quinta-feira, 1 de junho de 2023

A VASP e seus ‘pássaros’ no Aeroporto de Congonhas

Aeroporto na Zona Sul da capital paulista foi por décadas a principal fortaleza e base de operações da VASP, com hangares, oficinas de manutenção e sua vistosa sede. Em suas instalações passaram quase todos os modelos que a empresa paulista utilizou.

Boeing 737-200 da VASP em Congonhas (Aero Icarus)
As histórias do Aeroporto de Congonhas e da VASP estão intrinsecamente ligadas. O primeiro surgiu devido a necessidade da novata companhia aérea em ter um aeroporto que não fosse afetado pelas chuvas, como ocorria no Campo de Marte nos anos 1930. Os prejuízos eram tantos que a empresa pediu subvenção ao governo paulista e este preferiu estatizar a empresa em 10 de março de 1935. Até então, a transportadora possuía três aeronaves: dois General Aviation Monospar (PP-SPA e SPB) e um de Havilland DH.89 Dragon Rapide (PP-SPC).

Dragon Rapide (Domínio Público)
Em abril de 1936 chegou o primeiro trimotor Junkers JU-52 (PP-SPD), um dos maiores sucessos da indústria aeronáutica alemã do período. Batizado de “Cidade de São Paulo”, o PP-SPD realizou dois marcos históricos simultâneos: a inauguração do Aeroporto de Congonhas, em 05 de agosto de 1936, e ligar São Paulo com Rio de Janeiro na mesma data, sendo o embrião da Ponte Aérea Rio-São Paulo, uma das mais movimentadas ligações aéreas entre duas cidades no mundo.

Ao mesmo tempo que o PP-SPD decolava rumo ao Rio de Janeiro, o PP-SPE, batizado Rio de Janeiro, saía da então capital federal para São Paulo, ambos os voos com presença de autoridades municipais, estaduais e federais. Os voos especiais foram um sucesso e no retorno de cada avião para sua base, ambos sofreram incidentes que inviabilizaram suas operações por um período: o primeiro Ju-52 da VASP bateu com máquinas que trabalhavam na movimentação de terra em Congonhas, e o segundo trimotor com flutuadores no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

O Monospar, primeiro avião da VASP (Domínio Público)
A dupla alemã ficou em reparos e a diretoria da VASP esperou que ambos os aeroportos estivessem com as obras concluídas para operar regularmente na rota, fato possível a partir de 30 de novembro do mesmo ano, inaugurado pelo mesmo PP-SPD.

Informalmente Congonhas era conhecido como “Campo da VASP”, pois a criação do aeroporto foi um dos investimentos do governo estadual para viabilizar a empresa. Em julho de 1940, com dois Monospar e dois Junkers JU-52, a companhia operava dois voos diários (exceto aos domingos) para o Rio de Janeiro, dois semanais para Curitiba, sendo um deles indo até Florianópolis e um semanal para Goiânia via Ribeirão Preto e Uberaba. Era a maior operadora do terminal aéreo na zona sul de São Paulo, com 15 voos semanais, contra oito voos da Condor, quatro da Panair do Brasil e dois da Pan American World Airways.

Junkers JU-52
Em 1941, com mais dois Junkers JU-52, a VASP aumentava para três voos diários para o Rio de Janeiro, estendia a rota de Florianópolis até Porto Alegre e inaugurava um voo semanal para São José do Rio Preto via São Carlos.

No mesmo período, a Segunda Guerra Mundial restringia a obtenção de peças para a manutenção dos Junkers, impedindo não só a VASP, mas congêneres que operavam aeronaves alemãs, de expandirem suas operações. Os aviões eram retirados de operação e alguns até serviam de peças de reposição para a frota ativa.

O raro avião sueco Scandia


Com o término da guerra, diversos C-47/DC-3 utilizados no conflito estavam disponíveis por preços acessíveis e passaram a ser espinha da frota mundial no pós-guerra. Na VASP não foi diferente e em janeiro de 1946 chegou o primeiro avião. Robusto, fácil manutenção e confiável, o DC-3 operou na VASP por 28 anos, até 1974. A partir de Congonhas, a VASP usou o bimotor da Douglas para crescer no interior paulista, Minas Gerais, Norte do Paraná e Centro-Oeste. Em 1947, a VASP aposentou os Junkers JU-52 e por três anos (1947-1950) o Douglas DC-3 reinou sozinho no transporte de passageiros na empresa.

O Viscount, com 4 motores, foi um dos aviões usados na ponte aérea
O reinado do DC-3 na VASP se encerrou com a chegada do Saab 90 Scandia, bimotor sueco projetado para substituir o venerável Douglas. Apesar das excelentes qualidades, o Scandia foi operado por apenas duas empresas, a VASP e a Scandinavian Airlines System (SAS). A VASP recebeu os Scandia encomendados pela Aerovias Brasil, empresa que pertenceu brevemente ao Estado de São Paulo. Em meados da década de 1950, a VASP comprou os Scandias da SAS e tornou-se a única operadora mundial do modelo.

No 15º aniversário de Congonhas, o aeroporto era o terceiro mais movimentado do mundo, com 7.000 operações e mais de 100.000 passageiros circulando por mês no local. A VASP era uma das líderes deste crescimento, mas dividia o seu “campo” com outras operadoras, como a VARIG, REAL e as diversas empresas surgidas no pós-guerra.

Em 1958, a VASP realizava mais um pioneirismo: era a primeira empresa aérea do Brasil a operar turboélices ou, como propagavam na época, os “jatos-hélices”. Os Vickers Viscount 827 colocavam a VASP à frente da concorrência doméstica e permitiram que a empresa operasse novos voos saindo de Congonhas, rumo à Porto Alegre e Nordeste. Para uma empresa que operava com os versáteis DC-3 e Scandia, a chegada de uma aeronave nova representava um salto tecnológico poucas vezes visto na aviação comercial brasileira.

O sueco Scandia (Farnborough Air Sciences)
Em 06 de julho de 1959, o Scandia PP-SQU inaugurava a Ponte Aérea Rio-São Paulo, um serviço concebido em conjunto pela VASP, VARIG e Cruzeiro do Sul para concorrer com a REAL nos voos para o Rio de Janeiro. De forma inédita, as três empresas ajustavam as partidas a cada trinta minutos de cada cidade e um passageiro com o bilhete da VARIG poderia embarcar no primeiro voo disponível, seja da própria empresa quanto da VASP ou Cruzeiro do Sul, e a compensação era feita à noite.

Em 05 de janeiro de 1962, a VASP comprou o Lóide Aéreo Nacional, passando de uma empresa regional com forte atuação em São Paulo e estados limítrofes para uma nacional, com 25% do mercado de passageiros.

