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Em todo o mundo, as atividades de aviação estão sempre sujeitas às condições meteorológicas. Pilotos de todos os tipos de operadoras dependem de previsões locais e globais. Assim, pensamos em dar uma olhada rápida em alguns termos meteorológicos cotidianos.
Advecção
Esta é a situação quando o calor ou a umidade é transferido horizontalmente. Impactando as atividades da aviação, o nevoeiro de advecção ocorre quando uma massa de ar quente e úmida flui ao longo de uma superfície mais fria.
CAVOK
Significa “teto (ou nuvens) e visibilidade OK”, é quando a visibilidade é de 10 km. Além disso, não há nuvens abaixo de 5.000 pés ou altitude mínima do setor, dependendo de qual for maior. Em suma, não há nuvens com significado operacional e sem significado climático para as atividades da aviação.
Cloud base
(Imagem via luizmonteiro.com)
Esta é a altura da parte visível mais baixa de uma nuvem sobre um aeródromo. É utilizado onde a nuvem acima do aeródromo é definida como poucas - poucas 1-2 Octas, ou dispersas - SCT 3-4 Octas).
Teto de nuvens (Ceiling)
De acordo com a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), o teto é a altura acima do solo ou da água da base da camada mais baixa de nuvens abaixo de 20.000 pés que cobre mais da metade do céu.
Altitude de densidade
O Essential Pilot explica que a altitude de densidade é “altitude de pressão corrigida para temperatura não padrão de acordo com ISA (Atmosfera Padrão Internacional)”, o que significa que qualquer temperatura que não seja de 15 graus Celsius oferecerá uma leitura de altitude que não corresponde ao seu equivalente ISA.
Ponto de condensação da água (Dew point)
Também conhecida como temperatura do ponto de orvalho, é a temperatura de formação da condensação, ou seja, a temperatura do ar na qual o ar atingiria 100% de umidade.
Corrente de Jato (Jet stream)
Representação altamente idealizada da circulação global. Os jatos de nível superior tendem a fluir latitudinalmente ao longo dos limites da célula (Imagem: Wikipedia)
Estas são faixas estreitas de vento forte encontradas nos níveis superiores da atmosfera. Soprando de oeste para leste em correntes de jato, o fluxo dos ventos frequentemente muda para o norte e para o sul. Notavelmente, eles influenciam o fenômeno de por que leva mais tempo para voar para o oeste .
Altitude de pressão
(Imagem via monolitonimbus.com.br)
A altitude do aeródromo ou local que um piloto está realizando é ajustada para a pressão local , que muda constantemente com os sistemas de alta e baixa pressão que passam por uma região.
RVR (Alcance visual da pista)
O alcance visual da pista é uma figura derivada instrumentalmente com base em calibrações padrão. A página meteorológica da SkyStef observa que “representa a distância horizontal que um piloto pode ver na pista desde o final da aproximação”.
Corrente ascendente/corrente descendente
Enquanto uma corrente ascendente é uma corrente de ar ascendente em pequena escala, uma corrente descendente é uma coluna de ar em pequena escala que cai rapidamente em direção ao solo.
Visibilidade
Esta é a distância horizontal que a tripulação pode ver objetos escuros sem a ajuda de instrumentos de ampliação. O SkyStef acrescenta, “no caso de observações noturnas, (o objeto) pode ser visto e reconhecido se a iluminação geral for aumentada para o nível normal da luz do dia”.
Cisalhamento do vento
Em resumo, o cisalhamento do vento é uma mudança rápida na velocidade ou direção do vento em um curto espaço de tempo. O cisalhamento do vento pode acontecer em todas as direções. No entanto, geralmente é considerado ao longo do eixo vertical e horizontal, dando lugar aos conceitos de cisalhamento vertical e horizontal do vento. Este é um tema amplo que abrange uma gama de fenômenos, como o mais perigoso cisalhamento do vento - microbursts.
Incidente ocorreu na madrugada desta quinta-feira (22). O avião voltou para o Aeroporto Internacional de Guarulhos e o voo foi cancelado.
Trajetória do voo EK-262 (Imagem via Air Nav Radar)
O avião Airbus A380-842, prefixo A6-EVM, da empresa Emirates, que estava a caminho de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, teve um problema técnico na madrugada desta quinta-feira (22) e, após dar cinco voltas no céu em Ubatuba, no Litoral Norte de São Paulo, voltou para o Aeroporto de Guarulhos (SP). O voo foi cancelado.
A companhia informou que o voo EK-262 seguia de Guarulhos para Dubai quando foram registrados "problemas técnicos", mas não explicou o que aconteceu.
O avião que teve o problema técnico é um Airbus A380, considerado o maior avião de passageiros do mundo e que, na Emirates, tem capacidade para até 615 passageiros, dependendo da configuração dos assentos.
Em entrevista ao g1, moradores de Ubatuba relataram que ficaram assustados com o barulho da aeronave e que não conseguiram dormir enquanto o avião dava voltas na cidade.
“A gente ouviu um barulho estranho, não sabia identificar o que era. Ficamos assustados, saímos para ver e era um avião bem grande. Ele passou umas cinco vezes aqui. A gente não está acostumado, não temos noção de como é um avião tão grande. É algo inusitado. Pensei até que poderia ser um caminhão bem grande ou um vento muito forte, por causa da frente fria, mas não era. Foi bem assustador”, disse a dona de casa Giselda, de 47 anos, do bairro Jardim Ubatuba.
Já o DJ e produtor Will Leme, que mora há mais de 30 anos em Ubatuba, no bairro Mato Dentro, contou que estava na estrada quando viu o avião pela primeira vez. No trajeto para casa, ele relata que viu várias pessoas na rua olhando para o céu.
“Eu estava descendo a serra, e fazendo as curvas, pensei que o avião estivesse caindo, dava para ver a janela do avião bem próximo. Fui abastecer o carro e tinha um monte de gente nas ruas vendo, frentista olhando, todo mundo se perguntando se ia cair, porque estava dando muitas voltas”, contou Will.
“Em casa, meus pais também estavam assustados, porque eles acharam que era um vento muito forte que estava fazendo o barulho. Como nossa casa é um sobrado de vidro, o vidro ficava tremendo quando o avião passava”, relatou.
Avião com destino a Dubai tem falha técnica, dá cinco voltas sobre Ubatuba e retorna para aeroporto de Guarulhos (Imagens: Foto 1: Flight Radar | Foto 2: GRU Airport/divulgação)
Segundo a companhia aérea Emirates, o voo aterrissou sem intercorrências e passageiros e tripulação desembarcaram com segurança. Os passageiros afetados foram acomodados em hotel e remarcados para um voo que deve partir de Guarulhos na noite desta sexta-feira (23).
Por meio de nota, Emirates pediu desculpas pelo transtorno causado.
Saber sobre direito aeronáutico é muito importante para quem voa ou está na area da aviação, acompanhe o papo com o Advogado especialista em direitos aeronáutico Georges Ferreira.
Muitas crianças que pensaram pela primeira vez em dar a volta ao mundo ao ler a obra clássica de Júlio Verne se converteram em adultos que ainda sonham com essa fachada — não mais no balão de Phileas Fogg, mas com a segurança e a rapidez de um jato contemporâneo.
Apesar de ainda pouco exploradas pelos brasileiros e objeto de desejo de muito gringo há bastante tempo, as passagens RTW (Round The World tickets) são um bilhete aéreo único com múltiplas paradas ao redor do mundo, e que pode ser emitido tanto em classe econômica como em executiva com tarifas mais baratas em comparação à compra individual das passagens.
Antes comumente associada a mochileiros em ano sabático ou nômades digitais, hoje a modalidade já se adaptou até à realidade CLT: tem cada vez mais gente aproveitando as boas tarifas e flexibilidade das RTWs para "dar a volta ao mundo" com paradas que caibam em um mês de férias.
Como funciona o RTW na prática
(Imagem: olly/stock.adobe.com)
As passagens RTW podem ser emitidas facilmente através de companhias afiliadas à Star Alliance (a maior aliança aérea do mundo, reunindo South African Airways, TAP, Lufthansa, SWISS, United, ANA e outras) e à One World (que reúne Iberia, British Airways, American Airlines e outras), por exemplo.
Você compra a RTW através de uma companhia específica , mas voa com várias delas (as parceiras da aliança) ao longo das férias, dependendo dos destinos visitados. É possível comprar-la também diretamente das alianças.
O principal ponto da RTW é a liberdade: é o próprio viajante que decide onde, como e quando vai fazer suas paradas durante uma volta ao mundo.
Mas, é claro, existem regras básicas intransponíveis para sua emissão:
é preciso voar sempre no mesmo sentido (sempre a leste ou sempre a oeste, sem propostas),
começar e terminar a viagem no mesmo país (ou na mesma cidade),
ter no mínimo dois desfiles diferentes,
duração máxima de 12 meses,
e cruzar obrigatoriamente os oceanos Atlântico e Pacífico.
Não é permitido voltar para um mesmo destino em uma passagem RTW, o que acaba complicando a inclusão de alguns destinos na viagem.
No entanto, permite os chamados "bolas abertas", estratégia usada por muita gente para chegar em um país por um destino e continuar a viagem por outra cidade ou outro país (viajando entre eles por terra, mar ou com uma passagem aérea extra, avulsa à RTW).
Outras regras podem ser acrescentadas dependendo da aliança ou da companhia aérea emissora; mas seu valor final é fixo e depende basicamente do número total de paradas efetuadas e milhas percorridas e, é claro, da classe voada.
Quanto custa uma passagem de volta ao mundo
(Imagem: undrey/stock.adobe.com)
Nas grandes alianças aéreas o custo da passagem RTW é fixo , de acordo com uma tabela própria baseada em classe voada, quantidade de voos e quantidade de destinos visitados. A duração total e as paradas da viagem ficam sempre a categorias do viajante.
Na Oneworld, todo RTW envolve, além das regras básicas deste tipo de passagem, a obrigatoriedade de paradas em pelo menos três continentes diferentes e um máximo de 16 voos no total; e custa desde US$ 3.500 em classe econômica.
Com a Star Alliance, o RTW precisa ter no máximo 15 desfiles e os valores começam em US$ 4.000 (para seis desfiles em classe econômica).
Com milhas
Para emitir um RTW com milhas, a quantidade de milhas permitidas para um RTW pode variar bastante de uma companhia aérea para o outro, mesmo que elas sejam parte da mesma aliança.
