O Escritório de Investigações e Análises (BEA) da Aviação Civil da França fez saber mais detalhes da operação de resgate dos destroços do Airbus A330 e dos corpos das vítimas do acidente com o voo 447 da Air France, encontrados a 3 900 metros no fundo do Oceano Atlântico, cerca de 1 100 quilômetros à nordeste de Recife.
O Ile de Sein, navio-cabo escolhido para realizar a missão, zarpou de Las Palmas (Ilhas Canárias) com previsão de chegada à zona do acidente por volta do dia 28 de abril. Mas antes, o barco da francesa Alcatel-Lucent fará uma escala em Dacar (Senegal) para embarcar o ROV Remora 6000 e a equipe da empresa americana Phoenix International que opera o veículo autônomo submersível capaz de funcionar até 6 400 metros de profundidade onde só há luz dos seres marinhos abissais.
O comandante da missão é o monoglota francês Alain Brouillard, investigador-chefe do BEA. Além de três outros investigadores do organismo estatal francês, seguem dois “representantes credenciados”. Um deles pertence à britânica Air Accidents Investigation Branch (AAIB) e o outro, é o coronel da FAB Luís Cláudio Lupoli, investigador do Centro de Investigação e Prevenção de Aeronáuticos (CENIPA). A Airbus está enviando três especialistas e a Air France, apenas um.
A equipe embarcada conta com um técnico americano em imagens de sonar e um psicólogo para cuidar de eventuais distúrbios provocados pela tentativa de resgate das vítimas. O BEA diz que as fotografias mostraram uma cena de horror, “dezenas e dezenas de corpos” junto aos destroços do Airbus 330-203. A precaução acontece seguida ao resgate dos restos mortais das vítimas do acidente aéreo de Sharm el-Sheikh, no extremo sul da península do Sinai, junto do Mar Vermelho. Alguns participantes da operação de resgade precisaram de apoio psicológico durante seis meses. A possibilidade de resgate dos corpos ainda é uma incognita. Alguns deles estão presos por cintos de segurança nas poltronas. Tampouco se sabe qual será a reação do tecido humano, conservado quase dois anos a zero graus Célcius e imune às bactérias que provocam decomposição. O contato com temperaturas mais elevadas pode provocar degradação. O navio está equipado com containers refrigerados para o transporte dos corpos até a França, onde serão, eventualmente, analizados por legistas e depois, restituídos às famílias.
Os juízes de instrução do Tribunal de Grande Instância de Paris, Silvie Zimmerman e Yann Daurelle, responsáveis pela investigação penal francesa, na qual a Air France e a Airbus foram indiciadas por homicídio culposo, enviaram quatro agentes da Polícia Judicial (OPJ) que serão assistidos por três especialistas do Instituto de Pesquisa Criminal da Gendarmaria, o IRCGN na sigla em francês. São eles os responsáveis pela decisão do resgate dos corpos, e ninguém mais.
O CENIPA organizou uma entrevista coletiva à imprensa para anunciar a presença do coronel Lupoli e a participação “ativa” do Brasil segundo rege o Anexo 13 da Convenção de Chigago que aborda as investigações de acidentes aéreos. Não é bem isso. O Anexo 13 está a disposição para qualquer alfabetizado ler. O órgão investigador, no caso, o BEA, só tem a obrigação de informar o andamento e os resultados da investigação ao “representante credenciado”, no caso, o coronel Lupoli, do CENIPA.
O coronel Lupoli não tem direito de intervir ou direcionar a investigação nem possui poder de veto. Uma vez a investigação concluída, as observações dos “representantes credenciados” podem ser anexadas como informações adicionais em pé de página. Isso não quer dizer bem participação “ativa” como o Ministério da Aeronáutica tenta fazer crer aos menos cautelosos e incautos.
Se os franceses acharem as caixas-pretas, por exemplo, o BEA deixou claríssimo – atitude rara em comportamento tradicionalmente opaco no que diz respeito a comuniçação de informações – que no momento da extração de registros de dados e áudio, só haverá a presença de funcionários do orgão de investigação francês, um agente da Policia Judiciária e uma câmera de vídeo para documentar a operação. Depois, o BEA entregará a transcrição para os “representantes acreditados”.
Caso os franceses encontrem as caixas-pretas – a possibilidade é alta porque a cauda da aeronave onde estão os aparelhos está em boas condições, segundo dizem os investigadores baseados em 13 000 fotografias –, elas serão seladas pela Policia Judiciária. Em seguida, os dois aparelhos serão embarcadas em uma fragata da Marinha francesa que os levará diretamente para França. Pergunta-se: por que não levar as caixas-pretas para Recife e a partir de lá, decolar em voo para Paris? Seria operacionalmente mais rápido. Mas as autoridades francesas não querem ouvir falar na possibilidade das caixas-pretas transitarem por território brasileiro. Por que será?
Por Antonio Ribeiro (veja.abril.com.br/blog/de-paris) - Imagem: Veja,com