Nesta compra vieram aeronaves que a VASP nunca operou até então: Douglas DC-4, DC-6 e Curtiss Commando/C-46. Estas aeronaves não eram visitantes frequentes em Congonhas, com operações pontuais ou por conta de manutenção nas oficinas da empresa. Só no final da década de 1960 os DC-6 passaram a operar mais em Congonhas quando foram convertidos em cargueiros.

A fusão com o Lóide Aéreo Nacional reverteu os resultados operacionais dos anos anteriores para prejuízos e, diante desta situação, a VASP comprou 10 Viscount 701 da British European Airways (BEA) para operar em rotas em que competiam com os Caravelle da VARIG, Cruzeiro do Sul e Panair do Brasil. O modelo 701 substituiu o Scandia na Ponte Aérea e sua operação durou até 1969, quando o custo de fazer reforços estruturais nas asas devido ao período de ciclo de operação estar próximo do fim.

Dois One-Eleven marcam a entrada na era do jato


One-Eleven da VASP na Inglaterra (Divulgação)
A década de 1960 foi o alvorecer dos jatos na aviação mundial e, no Brasil, a VASP estava atrás das concorrentes em operar estes modelos. A tentativa de contar com jatos começou com a compra de seis Caravelle VI-R em 1962, mas a compra foi cancelada devido às condições financeiras e a VASP só receberia jatos apenas em dezembro de 1967, com dois BAC 1-11-400, comumente chamados de One-Eleven.

A dupla de bimotores britânicos começou a operar em 8 de janeiro de 1968, ligando Congonhas com Manaus via Rio de Janeiro e Belém, e Fortaleza com Porto Alegre, com as escalas em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Estes se tornaram o quarto modelo a jato puro a operar em Congonhas, depois do Caravelle, Convair 990 e Comet IV.

Samurai da VASP
No mesmo ano a VASP recebeu os NAMC YS-11, turboélice bimotor japonês, batizado de Samurai pela empresa e colocado em operação na rota entre Congonhas e Cuiabá. A VASP possuía a maior frota de turboélices do país, composta pelos Samurais e os Viscounts, todavia a empresa queria mais jatos, pois dois One-Elevens eram responsáveis por 24% da receita de passageiros por km (RPK em inglês) da VASP, que tinha uma frota de 38 aeronaves na época.

Boeing 737 da Vasp chegou ao país em 1969
Em 25 de julho de 1969, a VASP recebe os primeiros quatro Boeing 737-200 de uma encomenda de cinco. O primeiro deles, PP-SMA, tocou o solo de Congonhas às 16h36, com os outros três (SMB, SMC e SMD) pousando depois a cada quatro minutos de diferença. Antes disso, a quadra realizou diversos rasantes sobre o aeroporto, que viria ser o ninho da maior frota de 737-200 da América Latina nos próximos anos. Cinco dias depois da chegada, o PP-SMB realizava o primeiro voo comercial dos 737-200 no país.

A chegada de jatos nas empresas aéreas e a aposentadoria de aeronaves a pistão como C-47/DC-3 e C-46 reduziram drasticamente a quantidade de cidades servidas por via aérea no Brasil. A VASP também experimentava esta situação e, entre 1967 e 1972, realizou estudos para voos regionais a partir de Congonhas, operando em caráter experimental os de Havilland Canada DHC-6 Twin Otter (PP-SRV) em novembro de 1967, o Beech 99 (PP-SRW) em 1968, o Nord 262 (N26215) nas cores da americana Lake Central em fevereiro de 1969 e o Swearingen Metro (PP-SAF) em dezembro de 1972.

No final prevaleceu a vontade do Governo Federal em fomentar a Embraer e, em 04 de outubro de 1973, a VASP recebia os primeiros Embraer EMB-110 Bandeirante e, fazendo jus ao nome da aeronave, foram empregados nas rotas que ligavam Congonhas com o interior paulista.

O Boeing 727-200 foi o maior avião da VASP até a chegada do A300 (Pedro Aragão)
O Boeing 727-200 foi o terceiro modelo a jato que a VASP operou. Denominados Super 200, o primeiro deles (PP-SNE) foi recebido no dia 19 de abril de 1977, tornando-se a maior aeronave a ser operada até então em Congonhas. Em 03 de janeiro 1979, a empresa recebeu o primeiro de dois modelos do Boeing 727-100, destinados para os voos cargueiros. Com as cores básicas da Lufthansa, sua antiga operadora, o PP-SRY e PP-SRZ operaram até 1981.

Airbus A300, o primeiro widebody


No dia 22 de novembro de 1982, a VASP recebeu o Airbus A300B2K-200 proveniente de Toulouse, França. Recebido com grande festa e batizado de Epaminondas, o A300 foi a primeira aeronave de dois corredores (widebody) da VASP, e foi empregada nas rotas mais prestigiosas da companhia, ligando Congonhas com Manaus via litoral (Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém), via Brasília, e Porto Alegre. No dia 18 de janeiro de 1984, o A300 inaugurou o primeiro voo charter internacional de passageiros da VASP, ligando Congonhas com Orlando, via Manaus e Aruba.

Em 25 de janeiro de 1985, o Aeroporto Internacional de Cumbica era inaugurado em Guarulhos, e São Paulo contava agora com um aeroporto com melhor estrutura operacional que Congonhas – apesar da estrutura para receber grandes jatos, Viracopos, alternativa a Congonhas, era muito distante da capital.

O Airbus A300-B2 foi o primeiro widebody da empresa (Aero Icarus)
A partir de agosto de 1985, Guarulhos passou a receber voos domésticos de Congonhas, relegando suas funções para voos regionais e a Ponte Aérea com os Electras da VARIG. Os A300, B727-200 e B737-200 da VASP só pousavam no aeroporto para manutenção ou apresentação, como foi com o Boeing 737-300 PP-SNS em 29 de abril de 1986. Posteriormente, este modelo operou em uma Ponte Aérea alternativa, ligando Congonhas com Galeão cinco vezes por dia.

Após testes, o Departamento de Aviação Civil (DAC) aprovou a operação dos 737-300 no Santos Dumont e, em 11 de novembro de 1991, a VASP iniciava a operação deste modelo na Ponte Aérea.

Naquele ano, a VASP vivia um processo de expansão acelerada, desejo de seu novo dono, o Consórcio VOE-Canhedo, que venceu a licitação de privatização do governo do estado. E novos modelos foram recebidos: o Boeing 737-400, Douglas DC-8-70F, DC-10-30 e MD-11. Os dois últimos não operavam em Congonhas por restrições na pista, enquanto os outros pousavam para manutenção.

O raro DC-8-73F, cargueiro que visitava Congonhas nos anos 90 (Aero Icarus)
Com a VASP concentrando esforços em Cumbica e na expansão internacional, sua presença em Congonhas foi sendo gradativamente diminuída ao longo dos anos, perdendo espaço para as novatas Rio-Sul e TAM. Em dezembro de 1999, fazia ligações diretas apenas para Belo Horizonte (Pampulha), Brasília, Rio de Janeiro (Santos Dumont) e um charter para Porto Seguro.

