Boieng 737 Max 8 (Foto: Divulgação)
Durante sua longa história, o Boeing 737 ganhou mais apelidos do que qualquer outra aeronave comercial. Entre eles estão: Baby Boeing, Tin Mouse (Rato de Alumínio), Light Twin (Gêmeo Leve), Guppy, Bobby, Rudder Rotor (Leme Rotor), além de alguns menos lisonjeiros, como Fat Freddy e Dung Beetle (Besouro Rola-Bosta).
Mas nenhum deles é tão notório quanto Max, o nome que a Boeing deu à mais recente encarnação do 737, que agora é sinônimo de desastre, bem como um dos piores erros corporativos de todos os tempos. Os problemas que afetaram o 737 Max estão intimamente ligados ao fato de que a fundação do avião data da década de 1960.
Mais de 50 anos após seu voo inaugural, o Boeing 737 é o avião de passageiros de maior sucesso já fabricado e aquele cujo futuro é mais incerto do que nunca.
'Máquina lucrativa'
O primeiro 737 foi lançado em 17 de janeiro de 1967 e voou pelos céus pela primeira vez três meses depois. Ele foi batizado por comissários de bordo das 17 companhias aéreas que o encomendaram. A alemã Lufthansa recebeu a versão de produção do avião, conhecido como 737-100, ainda naquele ano, marcando a primeira vez que um novo Boeing foi lançado por uma companhia aérea europeia.
O primeiro voo do Boeing 737 aconteceu em 9 de abril de 1967 (Foto: Divulgação/Boeing)
A United Airlines recebeu seu primeiro 737 no dia seguinte, em uma versão um metro mais longa para acomodar mais assentos e apelidada de 737-200, que se mostrou mais popular. "No início, o 737 era uma aeronave muito forte e confiável", disse Graham Simons, historiador da aviação e autor do livro "Boeing 737: O jato comercial mais controverso do mundo", em tradução livre.
"Alguns deles foram até usados para pousar em pistas de cascalho, e ainda estão seguem em uso para os mesmos fins no norte do Canadá. Algumas companhias de frete aéreo europeias voavam 18-20 horas por dia sem problemas na alta temporada", acrescentou.
Comparado aos dois jatos anteriores da Boeing, o quadrimotor 707 e o trimotor 727, o 737 era um avião menor e mais econômico. Seus principais concorrentes na época, o BAC-111 e o Douglas DC-9, também tinham dois motores, mas que eram colocados perto da cauda do avião, tornando a seção traseira da cabine mais estreita e barulhenta.
Os projetistas da Boeing colocaram os motores do 737 sob as asas, como os outros jatos da empresa, o que reduziu o ruído e a vibração e tornou a manutenção mais fácil, porque podiam ser alcançados sem uma escada.
No entanto, ao contrário dos aviões maiores da Boeing, o 737 não tinha seus motores montados em pylons (suportes que prendem a turbina à asa) na frente das asas, mas diretamente abaixo delas. Isso permitiu que a aeronave ficasse bem baixa em relação ao solo, facilitando o carregamento da bagagem.
"Era possível carregar o avião a partir da traseira de um caminhão, sem maquinário específico. Também era mais fácil reabastecer, porque as asas ficavam mais baixas", disse Simons.
"O avião não exigia escadas externas para o acesso dos passageiros. Em vez disso, havia escadas de ar que saíam por baixo da porta e desciam. Tudo isso podia reduzir o tempo de operação em um grande aeroporto de cerca de 90 para 40 minutos. Era uma grande economia".
Além desses pontos de venda, o 737 também tinha seis assentos por fileira em comparação com os cinco dos concorrentes, o que significava que podia transportar mais passageiros. "A aeronave se tornou uma máquina muito lucrativa", acrescentou Simons.
Alta demanda
O 737 foi a primeira aeronave da Boeing com dois tripulantes, eliminando a estação de engenheiros de voo que era comum na época, e introduzindo outra inovação que se tornaria padrão.
Para demonstrar que o avião poderia ser conduzido com segurança por apenas dois pilotos, a Boeing voou ao longo do movimentado corredor Washington-Boston por 40 vezes em seis dias durante o Dia de Ação de Graças de 1967, simulando uma série de falhas e problemas.
