pedaço de vidro transparente com um pedaço de uma asa de avião saliente. 

Memorial às vítimas do acidente com o Concorde
Outro monumento, um memorial de 6.000 metros quadrados (65.000 pés quadrados) cercado com topiaria plantada na forma de um Concorde, foi estabelecido em 2006 em Mitry-Mory, ao sul do Aeroporto Charles de Gaulle (foto abaixo).


A queda do Concorde enviou ondas de choque ao redor do mundo. Toda a frota do Concorde ficou parada por mais de um ano. Quando finalmente retomou o serviço, os altos custos e o baixo número de passageiros (graças ao acidente e à retração da aviação pós-11 de setembro) forçaram a Air France e a British Airways, as únicas companhias aéreas a voar no Concorde, a encerrar os voos supersônicos. 

Em 26 de novembro de 2003, o Concorde voou pela última vez. "Foi um dia triste quando vimos a retirada da aeronave. Mas, por outro lado, reconhecendo que se tratava da tecnologia de 1965, provavelmente era hora de aposentar a aeronave e ir para outras coisas mais modernas", declarou o investigador de acidentes aéreos Bob MacIntosh.


"Pela primeira vez na história da aviação, foi uma espécie de retrocesso. Tínhamos transporte supersônico, e não temos mais.", finalizou o piloto de Concorde Jean-Louis Chatelain.

Foi o único acidente fatal do Concorde durante sua história operacional de 27 anos.

Por Jorge Tadeu (site Desastres Aéreos)

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