Manutenção foi a atividade derradeira da VASP em Congonhas


A maxidesvalorização do Real afetou as receitas internacionais da empresa e agravou mais seus créditos na praça e, outrora base de chegada dos novos modelos, Congonhas passou a ser local de aeronaves paradas por falta de dinheiro para manutenção, ou que serviriam de peças para as outras aeronaves.

Com inúmeros voos atrasados ou cancelados, a VASP recebeu comunicado do Departamento de Aviação Civil (DAC) de suspender as operações comerciais a partir das 23h59 de 26 de janeiro de 2005, com o PP-SFJ realizando o derradeiro voo de passageiros da empresa. Pouco tempo depois, em 05 de fevereiro, foram os serviços cargueiros que pararam.

Em Congonhas ficaram paradas as seguintes aeronaves: A300 (PP-SNL e SNN), 737-200 (PP-SMF, SMG, SMQ, SMS, SMU e SFI) e o 737-300 PP-SOT. Todas foram desmanchadas em um programa da Justiça Federal para retirar aeronaves que estavam abandonadas em diversos aeroportos brasileiros.

Vários 737 da Vasp viraram sucatas após a falência da empresa (Aeroprints)
Mesmo sem operar voos de passageiros e cargas, a VASP usava seus hangares para fazer serviços de manutenção a terceiros até 08 de setembro de 2008, quando foi decretada a falência da empresa. O hangar principal era esporadicamente usado para eventos, como a LABACE.

O hangar, que recebeu outrora desde DC-3 até A300, passando pelos Viscount 827, Boeing 727-200 e 737-200, inclusive realizando serviços para terceiros, como os VC-96 presidenciais, está sendo demolido. Esta demolição faz parte de um acordo entre a Infraero e a rede de lojas de construção Leroy Merlin em implantar uma loja conceito no lugar de parte das instalações da VASP.

Curiosidades:


Ao longo de sua história, a VASP teve outras aeronaves que não eram destinadas ao transporte de passageiros ou carga. Eram destinados a aerofotogrametria, treinamento, transporte de diretores e até mesmo a serviço do governo do estado e, possivelmente, frequentavam o Aeroporto de Congonhas. Estes aviões eram parte do que chamavam de “Vaspinha”, e eram o Cessna 195, Beech D18S, Nord 1203 Norecrin II, Piper PA-23, Beech Queen Air 80, de Havilland Canada DHC-2 Beaver e o helicóptero Bell 47D, o primeiro do Brasil.

Durante a fase que a VASP foi acionista Ecuatoriana de Aviación, Lloyd Aéreo Boliviano e Transportes Aéreos Neuquén S.A (TAN), aeronaves destas empresas iam para Congonhas para manutenção, como os A310-300, 727-200, Saab 340, Swearingen Metro e Rockwell Commander.

O DHC-2 Beaver que voou na “Vaspinha” em serviços de aerofotogrametria (Reprodução)

Estol de aeronaves: por que acontecem e como podem ser evitadas

Tecnicamente, você pode estolar uma aeronave em qualquer velocidade. Vamos dar uma olhada em como eles acontecem e alguns casos em que a recuperação não foi bem-sucedida.

Airbus A330-200 da Air France (Foto: Telsek/Shutterstock)
Em 1º de junho de 2009, o voo 447 da Air France estava em rota do Rio de Janeiro para Paris quando desapareceu do radar sobre o Atlântico durante uma tempestade. De acordo com o relatório da investigação francesa, os sensores de velocidade, também conhecidos como tubos de pitot, do Airbus A330 congelaram, resultando em leituras incorretas e no desligamento do piloto automático.

O Bureau d'Enquêtes et d'Analyses (BEA) disse que, embora os pilotos pudessem ter salvado o avião, eles fizeram o contrário do que seria necessário, puxando o avião até um ponto em que ele estolou. A Air France e a Airbus escaparam recentemente da acusação de homicídio culposo em relação ao acidente. Não importa quem foi o culpado, não há como negar a tragédia de um dos piores desastres aéreos da história moderna. Mas o que exatamente é um estol e o que o causa?

Um estol é uma condição em que a aeronave perde altitude e controle. É um dos fenômenos mais incompreendidos. Muitos acreditam que um estol é causado por uma perda de velocidade, mas isso é incorreto. A velocidade da aeronave não tem nada a ver com estol. Tecnicamente, você pode estolar uma aeronave em qualquer velocidade. Vamos dar uma olhada mais de perto nos fatores envolvidos.

Compreendendo o aerofólio, a camada limite e o ângulo de ataque


As asas de uma aeronave são essencialmente aerofólios. Um aerofólio pode produzir sustentação com grande eficiência. O ponto inicial de um aerofólio é conhecido como bordo de ataque e o final dele é conhecido como bordo de fuga. Tem a forma de uma lágrima e tem uma área de espessura máxima onde o elevador está mais concentrado. Ele também possui uma linha de corda, que é essencialmente uma linha reta que une a borda de ataque e a borda de fuga.

Aerofólio (Imagem: Oxford ATPL)
À medida que o ar flui sobre um aerofólio, as partículas em contato com o aerofólio são levadas com ele e têm uma velocidade de zero. As partículas adjacentes aceleram para a velocidade do fluxo livre em uma magnitude crescente à medida que se afastam do aerofólio. Da superfície do aerofólio até o ponto onde a viscosidade do ar não afeta mais o fluxo de ar é conhecida como camada limite. Para poder gerar sustentação, a asa ou o aerofólio precisa de uma camada limite anexada.

Conforme discutido anteriormente, a sustentação e, portanto, a pressão mais baixa em um aerofólio ocorre na região de espessura máxima. O fluxo de ar à frente da espessura e atrás da espessura geralmente experimenta uma pressão maior. É importante entender que o ar gosta de fluir de uma região de maior pressão para uma região de menor pressão.

Assim, na frente do aerofólio existe uma região de pressão favorável e logo atrás dela existe uma região de pressão desfavorável. Essa pressão desfavorável é conhecida como gradiente de pressão adverso. À medida que o ar se move do ponto de espessura máxima, a velocidade do fluxo de ar diminui, o que também reduz a energia cinética do fluxo. Isso acontece devido ao atrito da pele. Devido à velocidade de fluxo reduzida, o gradiente de pressão adverso continua a aumentar.

O fluxo de ar não pode continuar seu caminho contra um gradiente de pressão adverso crescente. O gradiente de pressão adverso faz com que as partículas de ar mais lentas (aquelas mais próximas do aerofólio) parem de se mover e, em algum ponto, o fluxo se separa do aerofólio. Isso é chamado de ponto de separação. Além desse ponto, ocorre a reversão do fluxo. Esta é a física de uma tenda.