Como resultado, a Administração Federal de Aviação (FAA) aprovou o avião para a operação com dois tripulantes. As companhias aéreas, no entanto, não se adaptaram rapidamente. "Naquela época, praticamente todo avião tinha três tripulantes e, às vezes, em voos transatlânticos, havia quatro: dois pilotos, um engenheiro de voo e um navegador", contou Simons.
"Mas a tecnologia tinha evoluído, e havia muito mais equipamentos automáticos no 737. Em voos curtos, o trabalho realizado pelo engenheiro de voo podia ser compartilhado entre os dois pilotos. "Era uma grande economia para a companhia aérea: menos peso para carregar e menos um salário para pagar. Os sindicatos, no entanto, não gostaram".
A resistência dos sindicatos diminuiu a aceitação da operação com dois tripulantes, e muitas companhias aéreas mantiveram o engenheiro de voo até o início dos anos 1980. Esse foi um dos fatores que desacelerou a tração comercial do 737, e as companhias aéreas inicialmente operaram o avião com três tripulantes.
Entretanto, em 1987 o 737 era o avião mais encomendado da história comercial, de acordo com a Boeing. Seu sucesso veio como resultado da primeira grande reformulação do avião, que estreou em 1984 com o 737-300.
O modelo era mais comprido e mais largo, com capacidade para 150 passageiros, e foi projetado para enfrentar seu novo rival, o Airbus A320 europeu, que havia sido lançado no mesmo ano. O 737-300 tinha um motor novo e mais moderno, que representou o primeiro grande desafio para os engenheiros da Boeing.
Ele era muito maior que o motor anterior e não cabia embaixo da asa, já que o avião havia sido projetado para ser baixo em relação ao solo. O problema foi resolvido reduzindo o diâmetro da turbina e realocando os componentes do motor da parte inferior da carcaça para as laterais. Isso deu a ele um design distinto e aplainado da parte inferior, coloquialmente conhecido como "bolsa de hamster".
O sucesso dessa atualização pôs de lado os planos iniciais de projetar uma aeronave totalmente nova e mais moderna para substituir o 737, mostrando à Boeing que os resultados poderiam ser alcançados "ensinando novos truques a seu cachorro velho".
A próxima geração
Até 1993, mais de 3 mil 737 haviam sido encomendados, e cerca de um quarto deles ainda voam até hoje. Naquele mesmo ano, a Boeing anunciou o terceiro redesenho do avião (chamado de Next Generation, ou Próxima Geração) que se provaria extremamente popular e consolidaria ainda mais a posição do 737 como o avião de passageiros mais bem-sucedido do mundo.
Trabalhando mais uma vez na mesma fuselagem para acelerar a certificação e levar os aviões às companhias aéreas rapidamente, a Boeing atualizou as asas do avião, sua capacidade de combustível, seu motor, cabine e interior, além de aumentar seu peso de decolagem.
Quatro versões foram inicialmente lançadas (seguidas por várias revisões), acomodando entre 110 e 189 passageiros. A linha incluía o modelo 737 mais longo até agora, o 737-900ER, que com 138 pés era 44 pés mais longo do que o 737-100 original, e oferecia quase o dobro do alcance.
O Boeing 737-900ER é o modelo mais longo da linha, com capacidade de até 215 passageiros
(Foto: Divulgação/Boeing)
No total, a linha da Próxima Geração recebeu mais de 7 mil pedidos, ajudando o 737 a se tornar a primeira aeronave comercial a ultrapassar 10 mil pedidos em 2012. Naquela época, quase um terço de todos os voos comerciais eram operados por um 737, e um decolava ou pousava em algum lugar do mundo a cada dois segundos.
Durante o lançamento deste redesenho, a Boeing novamente começou a trabalhar em uma substituição totalmente nova para o então envelhecido 737, um projeto com o codinome Y1. No entanto, a ideia foi abandonada mais uma vez, devido ao sucesso de mais uma atualização parcial e à pressão contínua do Airbus A320, que vendia rapidamente.
O Max
Em 2011 foi anunciado o Boeing 737 Max, a quarta geração da aeronave. "A Boeing precisava combater o que a Airbus estava fazendo com o A320neo, uma versão do avião com um novo motor que era substancialmente mais eficiente em termos de combustível", relatou Simons.