Atualmente, a emissão mais simplificada de uma RTW com milhas tem sido oferecida pela companhia aérea portuguesa TAP - embora nesse tipo de aquisição ela só ofereça o modelo mais simples da viagem de volta ao mundo da Star Alliance, que consiste em um máximo de 10 voos e 6 paradas no total.
Para os membros do programa Miles&Go da TAP, o RTW em classe económica vale 250.000 milhas e, em classe executiva, 400.000 milhas. Embora os valores em milhas pareçam inicialmente altos, eles são considerados por muitas pessoas "pechinchas" da aviação quando comparados aos valores em milhas cobradas para uma simples viagem de ida e volta do Brasil à Europa.
É importante ressaltar também que as milhas utilizadas para emissão de RTW não precisam necessariamente terem sido acumuladas; podem ser milhas e pontos oriundos de cartão de crédito, do banco, clubes de compras etc.
Afinal, hoje em dia a gente consegue reunir gratuitamente quilômetros e pontos até de compras de supermercado, farmácia, lojas de departamento e serviços de carro por aplicativo.
Por outro lado, a emissão da RTW com milhas exige paciência e flexibilidade extra do viajante, já que os assentos de prêmio nos voos são sempre limitados pelas companhias aéreas, seja em classe econômica ou executiva.
Ou seja: é preciso estar preparado para fazer concessões ao seu itinerário dos sonhos para conseguir ter a sonhada passagem em mãos.
Como emitir uma passagem de volta ao mundo
(Imagem: Design Depot/stock.adobe.com)
Para ajudar quem não sabe nem por onde começar, os próprios sites das alianças aéreas oferecem algumas sugestões de itinerários de volta ao mundo envolvendo diferentes números de paradas e diferentes continentes.
O ideal é pesquisar bastante as opções disponíveis antes de tentar a emissão da RTW: listar os destinos desejados (será que a época pretendida para a viagem é mesmo boa para conhecer aquele lugar?), as companhias aéreas que fazem os trechos entre eles, as conexões possíveis e as regras obrigatórias.
É possível emitir uma passagem de volta ao mundo de forma independente, diretamente com a companhia aérea preferida, ou também através de um bom agente ou consultor de viagens - mesmo que um RTW vá ser adquirido com milhas ou pontos de programas de fidelidade.
Seja qual for a opção escolhida, a RTW vem simplificando sua emissão e segue sendo a mais mítica das viagens para muitas pessoas. Afinal, não é todo dia que a gente sai de casa para dar a volta ao mundo...
Como eu emiti a minha RTW em executiva e com milhas
Embarquei na minha sonhada viagem de volta ao mundo com um RTW emitido com milhas, em executiva, pela TAP.
Ao longo de três anos, juntei quilômetros majoritariamente com os pontos vindos de compras no cartão de crédito e em outras empresas afiliadas ao programa de fidelidade da companhia e de aceleradores disponíveis no programa.
Mari Campos (Imagem: Arquivo pessoal)
Decidir embarcar na baixa temporada para pegar maior disponibilidade de voos, preços mais camaradas nos destinos visitados e temperaturas mais amenas, tanto no hemisfério norte quanto no sul (o que também contribuiu para uma bagagem mais enxuta e inteligente).
Minha viagem durou 50 dias e, ao longo destas sete semanas, fiz minhas paradas da RTW nos Estados Unidos, no Japão, na China, na Tailândia, na Turquia e na África do Sul. E inclui também, "por fora", uma escapada da África do Sul (onde fiz o "open jaw" descrito no começo desta reportagem) a Moçambique, onde passei dias fabulosos no divino arquipélago de Bazaruto.
A emissão com milhas não foi simples: preciso mudar não apenas alguns dos destinos que faziam parte da minha lista inicial como também o próprio sentido da viagem - eu planejava voar de oeste para leste e preciso voar de leste para oeste.
Também não foi possível conseguir assento em classe executiva em todos os voos: em dois dos dez voos da minha RTW eu aceito voar em econômico ou a passagem não fechava. O custo em milhas da minha RTW não mudou na função desses dois voos em econômico, mas a minha franquia de bagagem em executiva foi mantida para todos os voos do bilhete.
A minha volta ao mundo foi fabulosa, incluindo passar até o meu aniversário em Bangkok, mais ou menos na metade da viagem.
Uma aventura conto com destinos novos e velhos conhecidos, paisagens lindas de outono e primavera e visitas a grandes cidades, montanhas, vilarejos encantadores, savanas cheias de vida selvagem e praias paradisíacas - e, é claro, muitos novos amigos na estrada.
Recomendo e não vejo a hora de conseguir embarcar na próxima.
Em 22 de maio de 2020, um A320 da Pakistan International Airlines, aproximando-se de Karachi, colidiu com um bairro residencial próximo à pista, matando 97 das 99 pessoas a bordo e uma no solo. Apenas dois sobreviventes escaparam milagrosamente dos escombros em chamas.
A história que finalmente emergiu dos destroços desafia a compreensão racional: após uma aproximação tão íngreme que beirava a loucura, a tripulação pousou o avião na pista aparentemente sem ter estendido o trem de pouso, fazendo com que a aeronave deslizasse sobre os motores por quase um quilômetro. E então, como se não bastasse, após derrapar no solo por 18 segundos, a tripulação conseguiu puxar o avião de volta ao ar e subir a 3.000 pés — apenas para que ambos os motores danificados falhassem, deixando a aeronave com potência insuficiente para retornar ao aeroporto. Os anais da história da aviação contêm poucos acidentes comparáveis.
De fato, a sequência de erros, decisões imprudentes e comportamentos desconcertantes que permitiram o desastre supera todos os erros, exceto os mais irremediáveis, do passado, colocando em questão a capacidade da Pakistan International Airlines de transportar passageiros com um nível de segurança próximo ao aceitável. E para consertar essa podridão profundamente enraizada, mudanças radicais provavelmente serão necessárias — não apenas nas regras de segurança e fiscalização, mas na cultura de clientelismo e corrupção cujos tentáculos se espalham por todos os cantos da problemática companhia aérea do Paquistão.
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Um anúncio real — sim, real — do Facebook publicado pela PIA
A estatal Pakistan International Airlines, ou PIA, faz parte da imagem global do Paquistão desde a década de 1950, trazendo inúmeros viajantes de e para o quinto país mais populoso do mundo por mais de 70 anos. A PIA já foi uma das únicas companhias aéreas respeitadas da região, tanto que, quando os Emirados Árabes Unidos criaram sua própria companhia aérea de bandeira em 1985 — criando a conceituada companhia aérea agora conhecida como Emirates — foi à PIA que recorreram em busca de ajuda. No entanto, a PIA nunca teve um histórico de segurança particularmente forte.
Entre 1970 e 2020, a companhia aérea sofreu um acidente fatal em média a cada cinco anos, o que é particularmente ruim quando se considera que o tamanho médio de sua frota durante o período mencionado era de apenas cerca de três dúzias de aeronaves. Os avanços na segurança da aviação nos últimos anos também não conseguiram conter o derramamento de sangue e, de fato, a PIA teve três acidentes fatais no século XXI até agora, mais do que quase qualquer outra companhia aérea de bandeira.
AP-BLD, a aeronave envolvida no acidente. (Konstantin von Wedelstaedt)
O desastre mais recente a manchar o histórico da PIA foi também talvez o mais evitável e o mais contundente.
Em maio de 2020, o mundo ainda estava sob o impacto da pandemia de Covid-19, que resultou na morte de milhões de pessoas e remodelou a vida cotidiana de praticamente todos os habitantes do planeta. No Paquistão, quase todos os voos domésticos foram suspensos desde o final de março para controlar a propagação da doença, com alguns voos regulares sendo retomados apenas em 16 de maio. No Aeroporto Internacional de Jinnah, em Karachi, a maior cidade do Paquistão, o número de chegadas diárias caiu para apenas 8, de 77 em janeiro e fevereiro, e aeroportos e companhias aéreas ainda operavam com pessoal reduzido.
Menos de uma semana após a retomada do serviço, em 22 de maio, 91 passageiros e 8 tripulantes chegaram ao Aeroporto Internacional Allama Iqbal, em Lahore, a segunda maior cidade do Paquistão e capital da província de Punjab, para um voo regular da PIA com destino a Karachi. O tempo naquele dia estava limpo, a rota Lahore-Karachi era um serviço familiar e familiar para a tripulação, e o Airbus A320 utilizado na viagem estava em boas condições de funcionamento — certamente não havia nada que indicasse que o risco estivesse acima dos níveis de referência por qualquer motivo que não fosse a interrupção geral da pandemia.
A rota do voo 8303 da PIA dentro do Paquistão (Trabalho próprio, mapa da GIS Geography)
A tripulação de voo no comando do voo 8303 para Karachi naquele dia era composta pelo Capitão Sajjad Gul, de 58 anos, com mais de 17.000 horas de voo, incluindo mais de 4.700 no A320; e pelo Primeiro Oficial Usman Azam, de 33 anos, que voava na PIA há 10 anos, mas tinha apenas cerca de 2.100 horas no total, a maioria no A320. Para o trecho para Karachi, o Primeiro Oficial Azam seria o piloto de voo, enquanto o Capitão Gul seria o piloto de monitoramento.
Ambos os tripulantes teriam mais em mente do que apenas a pandemia e o voo em si. Notavelmente, o dia 22 de maio daquele ano caiu perto do fim do mês sagrado do Ramadã, no qual a maioria dos muçulmanos se abstém de comida e bebida entre o nascer e o pôr do sol, até o feriado de Eid al-Fitr, quando o jejum é quebrado. Naquela época, o Eid estava programado para cair em 24 de maio, e muitos dos passageiros estavam viajando para visitar a família para a ocasião. O Capitão Gul e o Primeiro Oficial Azam estavam em jejum há várias semanas, incluindo no dia do voo 8303, onde participaram da tradicional refeição Sehri (Suhur) antes do amanhecer antes de renunciar a qualquer outra ingestão durante o dia. Quando o voo partiu de Lahore às 13h05, horário local, eles provavelmente não haviam consumido nenhum alimento ou bebida, incluindo água, em pelo menos sete horas. A importância desse fato seria posteriormente objeto de debate.