A separação do fluxo ocorre quando a camada limite carece de energia cinética para lutar
contra o aumento do gradiente adverso de pressão (Imagem: tec-science)
O ângulo entre o fluxo de ar relativo e a corda do aerofólio é conhecido como ângulo de ataque. À medida que o ângulo de ataque aumenta, a sustentação gerada pela asa aumenta à medida que as linhas de corrente se aproximam. O outro efeito do aumento do ângulo de ataque é que ele faz com que a região de pressão mínima se mova para frente no aerofólio.

Como resultado, uma parte maior da asa fica exposta ao gradiente de pressão adverso e, assim, com o aumento do ângulo de ataque, o aerofólio se aproxima de um estol. O ângulo de ataque no qual ocorre o estol é conhecido como ângulo de ataque crítico. Este é o único fator que pode resultar em estol. Portanto, um estol em uma aeronave é um problema de ângulo de ataque.

Curva de elevação (Imagem: Oxford ATPL)

O que acontece com uma aeronave durante um estol e como os pilotos se recuperam?


Quando o ângulo de ataque da asa é aumentado além do ângulo de ataque crítico, a aeronave entra em estol, onde a asa não gera mais sustentação. O comportamento de uma aeronave durante um estol varia de aeronave para aeronave. Mas existem algumas indicações comuns. Uma das primeiras indicações de um estol iminente é o golpe aerodinâmico, o que significa que o avião vibra. Este buffet é causado pelo ar separado que atinge a cauda da aeronave.

A recuperação de um estol é bastante direta. Tudo o que um piloto deve fazer é empurrar o nariz para baixo e nivelar as asas se a aeronave estiver inclinada. Essa ação reduz o ângulo de ataque e reconecta o fluxo de ar sobre a asa. Uma vez recuperada, a aeronave pode ser puxada para trás da atitude de nariz para baixo e a potência adicionada para voltar à trajetória de voo anterior.


Um dos tipos de estol mais difíceis de se recuperar é o estol de alta altitude. Em grandes altitudes, o ar é mais rarefeito. Portanto, quando uma aeronave entra em estol nessas altitudes, leva muito tempo para se recuperar. A recuperação é a mesma. Empurre o nariz para baixo até que o fluxo de ar seja restabelecido. No entanto, devido ao ar muito rarefeito, pode ser necessária uma grande perda de altitude para finalmente sair do estol. Pode levar cerca de 10.000 a 12.000 pés para se recuperar se uma aeronave entrar em estol, digamos a cerca de 35.000 pés.

Recomenda-se deixar o empuxo do motor em marcha lenta durante a recuperação, principalmente naquelas aeronaves com motores acoplados sob as asas. Como o vetor de empuxo desses motores atua abaixo do centro de gravidade (CG) da aeronave, o acréscimo de empuxo do motor pode fazer com que o ângulo de ataque aumente, o que pode piorar a situação. Como discutido anteriormente, o voo 447 da Air France caiu depois de entrar em um estol em grande altitude.

Em algumas aeronaves a hélice, o uso da potência do motor na recuperação do estol pode ser benéfico. Isso ocorre porque a hélice causa aceleração do fluxo de ar sobre a asa e, às vezes, ajuda a recolocar o fluxo de ar nas asas. O Airbus A400M tem uma velocidade de estol 20 nós mais lenta quando estolado com todos os seus motores de 32.000 cavalos de potência ajustados em potência de subida.

Airbus A400M (Foto: Julian Herzog via Wikimedia Commons)

Dispositivos de alerta de estol e sistemas de recuperação de estol


A maioria das aeronaves de transporte modernas são equipadas com dispositivos de alerta de estol. Os sistemas de alerta são projetados de forma que um aviso de estol iminente seja dado ao piloto antes que a aeronave entre em estol. Os regulamentos dizem que tais avisos devem ocorrer 5 nós antes que a aeronave atinja sua velocidade de estol de referência (Vsr).

Um dos métodos mais comuns usados ​​para avisar os pilotos de um estol é o shaker do manche. O stick shaker sacode os controles do piloto usando um motor para chamar a atenção do piloto.

Piloto na cabine (Foto: lightpoet/Shutterstock)
O stick shaker funciona em ligação com um sistema que detecta uma parada. Muitas aeronaves utilizam uma palheta de ângulo de ataque, que é fixada na fuselagem. A parte da palheta está livre para flutuar. À medida que o ar flui sobre a palheta, ela se move e registra o ângulo de ataque. Esses dados são continuamente enviados para os computadores de alerta de travamento. Quando o ângulo de ataque excede o limite definido, o stick shaker é ativado.

Sensor AOA (Foto: JCV127 via Wikimedia Commons)
Às vezes, os aviões também são equipados com empurradores de alavanca. O sistema pusher empurra fisicamente os controles se a aeronave chegar perto de um estol.

Como os aviões são projetados para atrasar o estol


O retardo de estol é importante, pois permite que os fabricantes construam uma aeronave com melhor desempenho. Não é apenas importante retardar o estol, mas também projetar uma aeronave com características de estol favoráveis.

Um dos tipos mais perigosos de estol é conhecido como estol de ponta, onde as pontas das asas estolam antes da raiz. Os estols de ponta podem causar quedas das asas e reduzir a eficácia dos ailerons , o que ajuda a controlar o rolamento. Em asas retas, isso não é um problema. No entanto, a maioria dos transportes tem asas cônicas ou enflechadas, que em sua forma natural, tendem a estolar nas pontas.

Para evitar estol de ponta, alguns fabricantes prendem as asas à fuselagem de forma que a raiz da asa esteja em um ângulo de incidência maior do que a ponta. Isso garante que a raiz da asa atinja um ângulo crítico mais rápido que a ponta, promovendo um estol de raiz. Uma outra maneira é usar uma faixa de estol. A tira é um pequeno aerofólio (triangular) preso à raiz da asa. Isso estimula a separação precoce do fluxo na raiz e força a raiz a parar mais rápido do que as pontas.

Geradores de vórtice nas asas de um Boeing 737 NG (Foto: FathirLeone por Wikimedia)
Para atrasar o estol, os projetistas de aeronaves tiveram muitas ideias inteligentes. Uma delas é o uso de geradores de vórtice. Esses geradores de vórtice são pequenas estruturas semelhantes a lâminas que estão presas às asas. Eles geram vórtices, causando um fluxo turbulento. Como o fluxo turbulento tem mais energia cinética, isso dá uma chance de luta da asa contra o gradiente de pressão adverso e, com isso, o fluxo de ar pode permanecer preso à asa por períodos mais longos.

Os strakes nos motores ajudam a retardar um estol (Foto: Aeroporto Internacional de Denver)
O uso de strakes do motor também atrasa as paradas. Os motores muito grandes de alta taxa de desvio usados ​​hoje às vezes afetam a capacidade de elevação das asas. Quando os strakes são encaixados na nacele do motor, o strake gera vórtices e adiciona energia à camada limite em um alto ângulo de ataque, assim como os geradores de vórtice. Isso mantém o fluxo de ar preso à asa e evita a entrada em estol precoce.

