Dinheiro público bancou visita a resorts e hotéis-fazenda em fins de semana e feriados
Recurso deveria ser usado só para atividade legislativa; deputado diz que "corruptos não pagam hotel com verba porque roubam bilhões"ALAN GRIPP
RANIER BRAGONMenos de um ano depois do escândalo conhecido como a "farra das passagens", documentos sigilosos revelam que recursos públicos bancaram despesas de viagem de deputados e acompanhantes a pontos turísticos em finais de semana, feriados e períodos em que o Congresso esteve vazio.
Os gastos constam de documentação entregue pela Câmara à Folha após determinação do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma relação de 70 mil notas fiscais apresentadas pelos congressistas para obter reembolso da verba indenizatória, destinada exclusivamente à atividade legislativa.
Os dados se referem a quatro meses, entre setembro e outubro de 2008, período cujos recibos estão trancafiados em uma sala do Congresso. Lá estão notas fiscais de resorts, hotéis-fazenda, pousadas à beira-mar e restaurantes sofisticados visitados por deputados em Estados diferentes daqueles que eles representam.
Este é o quinto exemplo de desvio de finalidade da verba revelado pela Folha. Foram mostrados casos de deputados que apresentaram notas de empresas de fachada ou fantasmas, o uso da verba em campanhas eleitorais, gastos em empresas próprias e despesas com festas de fim de ano.
Com base nas reportagens, a Corregedoria da Câmara abriu investigação preliminar, mas não decidiu quais casos seguirão para o Conselho de Ética e quais serão arquivados.
FeriadoEntre os novos casos está o de Enio Bacci (PDT), do Rio Grande do Sul, que, acompanhado, passou o fim de semana do feriado de 12 de outubro na pousada à beira-mar Vila do Farol, em Bombinhas, próximo a Florianópolis. Por duas diárias, pagou R$ 830.
Bacci alegou que tinha um compromisso na segunda-feira seguinte na capital catarinense, e que antecipou a viagem para fazer "contatos políticos" na região. Disse também que procurou hospedagem a "20 km ou 30 km" de Florianópolis (na verdade, são 66 km) para economizar no deslocamento.
Questionado sobre o fato de ter escolhido o hotel mais caro de Bombinhas, uma das principais cidades turísticas do Estado, reagiu indignado: "Prefiro ser citado pelo pagamento do hotel que por corrupção. Os corruptos não pagam hotel com a verba porque roubam bilhões", disse.
No mesmo fim de semana, Edinho Bez (PMDB), de Santa Catarina, visitou as cidades históricas de Pirenópolis e Goiás Velho, em Goiás, acompanhado da mulher. A hospedagem do casal foi paga pela Câmara.
O deputado disse que o destino de sua viagem foi na verdade a cidade de Nova Veneza (GO), que, segundo ele, é co-irmã do município com o mesmo nome em Santa Catarina, seu reduto eleitoral. Bez afirmou que apenas pernoitou em Pirenópolis. Os dois municípios estão separados por 123 km, ou cerca de duas horas de carro.
Indagado sobre Goiás Velho, onde também há registro de despesa com hospedagem, ele afirmou que visitou a cidade no caminho de volta para Brasília -apesar de Goiás Velho ficar em sentido contrário e a 264 km da capital federal.
Por fim, admitiu ao menos uma visita turística: "Eu fui visitar a casa de Cora Coralina [em Goiás Velho], porque sou fã dela".
Paulo Roberto Pereira (PTB-RS), que no Natal de 2008 usou dinheiro da Câmara para custear dois pacotes em uma pousada da turística Pirenópolis (GO), também recorreu à verba para obter reembolso de R$ 1.300 por hospedagem no hotel-fazenda Retiro das Pedras (arredores de Brasília), no feriado de 15 de novembro.
Laurez Moreira (PSB), deputado pelo Tocantins, recebeu reembolso por hospedagem no hotel Taiyo Thermas, na estância hidromineral de Caldas Novas (GO), no último fim de semana de outubro.
Ele disse que foi ver de perto a exploração turística da região para levar sugestões aos municípios do Tocantins que também possuem águas termais, mas admitiu que até hoje não apresentou as ideias.
ResortUm fim de semana antes, em Caldas Novas, hospedou-se o deputado por Alagoas Francisco Tenório (PMN), este no diRoma Thermas Hotel.
Betinho Rosado (DEM-RN) passou fim de semana em setembro de 2008 no resort Thermas, em Mossoró, cuja atração principal é um parque aquático com 12 piscinas.
Jofran Frejat (PR), do Distrito Federal, foi reembolsado em R$ 1.560 por duas notas de refeição, sábado e domingo, em uma marisqueria e uma churrascaria de São Paulo.
OUTRO LADOVisitas foram a trabalho, dizem congressistasOs deputados federais procurados pela Folha ou não se manifestaram ou disseram que as viagens tiveram motivação legislativa.
Enio Bacci (PDT-RS) afirmou que foi para Santa Catarina estudar o sistema prisional daquele Estado.
"Como ex-secretário de Segurança Pública [do Rio Grande do Sul] e membro titular da Comissão de Segurança, na Câmara, visitei Florianópolis em diversas oportunidades para conhecer o sistema prisional, em especial, os contêineres, como modelo emergencial de gerar celas para os presos. Inclusive visitei a penitenciária da capital e participei de reuniões com agentes penitenciários, o que pode ser checado junto à instituição."
Edinho Bez (PMDB) afirmou que os gastos nas turísticas Pirenópolis e Goiás Velho, em Goiás, foram motivados por compromisso que teria assumido de visitar Nova Veneza (GO), segundo ele co-irmã de cidade de mesmo nome em Santa Catarina.
Laurez Moreira (PSB-TO) disse que seu objetivo em Caldas Novas (GO) era estudar o sistema turístico da cidade para tentar replicá-lo no Tocantins.
Os demais deputados citados na reportagem não responderam aos questionamentos da Folha.
Fonte: jornal Folha de S.Paulo