Quando o voo atingiu a altitude de cruzeiro de 34.000 pés, a atmosfera na cabine era tranquila. Os pilotos estavam envolvidos em uma longa e animada discussão sobre a pandemia de Covid-19 — o grande tópico do dia, sem dúvida — que continuou por algum tempo, interrompida apenas por chamadas de rádio e outros eventos de rotina. Em certo momento, uma comissária de bordo veio à cabine para perguntar se os pilotos gostariam de um lanche, mas, como estavam em jejum, eles educadamente recusaram.
Minutos depois, às 13h24, os pilotos fizeram contato com o Controle de Área de Karachi e foram informados que esperariam uma aproximação do sistema de pouso por instrumentos (ILS) na pista 25L do Aeroporto Internacional de Jinnah.
As cartas de chegada e aproximação para Karachi mostram os principais estágios, incluindo Nawabshah, Makli, Saben, o padrão de espera e a rampa de planeio [visível na vista de perfil]. Os números que começam com "D", como "D6.1", representam distâncias em milhas náuticas a partir da pista, permitindo comparar a altitude real do voo 8303 nesses pontos com as altitudes mostradas na vista de perfil. (AAIB Paquistão)
As fases iniciais de descida e aproximação começariam no farol Nawabshah, localizado a cerca de 100 milhas náuticas a nordeste do aeroporto, de onde o voo de chegada prosseguiria diretamente para o ponto de referência MAKLI, na linha central estendida da pista 25L a uma distância de 15,3 milhas náuticas da cabeceira. Em MAKLI, a aeronave viraria à direita para se alinhar com a pista antes de atingir o ponto de referência SABEN, localizado a 11,4 milhas náuticas, onde a fase final de aproximação começaria. A altitude de cruzamento prescrita para SABEN era de 3.000 pés. Se não fosse possível descer a essa altitude antes de atingir o ponto de referência, os procedimentos de aproximação continham disposições para um padrão de espera baseado em SABEN, a fim de aumentar o número de milhas de trajetória, proporcionando mais tempo para a descida. Após cruzar SABEN a 3.000 pés, seria possível interceptar a rampa de planeio, que guiaria automaticamente a aeronave para baixo até a pista no ângulo correto. A intenção do procedimento era que a rampa de planeio fosse interceptada por baixo.
Tendo sido informados sobre a previsão dessa aproximação, os pilotos já a haviam programado em seu sistema de gerenciamento de voo, ou FMS. Com esses dados inseridos, o FMS também foi capaz de calcular um perfil de descida vertical que levaria a aeronave a cada portão de aproximação na altitude e velocidade corretas. Os pilotos puderam então configurar o sistema de voo automático para realizar toda a aproximação essencialmente sozinho, modificando automaticamente a direção, a velocidade e a inclinação para manter o plano de voo lateral e vertical armazenado no FMS. Considerando essa capacidade tecnológica, a ausência de características incomuns no procedimento de aproximação e o tempo perfeitamente limpo, a descida e o pouso deveriam ter sido tranquilos. Infelizmente, por vários motivos francamente estúpidos, os eventos logo sairiam dos trilhos de qualquer maneira.
Uma visão geral da unidade de controle de voo e do anunciador de modo de voo. O uso desses dois equipamentos é fundamental para a experiência de pilotar um Airbus (Trabalho próprio, imagens da AAIB Paquistão)
Às 14h15, após cruzar Nawabshah, a tripulação solicitou autorização para iniciar a descida, e o controlador de área de Karachi autorizou a descida para 10.000 pés e prosseguimento direto para MAKLI. Em resposta, a tripulação selecionou 10.000 pés usando o botão de altitude da unidade de controle de voo (FCU), acionando o modo de descida.
Neste ponto, seria útil relembrar algumas informações básicas que abordei em vários artigos anteriores sobre o Airbus A320. No A320, os pilotos fornecem instruções ao piloto automático usando a FCU para ativar vários modos de voo. Normalmente, três modos são ativados simultaneamente — um para controlar a posição lateral da aeronave, um segundo para controlar sua posição vertical e um terceiro para controlar sua velocidade. Todos os modos possíveis, sejam laterais, verticais ou relacionados à velocidade, se enquadram em duas grandes categorias chamadas "selecionado" e "gerenciado".
Para ativar um modo selecionado, os pilotos usam os botões de altitude, velocidade do ar, velocidade vertical ou rumo na FCU para inserir um valor-alvo específico e, em seguida, puxar o botão correspondente para fora. Isso fará com que os sistemas de voo automático mantenham o valor selecionado até que um novo valor seja inserido. Por exemplo, se o piloto quiser voar em um rumo de 360 graus, ele pode inserir "360" usando o botão de rumo, puxá-lo para fora, e o piloto automático direcionará o avião para 360 graus e o manterá nessa posição até que o piloto diga para fazer outra coisa.
Em contraste, se o piloto pressionar um botão para dentro, um modo gerenciado será ativado. Em um modo gerenciado, o sistema de voo automático determinará a trajetória de voo (vertical, lateral ou ambas) com base nas informações pré-programadas no FMS. Por exemplo, se o piloto quiser instruir o avião a voar ao longo de uma trajetória entre uma série de pontos de referência pré-programados, ele pode pressionar o botão de direção para ativar o modo NAV lateral, e o sistema de voo automático gerenciará continuamente a direção da aeronave para seguir a trajetória no FMS, independentemente de quantas curvas e curvas ela possa ter.
No caso do voo 8303 da PIA, os pilotos já haviam acionado o modo NAV no canal lateral quando selecionaram uma altitude de 10.000 pés e pressionaram o botão de altitude. Isso acionou o modo de descida gerenciada, no qual a aeronave seguirá o perfil vertical calculado pelo FMS, conforme descrito anteriormente. Naquele momento, a aeronave estava abaixo do perfil calculado, então o sistema de voo automático manteve a aeronave em uma descida lenta e constante de 1.000 pés por minuto até interceptar o perfil por baixo, ponto em que o passo e o empuxo foram automaticamente reduzidos para capturar o perfil. A aeronave continuaria a seguir esse perfil vertical calculado até atingir a altitude selecionada de 10.000 pés, a menos que os pilotos selecionassem outra altitude ou acionassem um modo diferente.
Neste caso, a aproximação programada para a pista 25L incluía, por padrão, o padrão de espera em SABEN, descrito anteriormente. O perfil vertical calculado, portanto, levou em conta a presença do padrão de espera, que adicionou 23 milhas de trajetória à aproximação. Essa distância extra proporcionou consideravelmente mais tempo para descer até 3.000 pés, o que significa que uma razão de descida mais lenta poderia ser usada antes de atingir SABEN. A presença do padrão de espera foi indicada nos displays de navegação dos pilotos por uma seta curva branca em SABEN e pela palavra "HOLD" na descrição do plano de voo na unidade multifuncional de controle e exibição.
No entanto, a tripulação do voo 8303 não pretendia de fato executar o padrão de espera, provavelmente porque não havia restrições que os impedissem de descer cedo e rápido o suficiente para alcançar o SABEN a 3.000 pés na primeira passagem. Nesse caso, a tripulação deveria ter usado a unidade de controle e exibição multifuncional para excluir o padrão de espera do plano de voo, o que faria com que o FMS recalculasse o perfil de descida. No entanto, isso não foi feito, nem a discrepância foi detectada, porque os pilotos nunca interromperam a conversa fora do tópico para conduzir um briefing de aproximação, que teria incluído uma verificação cruzada do plano de voo do FMS.
Como a inclusão não intencional do padrão de espera no plano de voo do FMS afetou a posição do voo no SABEN (Trabalho próprio)
Sem saber do problema em desenvolvimento, a tripulação de voo aceitou uma autorização do ATC para 5.000 pés às 14h18, ainda prosseguindo em direção a MAKLI. Momentos depois, o controle de área de Karachi instruiu o voo a contatar a Aproximação de Karachi na frequência 125,5, o que não foi confirmado pela tripulação. Na cabine, os pilotos ainda estavam envolvidos em conversas não pertinentes, como resultado do Capitão Gul ter sintonizado incorretamente seu rádio para 126,5 em vez de 125,5, aparentemente sem perceber.
O controle de área de Karachi tentou três vezes chamar o voo para confirmar a transferência, sem sucesso, momento em que o controlador instruiu outro voo da PIA a tentar chamar o voo 8303. Este voo chamou duas vezes, mas também não conseguiu fazer contato. Uma sexta chamada foi feita pela Aproximação de Karachi na frequência 125,5, que também não foi confirmada. Somente quando a Karachi Approach solicitou a frequência de emergência da Guarda, 121,5, que deveria estar sintonizada em um único rádio o tempo todo, obteve resposta. O contato foi finalmente restabelecido na frequência correta às 14h25, quase dois minutos e meio após a perda. Este incidente não teria impacto direto nos eventos que se seguiram, mas, ainda assim, foi ilustrativo da direção que as coisas estavam tomando.
Com as comunicações bidirecionais restabelecidas, a Aproximação de Karachi autorizou o voo 8303 a descer para 3.000 pés, a altitude alvo do SABEN. Naquele momento, a aeronave ainda estava a mais de 15.000 pés, aproximando-se de MAKLI.
Pouco antes de chegar a MAKLI, a tripulação armou os modos localizador e rampa de planeio para se preparar para interceptar o sistema de pouso por instrumentos. O equipamento ILS terrestre consiste em um localizador que fornece orientação lateral para alinhamento com a pista e uma rampa de planeio para fornecer orientação vertical e atingir a trajetória normal de descida de 3 graus. Quando os modos localizador e rampa de planeio são armados na FCU do A320, nos canais lateral e vertical, respectivamente, eles permanecem inativos até que os sinais do ILS estejam próximos o suficiente para serem detectados, momento em que os modos serão ativados automaticamente e o sistema de voo automático interromperá o que estava fazendo antes para seguir o ILS.
Uma visão de cima para baixo da interceptação do localizador em MAKLI pelo voo 8303 e como isso cancelou o padrão de espera pré-programado (AAIB Paquistão)
Como o ponto de referência MAKLI estava alinhado com a pista, ele também estava ao longo do localizador. Portanto, quando a aeronave se aproximava de MAKLI com o modo localizador armado, ela captava o sinal do localizador e o modo lateral mudava de NAV para LOC para seguir o localizador em vez do plano de voo do FMS. Isso resultaria no cancelamento do padrão de espera programado no SABEN. No entanto, o voo estava descendo de acordo com um perfil vertical que incluía o padrão de espera; portanto, se o modo LOC fosse ativado antes que o padrão de espera fosse concluído, o avião se alinharia com a pista a uma altitude maior do que a pretendida. O fato de a tripulação de voo ter armado o modo localizador antes de concluir o padrão de espera provou que eles não pretendiam voar o padrão de espera e provavelmente não sabiam que ele estava no plano de voo.