Outros acidentes causados ​​por estol


Outra grande tragédia causada por um estol ocorreu em 28 de dezembro de 2014, quando o AirAsia QZ8501 transportando 162 pessoas de Surabaya, na Indonésia, para Cingapura, caiu no mar de Java logo após subir para evitar grandes nuvens de tempestade. Uma rachadura em um minúsculo módulo eletrônico causou alertas repetidos aos pilotos, que responderam reiniciando o sistema. Como resultado, o piloto automático foi desativado e o Airbus A320 desviou para a esquerda.

A tripulação lutou para endireitar o avião, que parou e caiu. As investigações descobriram que a equipe de manutenção estava ciente do problema, que ocorreu nada menos que 23 vezes durante o ano, e redefinir o sistema foi um método de resolvê-lo.

Em 4 de abril de 1994, o voo KLM Cityhopper 433 caiu após a perda de controle da aeronave durante uma arremetida durante um pouso de emergência. O voo foi operado por um Saab 340. O acidente foi atribuído a um erro do piloto devido ao uso inadequado dos controles de voo durante uma aceleração desigual após um curto-circuito que forneceu leituras defeituosas da pressão do óleo para um dos motores. Isso resultou na morte de três pessoas, incluindo o capitão e dois passageiros.

Em 2005, em 16 de agosto, um McDonnell Douglas MD-82 pertencente à West Caribbean Airlines caiu após um estol, matando todos os 160 ocupantes. O avião estava indo do Panamá para a Martinica quando a velocidade da aeronave diminuiu gradualmente para 33.000 pés. Isso ocorreu porque a aeronave estava operando muito alto, uma vez que o sistema antigelo estava ligado, utilizando o ar sangrado dos motores e reduzindo assim a quantidade de empuxo que eles podem produzir.

Um boletim explicando como lidar com a situação foi compartilhado com a companhia aérea pelo fabricante, mas nunca chegou aos pilotos. Outros erros agravaram a gravidade da situação, e o avião caiu em uma fazenda de gado na Venezuela.

Por Jorge Tadeu com Simple Flying

Vídeo: Mayday Desastres Aéreos - Voo 447 Air France

Via Alessandro Nunes HD

Aconteceu em 1 de junho de 2009: Voo Air France 447 - Tragédia e mistério na rota Rio - Paris


Em 1 de junho de 2009, o voo Air France 447 (AF447) fazia a rota internacional do Rio de Janeiro, no Brasil, para Paris, na França. O Airbus A330 que atendia ao voo caiu no Oceano Atlântico matando todos os 228 passageiros e tripulantes.


Vídeo: Mayday Desastres Aéreos - American Airlines 1420 Corrida Contra a Tempestade

Via Cavok Vídeos

Aconteceu em 1 de junho de 1999: Voo 1420 da American Airlines - Correndo contra a tempestade


No dia 1º de junho de 1999, o voo 1420 da American Airlines tentou pousar em Little Rock, Arkansas, durante uma tempestade, apenas para deslizar para fora da pista a mais de 160 quilômetros por hora. O MD-82 caiu em um aterro e colidiu com a estrutura de suporte do sistema de iluminação de aproximação da pista, quebrando o avião em três pedaços e matando 11 das 145 pessoas a bordo. 

O relatório do National Transportation Safety Board sobre o acidente revelou que os pilotos estavam sofrendo de fadiga e sob pressão para pousar em más condições, resultando em erros que tiraram o avião da pista - e que um ambiente de pista mal projetado garantiu um resultado fatal. 


O voo 1420 da American Airlines era operado pelo McDonnell Douglas DC-9-82 (MD-82), prefixo N215AA, realizando uma curta rota doméstica de Dallas, Texas para Little Rock, Arkansas. No comando do voo estavam o Capitão Richard Buschmann, um piloto extremamente experiente com mais de 5.000 horas neste tipo de aeronave; e o primeiro oficial Michael Origel, que não era novato em voar, mas tinha apenas 182 horas em aeronaves da série MD-80. 

A dupla voou juntos naquele dia de Chicago para Salt Lake City e, em seguida, para Dallas, chegando ao Aeroporto Internacional de Dallas Fort Worth às 20h10, após cerca de 10 horas de serviço. Devido ao mau tempo na região, os atrasos foram aumentando. 

O McDonnell Douglas DC-9-82 (MD-82), N215AA, envolvido no acidente
O voo para Dallas chegou 39 minutos atrasado e, em seguida, a chegada do avião programado para operar o voo 1420 foi severamente atrasada devido às condições meteorológicas. 

Os pilotos só podem estar de serviço por um número estritamente limitado de horas antes de terem de descansar. Buschmann e Origel sabiam que se o voo 1420 não partisse antes das 23h16, eles ultrapassariam esses limites. 

Origel ligou para o despachante e disse que um avião diferente deveria ser encontrado ou o voo deveria ser cancelado. O despachante conseguiu arranjar uma nova aeronave, mas sem muito tempo de sobra - com 139 passageiros e 6 tripulantes a bordo, o voo 1420 finalmente partiu para Little Rock às 22h40, com duas horas e doze minutos de atraso.


Com 14 minutos de voo, o despachante informou à tripulação que tempestades em Little Rock poderiam afetar o pouso e sugeriu que eles “agilizassem” sua chegada ao solo antes que as tempestades piorassem. Um desvio nunca foi considerado. Apesar do mau tempo iminente em seu destino, os pilotos pareciam estar de bom humor. 

A certa altura, o primeiro oficial Origel disse: “Há uma lua lá fora. Ou uma nave espacial”, ao que o capitão Buschmann respondeu: “Sim, a nave-mãe”. "Ha, está usando seus Nikes?" Origel brincou. 

Em poucos minutos, entretanto, a atmosfera da cabine assumiu um tom mais sério. Usando seu radar meteorológico de bordo, os pilotos puderam ver tempestades se aproximando do aeroporto pelo noroeste, e relâmpagos brilharam à distância. 

O capitão Buschmann comentou: “Precisamos chegar lá rápido". Ele então anunciou aos passageiros que eles iriam descer em breve, e que havia “um belo show de luzes no lado esquerdo da aeronave”. 

No entanto, em seu radar, os pilotos puderam ver uma lacuna, que eles chamam de “pista de boliche”, que parecia levar até o aeroporto, potencialmente dando-lhes um caminho fácil para baixo. Ladeado por um raio, o voo 1420 começou sua descida em Little Rock às 23h28.


Os pilotos completaram a lista de verificação de aproximação, o tempo todo monitorando o progresso da tempestade - e a “pista de boliche”, que parecia estar se segurando. 

“Acho que vamos ficar bem - bem aí”, disse Origel, apontando as luzes da cidade.

“Descendo a pista de boliche”, disse Buschmann.