Para fazer isso, contudo, a empresa se deparou com um problema que já havia encontrado: os motores que queria para o 737 Max, novos e muito maiores, não cabiam sob as baixas asas do avião, um problema que a Airbus não tinha, porque o A320 já era muito mais alto do que o 737.
A solução foi adicionar algum comprimento ao trem de pouso dianteiro e montar os motores mais à frente e mais alto nas asas, dando-lhes a folga de que precisavam. Mas, como a Boeing descobriu mais tarde em simuladores, isso alterou a aerodinâmica do avião, fazendo-o inclinar perigosamente em certas situações.
A apresentação do Boeing 737 Max, quarta geração do 737, em 2016 (Foto: Divulgação/Boeing)
Para contornar o problema, a empresa desenvolveu um sistema de segurança chamado MCAS (Maneuvering Characteristics Augmentation System, ou Sistema de Aumento de Características de Manobra) que empurraria imediatamente o nariz do 737 para baixo se ele inclinasse muito.
Como o MCAS foi projetado para fazer o 737 Max voar exatamente como os 737 anteriores, e como a Boeing acreditava que ele entraria em ação apenas em circunstâncias extremas de voo, o sistema foi mantido quase em segredo.
A Boeing decidiu não incluí-lo na breve aula que os pilotos já certificados para os 737 anteriores precisavam assistir para voar no 737 Max. Além disso, o MCAS dependia de um único sensor, uma heresia na aviação, onde a redundância é sempre a preferência.
As companhias aéreas gostaram do 737 Max porque era mais econômico de se operar e não exigia um treinamento caro de simulação para seus pilotos. As quatro versões do avião ofereciam várias outras melhorias, incluindo capacidade para até 204 passageiros, maior alcance e winglets, as extensões de ponta de asa, voltadas para cima e para baixo como padrão, para aumentar ainda mais a eficiência de combustível.A aeronave iria ultrapassar 5 mil pedidos, elevando o total da linha 737 até o momento para mais de 16 mil, não fosse o desastre.
Suspensão mundial
Dois acidentes fatais, ambos envolvendo o 737 MAX 8, ocorreram em 29 de outubro de 2018 e 10 de março de 2019. Em ambos, o MCAS foi ativado incorretamente devido a dados errôneos de um sensor defeituoso e inclinou o nariz do avião para baixo.
O Boeing 737 Max, que não voa desde 2019 (Foto: Divulgação/Boeing)
Os pilotos não sabiam como reagir e tentaram desesperadamente levantar o nariz do avião, mas o MCAS foi ativado repetidas vezes e acabou mergulhando os aviões em direção ao solo. Um total de 346 pessoas morreram a bordo desses dois voos. Poucos dias após o segundo acidente, uma vez que as semelhanças com o primeiro se tornaram óbvias, a Boeing suspendeu toda a frota do 737 Max.
"Na minha opinião, o Max representou uma série de modificações que foram longe demais. Para começar, eles nunca deveriam ter levado isso adiante. Eles deveriam ter se sentado diante de uma tela de computador em branco para projetar uma aeronave inteiramente nova", afirmou Simons.
De acordo com documentos internos divulgados no início de 2020, um funcionário da Boeing descreveu o avião como "projetado por palhaços, que por sua vez são supervisionados por macacos". Já sofrendo com a pandemia, a indústria da aviação ainda aguarda o veredito final sobre a saga do 737 Max.
As companhias aéreas dos Estados Unidos voltarão a operar com a aeronave antes do fim do ano, depois que a FAA autorizou a decolagem no fim de novembro. Porém, nesse meio tempo a produção do avião ficou parada por meses e centenas de pedidos foram cancelados.
O Boeing 737 recebeu mais apelidos do que qualquer outra aeronave comercial
(Foto: Divulgação/Boeing)
Resta saber se a Boeing continuará chamando o avião de Max ou se vai renomeá-lo por completo, e se o público terá desconfiança da aeronave a ponto de evitá-la deliberadamente. Mas será que é seguro voar em um 737 Max? Sem dúvida, de acordo com Simons.
“Nenhuma das autoridades de aviação do mundo vai se arriscar a liberar essa aeronave para voar se elas não a tiverem testado exaustivamente", acrescentou. "Elas provavelmente farão muito mais testes do que são realisticamente necessários, para terem 100% de certeza de que é seguro voar".