Como resultado do exposto, quando o voo 8303 estava próximo de MAKLI, o modo LOC foi ativado automaticamente, substituindo o modo NAV, e o piloto automático direcionou o avião para alinhamento com o localizador. No entanto, o modo Descent ainda estava ativado no canal vertical, então o avião continuou a seguir o perfil vertical calculado no FMS, que incluía o padrão de espera. Segundos depois, o voo 8303 cruzou o ponto de referência MAKLI a 9.363 pés, com apenas quatro milhas náuticas restantes para SABEN, onde deveriam estar a 3.000 pés. Perder tanta altitude em uma distância tão curta era impossível. Reconhecendo que o voo 8303 estava posicionado incorretamente para a aproximação, o controlador de Karachi ligou e perguntou: "Paquistão 8303, confirme se a milha de trajetória é confortável para a descida?"
O capitão Gul, que estava trabalhando nos rádios, respondeu imediatamente: "Afirme". Não havia evidências de que ele já estivesse ciente do problema em desenvolvimento.
Esta seria a aparência do padrão de espera no plano de voo de texto. Embora o primeiro oficial tenha excluído esta parte, era tarde demais (AAIB Paquistão)
Segundos após sua chamada de rádio, no entanto, Gul aparentemente pensou em verificar o FMS, o que o fez perceber de repente que algo estava errado. "O que aconteceu!?", exclamou ele. "Pare, pare, oh não! Retire o apoio, retire o apoio, retire o apoio, retire o apoio!"
O Primeiro Oficial Azam apagou imediatamente o padrão de espera do plano de voo, mas isso não teve efeito, pois o piloto automático agora estava seguindo o localizador, não a trajetória do plano de voo. "Espera encerrada", disse ele. "Devemos reportar isso?"
"Não", disse o Capitão Gul. "Isso pode ser devido à espera. Avise a aproximação de Karachi que estamos no localizador." Ele não articulou nenhum plano específico para corrigir a altitude excessiva, nem a tripulação discutiu exatamente a que altura estavam ou que tipo de perfil seria necessário para retornar ao curso.
Nesse ponto, a atitude mais prudente teria sido desativar o modo LOC e entrar no padrão de espera em SABEN para perder altitude. Mas alguém na cabine de comando aparentemente achou que tinha uma ideia melhor, pois às 14h30 e 44 segundos, um dos pilotos alterou o modo vertical na FCU para "Descida Aberta".
Descida Aberta é um modo selecionado no qual o sistema de voo automático mantém uma velocidade selecionada inclinando o nariz para cima ou para baixo enquanto a potência do motor permanece em marcha lenta. O avião descerá a qualquer razão vertical resultante dessa configuração. Isso permite razões de descida potencialmente muito íngremes e, por essa razão, o uso do modo Descida Aberta na aproximação final é proibido. De fato, vários acidentes com o A320 no início da década de 1990 foram atribuídos ao uso indevido do modo Descida Aberta enquanto próximo ao solo. Embora a Descida Aberta potencialmente permitisse uma razão de descida íngreme o suficiente para colocar o voo 8303 de volta no perfil, é evidente que a decisão de usá-la neste caso foi inadequada e perigosa.
Uma visão geral da situação do voo 8303 a 11 milhas náuticas da pista, aproximadamente acima de SABEN (AAIB Paquistão)
Imediatamente após selecionar o modo Descida Aberta, a tripulação de voo acionou os freios aerodinâmicos para aumentar o arrasto e, em seguida, atingiu a velocidade-alvo de 255 nós, dez nós mais rápido que a velocidade atual e acima do limite de velocidade de 250 nós abaixo de 10.000 pés imposto pela maioria dos países. Como as manetes de potência estavam fixadas em marcha lenta no modo Descida Aberta, o piloto automático tentou acelerar até a velocidade selecionada inclinando o nariz para baixo, resultando em uma descida rápida, o que presumivelmente era a intenção dos pilotos. Nesse ponto, eles estavam a cerca de 9.200 pés e a rampa de planeio estava a 4.500 pés abaixo deles, com apenas 14,1 milhas náuticas restantes até a cabeceira da pista.
Enquanto isso, observando o voo 8303 no radar, o controlador da Torre de Karachi, que era responsável por todas as decolagens e pousos, chamou o controlador de aproximação de Karachi e disse: "Senhor, está muito alto".
“Sim”, respondeu o controlador de aproximação, “está muito alto e estou observando e darei órbita”.
Naquele momento, o voo 8303 cruzou o ponto de referência SABEN a 7.800 pés, agora 4.800 pés acima do nível do mar. Segundos depois, a Karachi Approach chamou o voo e disse: "Paquistão 8303, reporte passagem de nível".
"De 75 para 3.000", respondeu Gul. Por "75" ele queria dizer 7.500 pés, o que era otimista, considerando que ainda estavam a 7.700 pés naquele momento.
“75 por 3.000, a posição atual é 10 milhas do pouso”, disse o controlador, sugerindo a escala do problema.
Em resposta, Gul transmitiu alegremente: “Sem problemas, senhor”.
Naquele momento, ainda a 7.400 pés de altitude, um dos pilotos estendeu o trem de pouso sem qualquer chamada ou verificação cruzada. Essa ação provavelmente foi realizada para aumentar o arrasto, o que lhes permitiria descer mais rápido sem aumento correspondente na velocidade. Como resultado, a razão de descida ultrapassou 2.900 pés por minuto e continuou a aumentar rapidamente. Manter a velocidade com esse arrasto adicional fez com que o piloto automático inclinasse o nariz ainda mais para baixo, atingindo 7,4˚ de nariz para baixo em 30 segundos.
Momentos depois, às 14h31min e 41min, o controlador comunicou-se por rádio com a aeronave e disse: "Senhor, a órbita está disponível, se quiser", indicando sua crença de que o voo 8303 deveria entrar em padrão de espera.
Falando com o Primeiro Oficial Azam, o Capitão Gul disse: "Diga que está tudo bem". Não está claro por que ele não fez essa ligação sozinho, já que as chamadas de rádio são de responsabilidade do piloto de monitoramento.
Após seis segundos, Azam pegou o rádio e proferiu uma frase que deveria entrar para a história pelos motivos errados: "Negativo, senhor, estamos confortáveis", disse ele. "Nós conseguimos, inshallah."
◊◊◊
Visão geral da situação quando o controlador instruiu o voo 8303 a orbitar (AAIB Paquistão)
Descendo agora a 1.500 metros, com uma razão de descida superior a 1.200 metros por minuto e aumentando, a mente do Capitão Gul ainda parecia estar em outro lugar. "A espera estava travada, isso foi automaticamente incorporado, eu esqueci", disse ele, discutindo eventos anteriores em vez da situação que se desenvolvia rapidamente à sua frente. Após uma pausa de alguns segundos, acrescentou a Azam: "Ele ficará surpreso com o que fizemos", referindo-se ao controlador de tráfego aéreo. O controlador acabaria ficando realmente muito surpreso, mas provavelmente não da maneira que Gul pretendia.
Naquele momento, o Karachi Approach ligou e disse: “Paquistão 8303, desconsidere, vire à esquerda na direção 180”. Provavelmente, a intenção era dar uma ordem para iniciar um padrão de espera, mas o uso da palavra “desconsidere” tornou a mensagem ambígua.
"Senhor, estamos confortáveis agora, e saímos de 3.500 para 3.000, ILS 25L estabelecido", respondeu o voo 8303. A altitude real naquele momento era de 3.900 pés, não 3.500.
Desta vez, o controlador decidiu cortar a proverbial besteira. "Negativo, vire à esquerda rumo 180", ordenou.
Incrivelmente, a tripulação ignorou essa instrução direta. "Senhor, estamos estabelecidos em ILS 25L", repetiu o voo 8303, sem fazer nenhuma tentativa de mudar de curso.
Na cabine, a tripulação reduziu a velocidade alvo para 225 nós, presumivelmente na tentativa de reduzir a velocidade o suficiente para estender os flaps e slats. Esses dispositivos de alta sustentação aumentam tanto a sustentação quanto o arrasto, permitindo o voo em velocidades mais baixas e, ao mesmo tempo, auxiliando a tripulação a aterrissar o avião o mais rápido possível. No entanto, os flaps e slats têm uma velocidade máxima em qualquer configuração, acima da qual a extensão não é permitida devido ao risco crescente de danos causados por forças aerodinâmicas.
O Airbus A320 possui quatro configurações diferentes de flaps/slats, chamadas de configuração (CONF) 1, CONF2, CONF3 e FULL. A velocidade máxima para a CONF1 é de 230 nós, o que provavelmente explica por que a tripulação selecionou 225 nós na FCU. No entanto, a velocidade real da aeronave no momento em que a tripulação selecionou a CONF1 era de 242 nós, o que resultou em um aviso imediato de "excesso de velocidade", composto por um sinal sonoro contínuo e repetitivo, uma luz vermelha de aviso principal e uma mensagem vermelha de aviso no visor do Monitoramento Centralizado Eletrônico da Aeronave (ECAM). Nenhum dos pilotos reconheceu os avisos.
Visão geral da situação pouco antes da desconexão do piloto automático. Observe a barra vermelha tracejada de excesso de velocidade no indicador de velocidade no canto superior esquerdo e a taxa de descida de 6.400 pés por minuto (AAIB Paquistão)
Então, apenas um segundo depois, a situação se agravou ainda mais quando o piloto automático se desconectou automaticamente devido à inclinação excessiva do nariz para baixo. Para manter uma velocidade selecionada acima de 200 nós com o trem de pouso, freios aerodinâmicos e flaps estendidos e as alavancas de empuxo em marcha lenta, o piloto automático aplicava continuamente uma inclinação cada vez maior do nariz para baixo para manter o avião em mergulho e evitar que desacelerasse muito rapidamente.
Logo após a extensão dos flaps, o ângulo de inclinação atingiu impressionantes 13,7 graus de nariz para baixo, que é o máximo que o piloto automático pode comandar. Tal atitude nunca deve ser alcançada em voo normal e, de fato, uma inclinação não intencional para baixo superior a 10 graus é considerada uma perturbação em voo. A lógica de programação do A320 pressupõe que, se o piloto automático tiver que comandar uma inclinação do nariz para baixo de 13,7 graus ou mais, é provável que haja algo errado com ele e ocorra um desengate automático.