“Como meus amigos diriam”, disse Origel, “Califórnia legal".

"Peachy", Buschmann respondeu com uma risada. 

Às 11h34, o controlador de aproximação de Little Rock informou ao voo 1420 que a velocidade do vento no aeroporto era de 28 nós de noroeste, com rajadas de 44 nós. A pista ativa foi alinhada de sudoeste para nordeste, o que significa que este foi um vento lateral significativo. 

O capitão Buschmann observou que um vento cruzado de 28 nós estava "bem perto do limite". A política da companhia American Airlines proibia os pilotos de pousar com vento cruzado superior a 30 nós quando a pista estava seca. Origel observou que este era o limite da pista seca e perguntou a Buschmann sobre o limite da pista molhada. Buschmann disse a ele que eram 20 nós. No entanto, pelo que sabiam, a pista ainda estava seca. 

Às 11h39, o controlador de aproximação contatou o voo 1420 e disse: “American 1420, uh, seu equipamento é muito melhor do que o que eu tenho. Como está a final da [pista] 22 esquerda?” 

O primeiro oficial Origel respondeu: “Ok, podemos ver o aeroporto daqui. Mal podemos ver, mas devemos ser capazes de chegar à [pista] 22. Uh, aquela tempestade está se movendo para cá como seu radar diz, mas um pouco mais longe do que você pensava.” 

Os pilotos acreditavam que ainda tinham tempo suficiente para pousar antes que toda a força da tempestade chegasse ao aeroporto. 


Momentos depois, o controlador de aproximação informou ao voo 1420 que o vento havia mudado e o vento cruzado teria um componente de vento de cauda se pousasse na pista 22. Imediatamente após isso, o controlador recebeu e passou um alerta de "cisalhamento de vento" de grandes diferenças em velocidade e direção do vento dentro dos limites do aeroporto. 

À luz dessas novas informações, os pilotos mudaram seu plano de aproximação, abandonando o pouso na pista 22 à esquerda e escolhendo, em vez disso, pousar na pista 4 à direita - a mesma pista, mas na outra direção - para pousar contra o vento. 

No entanto, interceptar a planagem para a pista 4 exigia uma volta para longe do aeroporto, porque eles estavam muito perto para ir direto para dentro. 

Enquanto faziam uma curva de volta para o sudoeste, o primeiro oficial Origel às vezes podia ver a pista, mas o capitão Buschmann não podia. Buschmann pediu a Origel para manter a pista à vista e ajudar a guiá-lo até ela. 

Origel disse ao controlador que eles tinham a pista à vista, e o controlador perguntou se eles queriam usar o sistema de pouso por instrumentos ou "atirar na abordagem visual". Os pilotos decidiram fazer uma abordagem visual porque podiam ver a pista e seria mais rápida.


Mas em pouco tempo, nuvens inconstantes atrapalharam a abordagem visual. O capitão Buschmann disse: “Veja, estamos perdendo o controle. Eu não acho que podemos manter o visual.” 

O primeiro oficial Origel disse ao controlador que havia uma nuvem entre a posição deles e o aeroporto e que eles gostariam de ser guiados para uma aproximação do sistema de pouso por instrumentos (ILS). Isso faria com que o avião se afastasse ainda mais do aeroporto antes de dar a volta por cima. 

Explicando sua decisão, Buschmann disse: “Eu odeio ficar zonzando visualmente à noite com tempo sem ter nenhuma pista de onde estou”. 

"Sim", disse Origel, "mas quanto mais ficarmos aqui..." Ele deixou a frase inacabada, mas a implicação era que um loop mais a sudoeste do aeroporto os levaria para fora da pista de boliche e para outra cela de a tempestade. 

Um momento depois, ele disse, "Vê como estamos indo direto para essa merda?" 

A essa altura, toda a força da tempestade estava se movendo sobre Little Rock, e a pista de boliche não levava mais ao aeroporto. Mas os pilotos não conseguiram ver isso em seu radar meteorológico porque o radar mostra apenas as áreas diretamente à frente do avião, e eles estavam de costas para o aeroporto.


Às 11h46, o voo 1420 começou a retornar em direção a Little Rock. A pista de boliche estava recuando rapidamente. “Ah, estamos indo direto para isso”, disse Buschmann. 

“American quatorze e vinte, agora temos, uh, chuva forte no aeroporto”, disse o controlador, acrescentando que o último boletim meteorológico estava desatualizado e que a visibilidade caiu para 3.000 pés. 

O relato de chuva significava que a pista agora estava molhada, reduzindo o vento cruzado máximo permitido no pouso para 20 nós. No entanto, com visibilidade inferior a 4.000 pés, esse limite diminuiu ainda mais para 15 nós. 

Dezesseis segundos depois, o controlador informou ao voo 1420 que o vento soprava de norte-noroeste (350 graus) a 30 nós, com rajadas de 45 nós. Isso estava acima do limite de pouso de vento cruzado especificado pela American Airlines em uma pista molhada. 

Mas quando Origel leu de volta a transmissão, ele acidentalmente disse "zero três zero" graus em vez de "três cinco zero". Se a direção do vento realmente fosse 030˚, teria sido um vento contrário, não um vento cruzado, e a aterrissagem teria sido permitida.

"Podemos pousar?" Buschmann perguntou. “3.000 RVR [Faixa de Visibilidade da Pista], não podemos pousar nisso.” Origel apontou que a visibilidade mínima para o pouso na pista 4 esquerda era 2.400 pés, mas não que eles estivessem acima do limite do vento cruzado, provavelmente porque ele ouviu mal a direção do vento.

Agora alinhados com a pista, os pilotos continuaram a abordagem, embora a política da American Airlines dissesse que eles não tinham permissão para pousar. 


Já na aproximação final, os pilotos iniciaram o checklist de pouso, chegando ao ponto de abaixar o trem de pouso antes que o controlador os interrompesse com notícias de mais alertas de cisalhamento. 

Os pilotos retomaram o checklist, completando todos os itens, exceto um: esqueceram de armar os spoilers. Ground spoilers são flaps no topo das asas que aparecem no pouso para reduzir a sustentação e fornecer força descendente. 

Os spoilers empurram o avião para baixo e transferem seu peso para o trem de pouso, aumentando a eficácia dos freios. Os spoilers são normalmente armados durante a abordagem final para que sejam acionados automaticamente no toque; se não forem acionados, a potência de frenagem pode ser reduzida em mais de 80%. 

Quando os pilotos se esqueceram de armar os spoilers, eles se prepararam para o desastre. Sem saber de seu erro, os pilotos do voo 1420 mergulharam na parte mais violenta da tempestade. Mesmo assim, nenhum dos pilotos mencionou o efeito do vento ou da chuva durante a aproximação final. 

