A aviadora norte-americana Amelia Earhart, esteve em Fortaleza pouco antes de desaparecer no oceano pacífico, em 1937. Agora, ela é personagem de filme em cartaz na cidade
"O povo tem seguido, olhos fitos no ar, a rota que a aviadora americana Amelia Earhart vem fazendo em torno do mundo. Chegada 6ª feira, às 16h30, ao nosso porto, a reportagem desta folha, à noite, foi entrevistá-la no Hotel Excelsior, às 20h45". É assim que o jornal "O Nordeste", datado de 7 de junho de 1937, descreve a passagem por Fortaleza de Amelia Earhart.
Primeira mulher a cruzar o Atlântico pilotando um avião, Amelia também é pioneira no movimento pela emancipação feminina a partir da premissa de que o "sexo frágil" poderia atuar nos mesmos campos que um homem.
Naquele ano, Amelia se lançava a um desafio ainda mais ousado: realizar a volta ao mundo margeando a linha do Equador, a maior circunferência da Terra. Porém, em 2 de julho, os fortalezenses teriam a notícia de que aquela moça loira e franzina, que andava pelos saguões do Excelsior Hotel de calças compridas e cabelos curtos de rapazinho, desaparecera nas águas do Oceano Pacífico. Estava prestes a completar sua jornada. Contudo, antes que a fatalidade fizesse nascer o mito, Amelia Earhart havia deixado um rastro fulgurante na memória da Capital cearense.
Pilotando um Lockheed Electra, a aviadora e seu navegador, Fred Noonan, avistaram, entre densas dunas, arrecifes e manguezais, uma cidade com pouco mais de 100 mil habitantes, cujos limites abarcavam o que hoje é tão somente o Centro da capital.
Em fotos aéreas da época, ainda é possível ver a antiga Igreja da Sé, derrubada em 1939 para a construção da Catedral Metropolitana. Amelia vinha de Paramaribo (capital do Suriname) e deveria aportar em Natal. No entanto, problemas por conta de deficiência de luz fizeram com que a aviadora aterrissasse no aeroporto do Alto da Balança. O barulho assustou as vacas que pastavam na margem da pista. A empresa Standard Oil, que patrocinava a empreitada, aproveitou para abastecer a aeronave e fazer pequenos reparos.
Enquanto esperava pelo conserto, Amelia foi bastante assediada pela imprensa cearense. Na hora de comprar uma borracha esponjosa, não permitiram que ela pagasse.
As impressões da aviadora sobre Fortaleza, de acordo com o livro "História da Aviação no Ceará", davam conta de contrastes flagrantes numa cidade de hábitos provincianos, mas que se via invadida por novidades tecnológicas como o automóvel e o avião: "nas ruas, jumentos e cangalhas repletos de mercadorias; carroças, ônibus e automóveis circulando juntos. Na praia, sobrevoando as jangadas, passavam aviões para Miami, Buenos Aires e outros destinos".
A Cidade de Fortaleza, em 1937, quando Amelia posou no aeroporto do Alto da BalançaEm Fortaleza, Amelia também despertou um amor platônico num homem que, a seu exemplo, ficou notabilizado por viver com a cabeça no céu. O astrônomo Rubens de Azevedo era um "mancebo imberbe" de 16 anos quando a aviadora aqui aportou. Em seu livro "Memórias de um Caçador de Estrelas", ele lembra que trabalhava na Sociedade de Cultura Artística. Por isso, praticamente morava no Excelsior Hotel. Apesar de pouco inglês, trocou com ela algumas palavras e se ofereceu para levá-la ao aeroporto, pois Amelia já estava indo embora.
"E vi o avião partir e sumir na madrugada cinzenta. Ela acenou para mim, a mão branca e elegante, o rosto vermelho, rosto de rapazinho de cabelo curto, louro e desgrenhado. Foi assim que conheci Amelia Earhart. Ela veio do outro mundo, conhecemo-nos em Fortaleza, levei-a ao seu embarque e ela se foi como num sonho - mas deixou rastros profundos na minha memória, pois foi uma heroína da minha adolescência....", escreveu Azevedo.
Curiosidades
● Em Fortaleza, o transporte de passageiros da aviação civil era inicialmente feito em hidroaviões, que utilizavam a foz do Rio Ceará para decolar e amerrissar (pousar na água). A empresa alemã Condor operava a maior parte dos voos que chegavam a Capital cearense, mas parou de atuar depois que o Brasil se alinhou contra as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), durante a II Guerra Mundial.
● Posteriormente, quando foi feita a pista de pouso do Alto da Balança (onde atualmente fica a Base Aérea de Fortaleza), os pilotos que passavam por aqui costumavam chamar aquela área de "cocorote", uma corruptela do inglês "Cocó route", ou "rota do Cocó", em referência à proximidade do aeroporto com o Rio Cocó.
● Fred Noonan, navegador que acompanhava Amelia Earhart na tentativa de dar a volta ao mundo, mandou confeccionar um blusão numa camisaria de Fortaleza, que foi feito em poucas horas, já que dez costureiras estavam à disposição para tirar medidas, cortar tecido e iniciar a confecção. O livro "História da Aviação do Ceará" cogita que a camisaria em questão seria "A Cruzeiro", cujo slogan da época era: "camisa em 60 minutos e um terno em 24 horas".
● Cerca de 100 aviões e 10 navios foram mobilizados depois de perdido o contato com a aviadora. Como o avião de Amelia Earhart desapareceu sem sinal dos destroços ou dos corpos dos aviadores, muitas teorias foram levantadas sobre o que teria realmente acontecido. Uma delas é a de que Amelia servia como espiã do governo americano e o avião teria sido interceptado por japoneses.
Fonte: Karoline Viana (Diário do Nordeste) - Fotos: Reprodução do livro "Amélia", da editora Universe