A desconexão não comandada do piloto automático normalmente resultará em um alarme de carga de cavalaria, luz vermelha de advertência principal e mensagem de alerta de "desconexão do A/P" no ECAM. Neste caso, no entanto, o alerta de excesso de velocidade já estava soando e a luz de advertência principal já estava acesa. Para evitar a supersaturação do ambiente sonoro da cabine, o A320 possui uma hierarquia interna de alarmes organizados por prioridade relativa, na qual "excesso de velocidade" supera "desconexão do piloto automático".
Portanto, o alarme de carga de cavalaria foi suprimido em favor do alerta de excesso de velocidade, e as principais indicações de que o piloto automático havia se desconectado foram a mensagem do ECAM e uma mudança na indicação de status de voo automático nos displays de voo primários de ambos os pilotos. Nenhum dos pilotos reconheceu imediatamente a desconexão e, por um período considerável depois disso, não ficou claro se alguém estava pilotando o avião.
Quase simultaneamente à ativação do alerta de excesso de velocidade e à desconexão do piloto automático, o Karachi Approach chamou o voo e disse: "Senhor, você está a cinco milhas do pouso, ainda passando de 3.500".
O voo 8303 simplesmente respondeu: "Roger". Em resposta, o controlador alertou novamente que eles estavam muito altos e, novamente, a tripulação o ignorou.
Todos os eventos nesta tabela aconteceram no espaço de apenas 11 segundos (AAIB Paquistão)
Momentos depois, a uma altitude de 2.230 pés, a razão de descida atingiu inacreditáveis 7.400 pés por minuto, enquanto o avião continuava a mergulhar em direção ao solo com os motores em marcha lenta e quase todos os dispositivos de alta resistência estendidos. Uma razão de descida normal naquele ponto, a 5,2 milhas náuticas da pista, teria sido de 1.000 pés por minuto ou menos. Uma velocidade vertical de 7.400 pés por minuto é praticamente inédita, exceto em descidas de emergência após a despressurização da cabine.
À medida que a taxa de descida atingia o pico, a situação se agravava ainda mais quando o sistema de alerta de proximidade do solo (GPWS) entrou em ação, anunciando "TAXA DE AFUNILAMENTO! SUBA! SUBA!"
Em resposta, o Primeiro Oficial Azam puxou o manche lateral cerca de dois terços do caminho para trás, comandando o avião a subir de inclinação. O avião reagiu rapidamente, pois a atitude de inclinação atingiu zero grau em segundos, enquanto a razão de descida caiu para "apenas" 2.000 pés por minuto. No entanto, a velocidade continuou a aumentar até um máximo de 261 nós, 31 nós acima do limite de velocidade para a CONF1, e o sinal sonoro incessante do alerta de excesso de velocidade continuou a preencher a cabine.
Enquanto isso, enquanto Azam puxava seu manche, alguém retraiu os freios aerodinâmicos e o trem de pouso, sem qualquer tipo de aviso ou verificação cruzada.
Este foi um momento crucial na sequência de eventos, mas muito pouco se sabe sobre ele. Como nenhum dos pilotos mencionou o trem de pouso neste momento, não é possível afirmar com absoluta certeza quem foi o responsável, muito menos o que eles estavam pensando. No entanto, eventos subsequentes sugerem que o primeiro oficial Azam provavelmente estava por trás disso, como veremos em breve.
Nos segundos seguintes à retração do trem de pouso, a velocidade caiu abaixo do limite de excesso de velocidade com os flaps em CONF1, e o alarme cessou. Em resposta, um dos pilotos — provavelmente o Capitão Gul — estendeu os flaps ainda mais, para CONF2 e depois para CONF3. A velocidade máxima com os flaps em CONF3 era de 189 nós, mas a velocidade real da aeronave naquele ponto ainda era de 232 nós, então o alarme de excesso de velocidade voltou a soar, apenas três segundos após parar.
No mesmo momento, a Aproximação de Karachi interveio com autorização para pousar. Documentos oficiais não deixam claro se era comum o controlador de aproximação emitir autorização para pouso, o que normalmente é responsabilidade do controlador da Torre.
Então, 36 segundos após o trem de pouso ter sido levantado, a uma altitude de 1.100 pés, o primeiro oficial Azam perguntou: "Deveríamos fazer a órbita?"
"Não, não, deixe para lá", disse o Capitão Gul. Ele imediatamente agarrou seu próprio manche lateral para assumir o controle, mas Azam continuou a fazer comandos por mais quatro segundos antes de aparentemente perceber que Gul agora era o piloto. Tal transferência de controle deveria ser acompanhada por uma chamada formal de transferência, o que não foi feito.
Essa troca reforça a suposição de que foi Azam quem retraiu o trem de pouso e os freios aerodinâmicos. Considerando que o Capitão Gul queria continuar a aproximação, é muito improvável que tenha sido ele quem retraiu o trem de pouso. Além disso, a combinação dos comandos de Azam para levantar o nariz e retrair o trem de pouso indicava um possível desejo de interromper a descida, que Azam verbalizou quando pediu para realizar uma órbita. No entanto, a situação foi caracterizada pela confusão, pois nenhum dos pilotos tinha clareza sobre suas intenções e nenhum deles estava aderindo a qualquer procedimento.
Se Azam quisesse abandonar completamente a aproximação e dar a volta, a sequência correta de ações seria ativar o modo de arremetida, o que causaria um aumento de empuxo; verificar se a aeronave estava subindo; e só então solicitar a retração do trem de pouso, que deveria ser realizada pelo piloto de monitoramento sob o comando do piloto em voo. Por outro lado, se Azam quisesse apenas realizar uma órbita para perder altitude antes de retomar a aproximação, então retrair o trem de pouso era desnecessário. Portanto, no final, a razão exata pela qual Azam recolheu o equipamento não está clara a partir das evidências disponíveis e provavelmente nunca será conhecida com certeza.
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O voo 8303 chega alto e rápido (AAIB Paquistão)
Nesse ponto, o voo 8303 estava descendo a 1.000 pés, o que é considerado o "portão de estabilização" para uma aproximação ILS. Isso significa que, para continuar, a tripulação de voo era obrigada a verificar a conformidade com os critérios de aproximação estabilizada da PIA. A definição exata de uma aproximação estabilizada varia de país para país e de companhia aérea para companhia aérea, mas na PIA uma aproximação era considerada estável desde que a aeronave estivesse na trajetória de voo correta, com apenas pequenas entradas necessárias para mantê-la; a velocidade no ar estivesse acima da velocidade de referência de pouso, mas não mais do que 20 nós acima; a aeronave estivesse na configuração de pouso; a razão de descida não fosse superior a 1.000 pés por minuto; a configuração de potência fosse apropriada para a configuração; e todas as listas de verificação tivessem sido concluídas. Se qualquer um desses critérios não for atendido, a tripulação deveria executar uma arremetida e tentar a aproximação novamente.
No momento em que o voo 8303 atingiu o portão de estabilização, não atendeu a nenhum desses critérios — nem um único! A aeronave estava significativamente acima da rampa de planeio, com grandes comandos necessários para interceptá-la; a velocidade do ar estava 75 nós acima do normal; o trem de pouso não estava abaixado; a razão de descida era de 1.800 pés por minuto e aumentando; a potência do motor estava em marcha lenta; e a lista de verificação de pouso não havia sido realizada. E, no entanto, não houve discussão sobre uma arremetida, e, de fato, "falha em arremetida no portão de estabilização" parece um conceito irremediavelmente acadêmico diante do que foi, sem dúvida, um desrespeito completamente deliberado à própria noção de procedimentos operacionais padrão.
E assim a aproximação continuou, ficando mais intensa a cada segundo. Aparentemente cansado do alerta sonoro contínuo de excesso de velocidade, o Capitão Gul disse: "Cancele", levando o Primeiro Oficial Azam a silenciar o alerta usando o botão de "cancelamento de emergência", a única maneira de cancelar o alerta sonoro repetitivo e contínuo. Como o alerta sonoro indica uma condição insegura que exige ação imediata, normalmente não deve ser cancelado sem que o problema subjacente seja corrigido e, na verdade, o botão de "cancelamento de emergência" destina-se apenas ao uso em caso de alarme falso.
No entanto, três segundos depois, a uma altitude de 750 pés e a apenas 1,5 milhas náuticas da pista, o avião aproximou-se o suficiente do solo para disparar o aviso de "trem de pouso não baixado", que é acompanhado por um sinal sonoro repetitivo contínuo, luz vermelha de aviso principal, uma mensagem de aviso vermelha no ECAM e o aparecimento de uma seta vermelha ao lado da alavanca do trem de pouso.
Consequentemente, o sinal sonoro repetitivo contínuo voltou a soar imediatamente, mas a tripulação não fez nenhum comentário. É possível que eles acreditassem que o sinal sonoro foi novamente acionado pela condição de excesso de velocidade ainda em curso, mas a mensagem do ECAM e a seta vermelha teriam dito a eles que esse não era o caso. A configuração inadequada também deveria ter sido detectada pelo Primeiro Oficial Azam, considerando que foi ele quem colocou o trem de pouso menos de um minuto antes, mas por alguma razão ele não disse nada. O Capitão Gul, por sua vez, parecia estar em outro planeta completamente.
O alerta do GPWS de "marcha muito baixa" só soa quando a velocidade do ar está abaixo de 190 nós. Acima dessa velocidade, o sistema considera qualquer contato iminente com o solo como uma colisão, e não um pouso, e direciona para "terreno muito baixo" (AAIB Paquistão)
Então, um segundo depois, o som do sino foi acompanhado pelo estrondo do sistema de alerta de proximidade do solo, que gritava repetidamente: "TAXA DE AFUNILAMENTO! TERRENO MUITO BAIXO! SUBA!". Esses avisos terríveis foram novamente ignorados pela tripulação.
Um efeito colateral da trajetória de voo extrema do avião foi que ele permaneceu dentro do envelope de alerta de terreno do GPWS até abaixo de 30 pés acima do solo, ponto em que o GPWS é inibido. O sistema de alerta de proximidade do solo é capaz de gerar um alerta de "MUITO BAIXO, TREM" se o trem de pouso não for estendido enquanto estiver próximo ao solo, mas esse alerta tem prioridade menor do que "MUITO BAIXO, TERRENO" e "SUBA", que indicam que o avião está prestes a cair. Como resultado, o alerta de "MUITO BAIXO, TREM", que de outra forma teria soado, nunca foi ouvido. Dada a propensão deles a ignorar alarmes terríveis, não está claro se mais um alarme teria incitado a tripulação a agir, mas a possibilidade não pode ser descartada.