Mais boletins meteorológicos indicando ventos cruzados fortes iam e vinham sem menção aos limites da empresa. Ventos violentos sacudiram o avião enquanto ele descia, e relâmpagos quase contínuos iluminaram o coração da tempestade. Um passageiro mais tarde lembrou que acreditava que eles cairiam se os pilotos tentassem pousar com esse tempo. 

Às 11h49, descendo uma altitude de 880 pés acima do nível do solo, o capitão Buschmann disse: "Esta é uma lata de minhocas!" Mas não houve discussão sobre fazer uma abordagem errada. 

Momentos depois, os pilotos viram que os fortes ventos os empurravam para a direita da linha central da pista. “Que merda, estamos fora do curso”, alguém disse, possivelmente Buschmann. “Estamos muito longe,” disse Origel. O voo 1420 desceu 460 pés - altura de decisão. Agora eles estavam comprometidos com o pouso, não importava o que acontecesse.


Os pilotos conseguiram colocar o avião em linha com a pista no último segundo, chegando em declive enquanto avisos de “taxa de afundamento” soavam na cabine. 

Às 11:50 e 20 segundos, o voo 1420 pousou com extrema força na pista 4 direita. Os spoilers não foram acionados e os pilotos não os acionaram manualmente.

“Estamos caídos”, disse o primeiro oficial Origel. “Estamos deslizando!” O capitão Buschmann proferiu uma série de palavrões. 

O avião guinou fortemente com o impacto do vento cruzado, fazendo-o deslizar quase de lado na pista. Os pilotos acionaram os reversores de empuxo e pisaram nos freios, mas eles eram praticamente inúteis sem os spoilers pressionando as rodas na pista. Os reversores de empuxo causaram mais problemas; ao interromper o fluxo de ar que passava pelo leme, eles reduziram o controle direcional do avião pelos pilotos. 

Buschmann e Origel nunca selecionaram a potência reversa total e cancelaram o empuxo reverso após seis segundos. Os freios totalmente ineficazes eram agora o único meio de parar a aeronave. Isso não foi suficiente. O MD-80 arremessou-se em direção ao final da pista, balançando descontroladamente para frente e para trás, antes de correr para a grama a 160 km/h.

Esboço do momento do impacto
O voo 1420 saltou pela área de grama em alta velocidade, atingindo parte do localizador ILS. O MD-80 então derrapou sobre a borda de um aterro de 7,5 metros e bateu no píer de metal elevado que apoiava o sistema de iluminação de aproximação para a pista 22L, que perfurou a cabine e rasgou a parede esquerda da cabine da primeira classe de antepara a antepara. 

O avião então caiu no chão e se partiu em três pedaços, parando emaranhado entre os destroços retorcidos do píer de iluminação de aproximação. 

A penetração do cais na cabine e na cabine de primeira classe matou instantaneamente o capitão Buschmann e um passageiro. Outros três passageiros morreram quando as fileiras 17 e 18 foram ejetadas do avião e queimadas durante a separação.


Mas o perigo estava longe de acabar: quase assim que o avião parou, as chamas explodiram na frente da cauda quebrada, que continha cerca de metade dos passageiros. 

Enquanto as pessoas faziam fila para as saídas, a fumaça invadiu a cabine, fazendo os passageiros fugirem freneticamente pela escuridão e chuva torrencial. 

A maioria escapou pelas saídas de emergência sobre as asas e por fendas na fuselagem, mas quatro não conseguiram sair a tempo e morreram por inalação de fumaça. 


Na cabine, o primeiro oficial Origel havia sobrevivido ao acidente, mas sua perna estava presa e quebrada em três lugares. O sangue do capitão Buschmann encharcou o painel de instrumentos. 

Minutos após o acidente, Origel usou seu telefone celular para ligar para o centro de operações da American Airlines para informá-los do acidente e, em seguida, ligou para sua esposa - tudo antes mesmo de os primeiros socorristas chegarem ao local.


Assim que os controladores perceberam que o voo 1420 estava faltando, eles alertaram os serviços de emergência do aeroporto e disseram que um MD-80 estava "na pista 4R". Mas o controlador não especificou qual extremidade da pista, e os caminhões de bombeiros foram inicialmente para a extremidade de aproximação, presumindo que o avião tivesse caído antes da pista. 

Quando não conseguiram encontrá-lo, começaram a subir a pista, movendo-se lentamente devido ao medo de atropelar possíveis sobreviventes nas condições de baixa visibilidade. 

Só depois de algum tempo o controlador os informou que a queda ocorreu no final da pista. Quando os bombeiros finalmente chegaram, descobriram que o avião havia caído em um aterro íngreme, forçando os caminhões a voltarem para a estrada do perímetro e destrancar um portão fechado para chegar aos destroços. 


Quando eles finalmente chegaram, quase 18 minutos após o acidente, a maioria dos passageiros já havia escapado e estava amontoada perto do avião.

Com a ajuda da chuva, os bombeiros apagaram rapidamente o fogo, entraram no avião e começaram a trabalhar para libertar os presos. 

O primeiro oficial Origel provou ser difícil de extrair; levou uma hora e meia para remover os destroços que o prendiam em seu assento, mas ele finalmente sobreviveu.


Na semana após o acidente, mais dois passageiros morreram devido aos ferimentos, elevando o número de mortos para 11, incluindo o capitão Buschmann. 110 outros ficaram feridos. 

Este foi o terceiro grande acidente da American Airlines e o segundo acidente fatal em menos de cinco anos. 

Os investigadores acabaram investigando profundamente as ações dos pilotos, o regime de treinamento da companhia aérea e o comportamento dos pilotos nos Estados Unidos. O que eles descobriram foi que, no nível da superfície, a única causa do acidente foi a falha dos pilotos em armar os spoilers. Se eles tivessem feito isso, o avião não teria caído. 


Mas a questão mais interessante era por que eles se esqueceram dessa etapa crítica. Na verdade, a origem desta falha foi enraizada na carga de trabalho extrema que os pilotos enfrentaram ao tentar pousar no meio de uma tempestade intensa. 

Eles mudaram seu plano de abordagem duas vezes, lutaram contra ventos fortes e lutou para ver a pista em meio às nuvens que se moviam. Em meio à constante enxurrada de problemas que exigiam sua atenção, desde a posição das tempestades até a visibilidade e a direção do vento, era difícil fazer tudo. 


Considerando que os pilotos estavam perto do limite de seus deveres e estavam acordados por 16 horas, o cansaço também começou a se instalar e um bocejo pôde ser ouvido na gravação de voz da cabine. 

Trabalhando em um ambiente altamente estressante e além da hora de dormir, era quase inevitável que os pilotos perdessem algo importante. Também contribuiu para o fracasso a ambigüidade em torno de quem era a tarefa de puxar a alavanca do spoiler. 


Os investigadores também tiveram que perguntar por que os pilotos tentaram pousar em uma tempestade tão violenta em primeiro lugar. O que eles descobriram foi que fazer isso não era particularmente incomum. 