Às 14h34, o voo 8303 ultrapassou a cabeceira da pista 25L, ainda em descida, com um ponto de toque projetado em algum lugar próximo à metade da pista. A velocidade era de cerca de 200 nós, pelo menos 75 nós acima da velocidade de referência de pouso, e o trem de pouso, desnecessário dizer, ainda não estava baixado. Mesmo excluindo este último ponto, do qual ele não tinha conhecimento, não está claro por que o Capitão Gul pensou que conseguiria pousar daquela posição, mas por algum motivo ele tentou.
Na verdade, Gul estava tão ansioso para pousar que tentou acionar os dois reversores de empuxo enquanto o avião ainda estava a 2,1 metros do solo. O A320, sendo uma aeronave sensata, não permitiu que ele fizesse isso; nenhum dos reversores de empuxo foi acionado, e a discordância entre as posições das alavancas do reversor e dos reversores reais acionou várias outras mensagens de alerta no ECAM, que foram ignoradas.
Imagens de CFTV mostram o voo 8303 deslizando pela pista com os motores em movimento (AAIB Paquistão)
Momentos depois, às 14h34 e 28 segundos, o voo 8303 finalmente tocou o solo a 4.500 pés na pista de 11.150 pés (3.400 m).* Com o trem de pouso recolhido, as primeiras partes da aeronave a tocar o solo foram as partes inferiores de seus motores baixos, que começaram a deslizar pelo asfalto, lançando chuvas gêmeas de faíscas. O avião saltou ligeiramente de volta no ar pelo menos três e possivelmente quatro vezes*, diminuindo a velocidade apenas um pouco, mesmo quando o Capitão Gul instintivamente martelou os freios que ainda estavam guardados nas caixas de rodas junto com o restante do trem de pouso.
Do lado de fora, as partes inferiores de ambos os motores estavam sendo submetidas a uma poderosa força abrasiva que mastigava rapidamente componentes críticos das caixas de engrenagens de acessórios, removendo material como uma impressora 3D operando ao contrário, desconstruindo os motores camada por camada.
O Primeiro Oficial Azam imediatamente percebeu que algo estava errado e, sem anunciar qualquer tipo de transferência de controle, começou a puxar o manche lateral para trás para tirar o avião da pista novamente, mesmo enquanto o Capitão Gul empurrava o nariz para baixo em um esforço para manter o avião no solo. Gul tentou novamente aplicar o empuxo reverso máximo, e os motores responderam desacelerando para marcha lenta, mas nenhum dos reversores foi capaz de acionar.
Em vez disso, o alerta de incêndio no motor nº 2 (à direita) soou repentinamente, acompanhado por outro sinal sonoro repetitivo contínuo, mensagem do ECAM e luz vermelha de alerta principal. Nenhum dos tripulantes mencionou o alerta, que cessou após 7 a 10 segundos, mas após 14 segundos no solo, o Primeiro Oficial Azam finalmente exclamou: "Decole, senhor, decole!"
Dois segundos depois, a uma velocidade de 160 nós, o Capitão Gul avançou ambas as alavancas de propulsão para a potência de decolagem/arremetida (TOGA), e o motor nº 1 (esquerdo) respondeu girando normalmente, mas a potência do motor direito continuou a cair. No entanto, após uma ligeira inclinação para a direita, a aeronave gravemente danificada decolou novamente às 14h34min46s, após deslizar sobre o solo com seus motores por nada menos que 18 segundos.
*Nota: De acordo com o relatório do acidente, o avião tocou o solo 4.500 pés após a cabeceira, onde o primeiro conjunto de marcas de raspagem da pista foi encontrado. No entanto, um diagrama no relatório do acidente coloca o início do primeiro conjunto de marcas de raspagem em um local correspondente a 5.400 pés, não 4.500. Essas marcas de raspagem a 5.400 pés são verificáveis visíveis em um vídeo da inspeção da pista após o acidente, com sua posição confirmada por referência cruzada às marcações da pista.
No entanto, o vídeo parece mostrar possíveis marcas de raspagem nas proximidades de 4.500 pés também. Além disso, um funcionário anônimo da CAA do Paquistão disse ao jornal Express Tribune do Paquistão que o motor esquerdo tocou o solo a 4.500 pés e o motor direito tocou o solo a 5.500, o que não corresponde ao vídeo — que mostra marcas de ambos os motores em ambos os locais — mas é, no entanto, a única menção oficial das marcas de raspagem claramente óbvias na faixa de 5.000 pés. Portanto, acredito que a aeronave provavelmente pousou a 4.500 pés, mas pode ter tocado o solo cinco vezes — incluindo uma vez a cerca de 5.400 pés — e não quatro vezes, como declarado no relatório oficial.
Um diagrama das marcas de raspagem encontradas na pista após o acidente. Como observado, o diagrama mostra as marcas começando a 1.625 metros de profundidade na pista, embora o próprio relatório afirme, e as evidências comprovem, que o pouso ocorreu a 1.375 metros (AAIB Paquistão)
Na torre de controle, o controlador da Torre, atônito, observou o voo 8303 deslizar, soltando faíscas, por quase um quilômetro antes de, de alguma forma, retornar ao ar. Quase imediatamente, ele chamou o controlador de aproximação, que não tinha visão direta da pista, para relatar o que tinha visto: "Ele não baixou o trem de pouso, mas subiu após o toque", disse ele.
“Onde ele está agora?” perguntou o controlador de aproximação.
“Agora que você passou do limite, pare”, disse a Torre.
"Como assim, subindo!?", respondeu o controlador de aproximação, incrédulo. Ao fundo, ouvia-se um dos pilotos transmitindo: "Paquistão 8303, dando a volta!"
A bordo da aeronave, a situação era instável e crítica. O motor esquerdo impulsionava a aeronave para cima, em uma subida constante, mas o motor direito permanecia em marcha lenta, pois danos a componentes acessórios haviam causado perda de potência na unidade de controle do motor, impossibilitando a transmissão do comando de potência TOGA ao motor até que a energia de reserva fosse acionada automaticamente.
O dano também havia desativado o gerador de corrente alternada (CA) alimentado pelo motor nº 2, que, juntamente com o gerador nº 1 correspondente, alimentava o sistema elétrico da aeronave. O sistema foi reconfigurou-se automaticamente para operar todos os equipamentos apenas com o gerador nº 1, mas, como o motor nº 1 havia sofrido danos semelhantes, seus dias também estavam contados.
Quando o voo 8303 atingiu a altitude de 18 metros, o GPWS voltou a ser ativado e emitiu brevemente um alerta de "MUITO BAIXO, TREM". Em resposta, um dos pilotos rapidamente selecionou a alavanca de câmbio para baixo e depois para cima, aparentemente em um momento de confusão sobre a posição do trem de pouso. No entanto, nenhum dos pilotos fez qualquer comentário sobre o trem de pouso neste momento.
Quando o voo atingiu 442 pés, a unidade de controle do motor nº 2 estava novamente operacional e, milagrosamente, o motor direito finalmente acelerou para a potência TOGA, como havia sido comandado quase 25 segundos antes. No entanto, um problema muito maior estava se desenvolvendo: o deslizamento prolongado pela pista havia aberto vários furos em várias linhas de óleo em ambos os motores.
Às 14h35 e 15 segundos, a quantidade de óleo do motor esquerdo havia caído 75% e a quantidade de óleo do motor direito, 67%, à medida que o óleo vazava pelas brechas. Sem óleo lubrificante, componentes rotativos firmemente encaixados entrariam em contato uns com os outros e travariam em minutos. Possivelmente como resultado desse processo, ambos os motores registraram níveis elevados de vibração antes que os parâmetros de vibração do motor se tornassem inválidos devido a possíveis danos ao sensor.
Além disso, às 14h35min33s, um aviso de "baixa pressão de óleo do motor nº 1" foi recebido, acompanhado — mais uma vez — por um sinal sonoro repetitivo contínuo e um aviso mestre. Desta vez, a tripulação pareceu notar, pois alguém cancelou os avisos em cinco segundos, momento em que o aviso de baixa pressão de óleo do motor nº 2 também foi acionado, disparando o sinal sonoro contínuo mais uma vez.
Nesse momento, a aeronave conseguiu subir novamente para 2.160 pés, e a potência de ambos os motores foi reduzida para cerca de 40% a fim de nivelar e reduzir a velocidade. Tendo a situação momentaneamente estabilizada, a tripulação transmitiu: "Solicitação de voo para o Paquistão 8303, gostaríamos de retornar para ILS 25L."
“Roger, vire à esquerda rumo a 110, suba 3.000”, respondeu o controlador de aproximação.
Ao mesmo tempo, o controlador de aproximação continuou falando ao telefone com o controlador da Torre, tentando entender melhor a situação. "O que aconteceu?", perguntou ele.
"Ele não baixou o trem de pouso", disse a Torre. "Declarei estado de emergência total."
“Por enquanto…” Approach começou a dizer.
“Ele tocou e houve fogo, tipo aterrissagem de barriga, depois subiu”, continuou a Torre.
"Certo", disse Approach. "Eu estava dizendo para ele parar."
"Pergunte a ele se as marchas estavam abaixadas ou não", disse a Torre. "Eu vi que não estavam abaixadas."
"Ok", disse o controlador de aproximação. Mas ele nunca perguntou à tripulação sobre o pouso com o trem de pouso recolhido.
Enquanto isso, o voo 8303, subindo para 3.000 pés conforme autorizado, conseguiu atingir apenas 2.670 pés antes que o motor esquerdo começasse a perder potência, diminuindo lentamente a rotação em relação à potência comandada. Muito provavelmente, o motor havia travado devido à falta de óleo lubrificante. Mas, inacreditavelmente, as palavras que saíram da boca do Primeiro Oficial Azam foram: "Alavanca de propulsão número dois, marcha lenta, movimento número dois, marcha lenta!"
Em resposta, a tripulação reduziu a potência do motor direito para marcha lenta, embora este estivesse funcionando e a falha tivesse sido do motor esquerdo. Para ser justo, o motor direito havia gerado um alerta de incêndio anteriormente e não respondeu ao comando de propulsão TOGA, mas esses indícios não estavam mais presentes.
Nesta foto tirada durante os momentos finais do voo 8303, a turbina de ar comprimido implantada e os danos no motor são visíveis (AAIB Paquistão)
Segundos depois, a rotação do motor esquerdo desacelerou abaixo do limite necessário para alimentar seu gerador CA. Como o gerador nº 2 já havia sido desligado, a perda do gerador nº 1 causou uma perda completa de energia elétrica, e ambos os gravadores de voo pararam de gravar. Todos os instrumentos críticos e computadores fly-by-wire foram temporariamente transferidos para a energia da bateria. Detectando a perda de ambos os geradores, uma medida de contingência foi automaticamente acionada para implantar a turbina de ar de emergência, conhecida como RAT, que cai da parte inferior da fuselagem e gera eletricidade por meio de moinhos de vento na corrente de ar.
Oito segundos após a perda de energia elétrica, a RAT habilitou sua restauração parcial, fazendo com que os sistemas críticos desligassem novamente a energia da bateria. O gravador de voz da cabine retomou a gravação, mas o gravador de dados de voo não, porque não estava conectado ao barramento elétrico de emergência, o que foi projetado devido ao seu alto consumo de energia.
O voo 8303 estava agora na metade de seu círculo de volta à pista e em uma emergência grave, sem energia de nenhum dos motores. Embora o gravador de dados de voo tenha morrido antes que o interruptor pudesse ser registrado, os controles de voo também presumivelmente entraram em lei alternativa — um conceito que esperamos que seja familiar a alguns leitores — no qual muitas das proteções do envelope de voo do Airbus foram perdidas, incluindo a proteção contra estol.
O A320 normalmente não permite entradas que levariam a um estol, acionando os controles conforme necessário para evitar que o ângulo de ataque atinja o limite de estol, independentemente do que o piloto esteja fazendo. No entanto, com a perda de energia elétrica e do motor, essa proteção não pôde mais ser mantida. Em vez disso, se o ângulo de ataque se aproximasse do limite de estol, um aviso sonoro de "ESTOL" seria acionado, incitando a tripulação a agir.
Enquanto a aeronave tentava manter 3.000 pés sem propulsão para a frente, sua velocidade caiu vertiginosamente, e o ângulo de ataque começou a subir em direção ao ponto de estol, no qual o avião não seria mais capaz de se manter no ar. Na cabine, ambos os pilotos manuseavam os controles simultaneamente, resultando em vários avisos sonoros de "DUAL INPUT", seguidos segundos depois por "ESTOL! ESTOL!".
Em resposta, a tripulação desceu, reduzindo o ângulo de ataque e silenciando o aviso de estol, mas agora o avião estava em descida, caindo 1.900 pés enquanto ainda estava a quilômetros da pista. Cada vez mais desesperado, o Capitão Gul perguntou onde ficava a pista, e o Primeiro Oficial Azam conseguiu avistá-la, mas eles estavam ficando sem tempo.
Percebendo a perda de altitude, o controlador de aproximação de Karachi ligou e disse: “Paquistão 8303, você está caindo 2.000 de altitude”.
“Uh, só me dê 2.000”, respondeu Azam.
Ao fundo, um sinal sonoro contínuo e repetitivo soou novamente, cuja causa não foi determinada devido à ausência de dados de voo. Nesse ponto, quase não importava. De qualquer forma, após seis segundos, o Capitão Gul disse "Feche", e o aviso foi cancelado.
Um gráfico da potência do motor durante a fase final do voo. O grande intervalo no meio representa o período após o término da gravação do FDR. As configurações de potência posteriores foram derivadas pela análise da frequência do som do motor no CVR, mas apenas quando estava alto o suficiente para ser ouvido (AAIB Paquistão)
Naquele momento, um dos pilotos aparentemente descobriu, ao examinar os parâmetros do motor, que o motor nº 2 ainda estava funcionando, e estivera o tempo todo, embora em marcha lenta. Seguiu-se uma breve discussão, após a qual a alavanca de propulsão do nº 2 foi acionada — e, vejam só, o motor começou a acelerar, seu zumbido agudo cortando o ruído de fundo da gravação de voz da cabine.
A Aproximação de Karachi ligou novamente, informando que a altitude ainda marcava 1.800 pés e estava descendo. "Entendido, estamos mantendo, tentando manter", respondeu Azam.
Azam também devia estar consultando uma lista de verificação anormal, pois informou ao Capitão Gul que a velocidade mínima para alimentar o RAT era de 140 nós e que eles deveriam manter pelo menos essa velocidade ou perderiam tudo. Indo mais adiante na lista de verificação, que presumivelmente se referia à falha dos dois geradores, ele sugeriu que desligassem e ligassem ambos os geradores. Isso não teria resolvido o problema, que era a superfície inferior de ambos os geradores ter se transformado em uma mancha de vários milhares de pés de comprimento na pista 25L.
Naquele momento, o Capitão Gul de repente percebeu o erro anterior. "Vocês selecionaram o motor nº 2 para marcha lenta, enquanto o motor nº 1 estava desligado", disse ele.
“Sim”, disse Azam, que claramente já havia percebido isso.
Segundos depois, porém, a sorte acabou. Uma série de estrondos foi ouvida repentinamente quando o motor nº 2 começou a falhar, provavelmente também devido à falta de óleo lubrificante. O Capitão Gul perguntou o que eram aqueles ruídos, ao que o Primeiro Oficial Azam respondeu: "Reduza a velocidade!"
Os sons de batida provavelmente estavam associados a um estol ou surto de pressão do compressor, que ocorre quando o fluxo de ar através do motor é interrompido e o ar é momentaneamente lançado para a frente a partir da câmara de combustão altamente pressurizada. A resposta correta é reduzir a potência até que o surto cesse, que é o que Azam estava sugerindo. A potência do motor nº 2 foi posteriormente reduzida para 65%, e o ruído cessou. Mesmo assim, o motor estava em seus últimos suspiros e, 30 segundos depois, começou a desacelerar, assim como o motor esquerdo.
Um mapa aproximado dos últimos segundos do voo 8303 (Trabalho próprio, mapa do Google, foto de CFTV de várias redes sociais)
Agora sem energia e sem esperança de recuperá-la, o avião começou a descer e desacelerar mais rapidamente do que antes. Avisos intermitentes de "ESTOL" foram ouvidos enquanto eles flertavam à beira do desastre. Reconhecendo os alertas, o Primeiro Oficial Azam instou o Capitão Gul a aumentar a velocidade para evitar o estol, mas Gul simplesmente respondeu: "Como eu aumentaria a velocidade!?"
Sem potência do motor, a única maneira de aumentar a velocidade era inclinar-se para baixo. Se não inclinassem para baixo, a velocidade cairia gradualmente e o ângulo de ataque aumentaria gradualmente até que estolassem e caíssem do céu.
Procurando por algum tipo de plano B, Azam perguntou: "Temos a Base Faisal", referindo-se a um campo de aviação militar próximo — mas ela já estava atrás deles.
O voo 8303 começou a virar à esquerda para um trecho de base antecipado, a fim de se alinhar à pista 25L, sem autorização do controle de tráfego aéreo. "[Você] parece estar virando à esquerda", disse o controlador de aproximação, observando o desvio.
"Vamos prosseguir direto, senhor, perdemos os motores", respondeu Azam. Estavam agora a 1.500 pés e caindo rapidamente.
“Confirma que você está realizando um pouso de barriga?” perguntou o controlador.
“Negativo, senhor”, disse Azam.
Em resposta à pergunta, Gul perguntou se o trem de pouso estava estendido, uma pergunta que talvez devesse ter feito alguns minutos antes. Azam confirmou que o trem de pouso estava levantado e, em seguida, o selecionou para baixo. O ronco da extensão do trem de pouso foi ouvido no CVR.
“A tripulação de cabine deve se sentar”, disse Gul.
Pegando o microfone de sistema de som, Azam disse: "Tripulação de cabine, dirijam-se aos seus postos para pouso". Eles estavam a 213 metros, dois terços do caminho percorrido na curva de base, com a pista à vista, mas sua velocidade ainda estava caindo.
Segundos depois, os alertas de estol voltaram a soar. Mas, desta vez, voavam baixo, sobre os subúrbios densamente povoados de Karachi, e, se caíssem, atingiriam prédios. Em vez disso, o Capitão Gul simplesmente gritou: "Mayday, mayday, mayday", e Azam acionou seu microfone e transmitiu a mesma mensagem para o controle de tráfego aéreo. Esta seria a última vez que alguém ouviria falar do voo 8303.
Com o alerta soando continuamente, o avião começou a estolar, descendo cada vez mais rápido em direção à cidade, com o nariz erguido em uma tentativa desesperada, porém inútil, de manter a altitude. O controlador de aproximação podia ser ouvido ao fundo informando que ambas as pistas estavam disponíveis para pouso, mas a tripulação não respondeu.
"Não peguem flaps, não peguem flaps!" exclamou Gul, continuando sua curva à esquerda, quase se alinhando com a pista — mas era tarde demais.
Uma vista aérea do local do acidente ilustra claramente como o voo desceu em linha reta com a rua, fazendo com que as asas cortassem vários telhados (CAA Paquistão)
Às 14h40min e 18 segundos, o voo 8303 da Pakistan International Airlines começou a atingir os telhados de uma rua sem saída no bairro Model Colony, em Karachi, a apenas 1.400 metros da cabeceira da pista 25L e a apenas um quarteirão de um terreno aberto. Ao avançar pela rua, as asas arrancaram os telhados de vários prédios, lançando alvenaria em todas as direções, antes que a asa esquerda se chocasse contra a lateral de um apartamento no terceiro andar, provocando uma explosão massiva.
O avião girou para a esquerda, caiu no nível da rua e atingiu vários carros e prédios, lançando destroços em chamas pelo estreito abismo formado pelas casas amontoadas. Em apenas 100 metros, os destroços do avião pararam abruptamente, amontoando-se no final da rua sem saída, contra o muro dos fundos de uma escola.
Esta compilação de vídeos e fotos extraídos de diversas redes sociais inclui imagens de câmeras de segurança do impacto e imagens do momento imediatamente posterior. Peço desculpas pelo círculo vermelho; não fui eu quem o colocou lá
Quando o avião parou, a rua estreita estava tomada por destroços, fumaça e chamas, salpicada com restos de carros e pilhas de alvenaria tombada. Testemunhas correram de prédios próximos para procurar sobreviventes, mas a maioria foi repelida pela intensidade do fogo. No entanto, por algum milagre, nem todos a bordo do A320 morreram no violento acidente.