Embora os pilotos sejam treinados para não voar em tempestades, um estudo de 1999 do Instituto de Tecnologia de Massachusetts descobriu que, ao encontrar uma tempestade classificada como "forte", "muito forte" ou "intensa", a mais de 25 quilômetros de seu destino, 26% de os pilotos optaram por voar por ele. 


Esse número subiu para 90% ao encontrar tal tempestade a 25 quilômetros do aeroporto de destino, especialmente quando outros aviões já haviam voado no meio da tempestade, ou quando o voo estava atrasado. 

Praticamente todos os pilotos optaram por voar através de tempestades potencialmente perigosas, pois evitá-las poderia colocar em risco uma chegada no horário! Isso representava um problema de toda a indústria: os pilotos estavam sob pressão para manter os voos dentro do horário e, quando o tempo piorava, eles tendiam a errar mais pela pontualidade do que pela segurança. 


No setor de aviação, isso é conhecido como “chegar lá”, uma condição que se estabelece quando uma tripulação quer apenas “chegar lá” e começa a fazer movimentos cada vez mais arriscados para chegar ao seu destino a tempo. 

Atrasados ​​e cansados, os pilotos do vôo 1420 sucumbiram ao 'get-it-itis' e começaram a cometer cada vez mais erros à medida que o voo prosseguia. Eles perderam textos explicativos, não concluíram as listas de verificação, interpretaram mal os relatórios meteorológicos e usaram terminologia fora do padrão. Eles optaram por continuar uma abordagem que os procedimentos da empresa deveriam ser abandonados e se esqueceram de armar os spoilers.


Infelizmente, depois do acidente, o primeiro oficial Origel apagou qualquer boa vontade que pudesse ter recebido por ter sido colocado sob tal pressão. Ele testemunhou que pediu que os spoilers fossem armados enquanto fazia a lista de verificação de pouso e que o capitão Buschmann não devia ter puxado a alavanca. 

Mas a gravação de voz do cockpit provou que não era esse o caso; nenhum dos pilotos mencionou os spoilers. Ele também alegou que disse hesitantemente ao capitão Buschmann que eles deveriam fazer uma abordagem errada, mas ele então viu que eles pareciam estar de volta ao curso, levando-o a mudar de ideia. A gravação de voz da cabine também não revelou nenhuma evidência de que isso tenha ocorrido. 

Sentindo-se culpado por seu papel no acidente, ele recorreu a mentiras e meias-verdades em um esforço para desviar a culpa para o capitão morto, em vez de confessar seus erros.


Houve mais erros que também contribuíram para o resultado. Após o toque, os pilotos não perceberam a falta de spoilers, não fizeram uso total dos reversores de empuxo (às custas do controle direcional) e não frearam com a agressividade que poderiam. 

Mas a causa das fatalidades não foi tanto a superação da pista em si, mas o ambiente sobrecarregado. Devido à presença do rio Arkansas a apenas uma curta distância do final da pista, não havia muita área de escoamento antes do aterro cair na planície de inundação. 

Além disso, alguns dos piores danos ocorreram durante a colisão com o píer de iluminação de aproximação, que comprometeu gravemente a estrutura da aeronave e matou três pessoas quando ela cortou o avião. 


O National Transportation Safety Board havia recomendado anteriormente que as estruturas nas áreas de atropelamento da pista fossem quebráveis ​​- isto é, facilmente quebradas quando atingidas por um avião. 

Mas, embora um programa nacional para melhorar a franibilidade dessas estruturas estivesse em andamento na época, o processo era extremamente lento, e a Administração Federal de Aviação acreditava que muitos objetos não poderiam ser fabricados com fragibilidade.

O NTSB achou isso lamentável. Se o píer simplesmente tivesse se quebrado com o impacto, haveria menos feridos e mortes.


Após a queda de Little Rock e um subsequente avanço não fatal na pista de Palm Springs, a American Airlines acabou revisando seu treinamento em torno de aproximações e pousos, especialmente em más condições climáticas e em situações em que os spoilers não acionam. 

Ela também atualizou seu manual de operações de voo para refletir as mudanças e deixou claro que uma volta deve ser realizada se uma aproximação não for estabilizada por 1.000 pés acima do nível do solo. 


Além disso, o NTSB fez um grande número de recomendações para evitar que tal acidente acontecesse novamente. 

Essas recomendações incluíram que ambos os membros da tripulação confirmam verbalmente que os spoilers estão armados; que os pilotos confirmem verbalmente se os spoilers foram de fato implantados após o toque; que os pilotos do MD-80 sejam instruídos a usar uma configuração de potência de empuxo reversa mais baixa que não interfira com o controle direcional em pistas escorregadias; que a frenagem automática seja usada ao pousar em pistas molhadas; que pesquisas sejam conduzidas para encontrar maneiras de reduzir a penetração de tempestades; que as torres de controle de tráfego aéreo atualizem seu radar meteorológico para um novo padrão mínimo; que os controladores forneçam aos bombeiros todas as informações conhecidas sobre a localização de um acidente sem serem questionados; que pesquisas sejam conduzidas em tecnologias de detecção de colisões que possam reduzir os tempos de resposta; que uma revisão seja realizada para encontrar mais estruturas perto das pistas que poderiam ser quebradas; e que a FAA forneça mais equipe de supervisão para o programa de treinamento da American Airlines, junto com vários outros pontos mais obscuros.

Hoje, muita coisa mudou tanto em âmbito nacional quanto em Little Rock. A pista 4R agora tem uma área de atropelamento muito mais longa e, em 2001, o Aeroporto Nacional de Little Rock instalou um Engineered Materials Arrestor System, uma instalação avançada que atua como uma rampa de caminhão em fuga para aviões.


Com essas melhorias, ninguém deve morrer em uma infestação de pista em Little Rock nunca mais. Na verdade, embora tenha ocorrido muitas derrapagens desde 1999, o voo 1420 da American Airlines foi a última invasão nos Estados Unidos que resultou na morte de qualquer pessoa a bordo do avião. 

As mudanças nos limites de tempo de serviço que o NTSB desejava desde 1990, e reiteradas após a queda de Little Rock, foram implementadas desde então. As previsões meteorológicas e o radar melhoraram muito. Hoje é mais fácil evitar tempestades e os pilotos estão mais conscientes dos perigos. 

O resultado é um céu mais seguro - graças em parte às lições aprendidas após a queda do voo 1420, que não foi apenas o último atropelo fatal da América, mas também o último acidente fatal relacionado ao clima de um avião americano. 

Embora não possamos ter certeza de que acidentes graves desse tipo desapareceram para sempre, 20 anos sem eles é um marco a ser comemorado.

Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (site Desastres Aéreos)

Com Admiral Cloudberg, Wikipedia, ASN - Imagens: Tailstrike, Wikipedia, GOES, NTSB, New York Daily News, Mohammed Gari, baaa-acro e Google. Vídeo cortesia do NTSB.