Na seção mais à frente, o passageiro Muhammad Zubair acordou logo após o impacto e se viu na escuridão cheia de fumaça, cercado por gritos e berros de outros presos em algum lugar na escuridão. Num golpe de sorte, ele conseguiu avistar um raio de luz e se içou em sua direção, depois pulou três metros até a rua em meio a rajadas de fogo antes de ser socorrido para um lugar seguro.
Simultaneamente, outro passageiro, Zafar Masud — presidente do Banco do Punjab, uma das maiores instituições financeiras do Paquistão — foi resgatado por transeuntes com ferimentos apenas moderados, escapando do assento 1C da classe executiva. Masud afirmou posteriormente que seu assento foi arrancado do avião, deslizado pelo telhado do terceiro andar e, em seguida, caiu sobre um carro estacionado enquanto ele ainda estava preso dentro dele. Só mais tarde ele descobriria que ele e Zubair eram os únicos sobreviventes — todos os outros 97 passageiros e tripulantes pereceram no impacto e no incêndio que se seguiu.
No solo, 18 edifícios foram danificados no acidente, mas devido a vários fatores, nenhum desabou completamente, o que provavelmente salvou a vida de muitos transeuntes. Além disso, a maioria dos homens da vizinhança não estava em casa, tendo se reunido em uma mesquita próxima para as orações de sexta-feira. Oito pessoas no solo foram levadas ao hospital com ferimentos que variaram de moderados a graves, a maioria mulheres e crianças, incluindo três irmãs adolescentes que estavam trabalhando na limpeza de um apartamento no último andar quando este foi atingido pelo avião. Todas tiveram queimaduras em mais de 50% do corpo e foram encontradas em estado crítico. Infelizmente, a mais nova das três, Naheeda Khaskheli, de 13 anos, sucumbiu aos ferimentos nove dias após o acidente, elevando o número final de mortos no desastre para 98.
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As equipes de recuperação começaram a remover os destroços após o acidente (AP)
A reação inicial ao acidente foi marcada pela confusão, enquanto especialistas e observadores lutavam para juntar as pistas díspares disponíveis. Fotografias de danos na parte inferior dos motores e transcrições do controle de tráfego aéreo mencionando um pouso de barriga e falha do motor levaram à especulação inicial de que o avião havia pousado com o trem de pouso recolhido, seguido por uma arremetida e perda de ambos os motores. Isso acabou sendo amplamente correto, embora muitas discussões iniciais presumissem que o pouso de barriga inicial foi intencional, quando não foi. A eclosão de um escândalo de licenciamento de pilotos — muito mais sobre isso depois — também levou à especulação de que os pilotos eram inadequadamente qualificados, mas isso também não foi o caso.
Embora as atualizações investigativas nas primeiras semanas tenham desenvolvido a maior parte do esboço básico do voo, muitas perguntas sem resposta permaneceram até que o Conselho de Investigação de Acidentes de Aeronaves (AAIB) do Paquistão divulgou seu tão aguardado relatório final em fevereiro de 2024. O que o relatório revelou foi uma história de negligência em escala colossal.
As circunstâncias imediatas para o acidente foram criadas quando a tripulação de voo, distraída por conversas não pertinentes, deixou de conduzir um briefing de aproximação que teria revelado a presença de um padrão de espera em seu plano de voo FMS. Essa conversa continuou até abaixo de 10.000 pés, em violação à regra de cabine estéril, que proíbe atividades não relacionadas à operação imediata da aeronave abaixo dessa altitude. Isso provavelmente contribuiu para que os pilotos não percebessem que não estavam descendo rápido o suficiente para chegar à altitude adequada pela correção de aproximação SABEN, a menos que o padrão de espera fosse concluído. Se a tripulação tivesse reconhecido esse problema antes, eles poderiam ter acionado o modo Descida Aberta antes de atingir MAKLI, o que lhes teria permitido descer para 3.000 pés e interceptar a rampa de planeio por baixo em SABEN, como os projetistas do procedimento de aproximação pretendiam.
Em vez disso, a tripulação demonstrou falta de consciência situacional ao ativar os modos localizador e rampa de planeio, antes de garantir que havia milhas de trajetória suficientes para descer com segurança. Posteriormente, o modo localizador foi ativado e o padrão de espera programado foi cancelado, deixando a aeronave quase duas vezes mais alta do que deveria. Isso deveria ter levado a tripulação a concluir que uma aproximação direta não poderia ser concluída com segurança e que precisariam circular até atingirem a altitude adequada. Mas, em vez disso, em um grave erro de julgamento, o Capitão Sajjad Gul decidiu que eles poderiam continuar a aproximação.
A asa direita da A320 está parcialmente invertida contra um edifício (AP)
À medida que a aproximação progredia, a tripulação foi forçada a usar atitudes de passo, velocidades e razões de descida altamente anormais para a sua fase de voo, a fim de atingir a trajetória desejada. Apesar disso, não houve discussão sobre esses desvios e nenhum dos membros da tripulação articulou qualquer tipo de plano de como a manobra seria realizada. A velocidade máxima com os flaps estendidos foi repetidamente excedida e os avisos de excesso de velocidade foram ignorados.
A tripulação de voo não se comunicou sobre o que estava fazendo, nem verbalizou nenhum dos itens de chamada necessários, como alterações de configuração, alterações no modo de voo e assim por diante. Nem mesmo está claro quem estava por trás da descida extraordinariamente rápida. Embora o Primeiro Oficial Azam fosse nominalmente o piloto de voo, os papéis dos pilotos de voo e de monitoramento foram definidos de forma imprecisa e ambos os pilotos podiam ser ouvidos no rádio em vários momentos. Nenhum esforço foi feito para delinear claramente quem era responsável por quê.
Essa atmosfera improvisada na cabine provavelmente preparou o terreno para o erro crucial — a retração do trem de pouso. Normalmente, as alterações de configuração devem ser realizadas pelo piloto não-piloto, neste caso, o Capitão Gul, sob o comando do piloto em voo. No entanto, as evidências indicam que o Primeiro Oficial Azam retraiu o trem de pouso ele mesmo, mesmo sendo piloto em voo. Além disso, como discutido anteriormente, ele não anunciou a retração nem explicou suas intenções.
Suas ações seguiram imediatamente um aviso de proximidade do solo, mas o aviso não foi explicitamente reconhecido por nenhum dos pilotos, nem ninguém sugeriu um curso de ação em resposta a ele. Portanto, embora Azam possa ter recolhido o trem de pouso porque queria cancelar a aproximação, não havia uma maneira óbvia de Gul saber disso. Na verdade, Gul queria continuar a aproximação, mesmo em violação direta de uma instrução ATC perfeitamente clara para orbitar.
A situação se agravou ainda mais à medida que a aeronave se aproximava da pista. O Capitão Gul assumiu o controle sem realizar uma transferência adequada ou esclarecer quais seriam as novas funções de Azam como piloto não-piloto. A desconexão não comandada do piloto automático não foi reconhecida e, por algum tempo, ninguém parecia estar pilotando o avião. Ninguém jamais solicitou a lista de verificação de pouso, o passo mais básico para se preparar para o pouso, nem Gul jamais perguntou se o avião estava configurado corretamente.
De forma ainda mais inexplicável, Azam nunca avisou Gul que havia recolhido o trem de pouso, embora presumivelmente soubesse que estava na posição "UP" (para cima), tendo-o colocado lá ele mesmo! Talvez ele pensasse que Gul perceberia que a aproximação era insegura e daria a volta, mas, se foi o caso, nunca mencionou isso. E, além disso, Gul não poderia estar alheio ao fato de estar fazendo algo perigoso — ao contrário, tudo indica que a segurança era simplesmente irrelevante para seu processo de pensamento.
Equipes de resgate vasculham os destroços, possivelmente em busca de restos mortais (AP)
Quanto ao motivo pelo qual o próprio Gul não percebeu que o trem de pouso estava recolhido, há uma série de razões possíveis. Provavelmente, ele estava concentrado em manobrar a aeronave para o pouso, com a visão de túnel se infiltrando à medida que se aproximava do alvo. Descer a aeronave de uma posição tão incomum exigiria intensa concentração e é improvável que ele estivesse se dando ao trabalho de realizar uma varredura de instrumentos. Isso também pode ter sido o motivo pelo qual ele não percebeu o aparecimento dos avisos do trem de pouso no visor do ECAM.
O fato de o aviso sonoro de "TOO LOW GEAR" ter sido suprimido por anúncios simultâneos de "TOO LOW TERRAIN" foi lamentável e um possível fator contribuinte, mas a hierarquia dos avisos do GPWS nunca teria se tornado um problema se a aproximação tivesse sido conduzida de maneira sensata.
De qualquer forma, quando o avião cruzou a cabeceira da pista, ninguém havia verificado que eles estavam prontos para pousar e eles não estavam a caminho de pousar dentro da zona de toque. Devido à descida íngreme, eles estavam muito acima da velocidade normal de pouso e, com o toque ocorrendo a 4.500 pés de profundidade da pista, a possibilidade de uma ultrapassagem da pista era real mesmo se o trem de pouso estivesse abaixado.
De fato, um estudo da Airbus descobriu que o avião poderia ter parado na pista se o trem de pouso estivesse abaixado e a frenagem manual máxima e o empuxo reverso tivessem sido aplicados. No entanto, isso implica que, se qualquer coisa abaixo da frenagem máxima tivesse sido usada, o avião poderia muito bem ter saído da pista, com resultados incertos. O risco de uma ultrapassagem da pista nessa situação deveria ter sido aparente para qualquer piloto suficientemente experiente, mas Gul insistiu em pousar a aeronave de qualquer maneira. Sua tentativa de acionar os reversores de empuxo enquanto o avião ainda estava no ar ressalta a urgência com que ele acreditava que precisava parar e indica que ele pode realmente estar ciente do perigo.
O que é menos claro é se Gul entendeu, enquanto deslizavam pela pista, que o trem de pouso não estava baixado. Em nenhum momento do voo, desde o pouso em diante, ele fez qualquer comentário que sugerisse que estava ciente do que aconteceu. De fato, enquanto o avião deslizava, ele tentou aplicar os freios das rodas como faria durante um pouso normal, e só os soltou quando o avião decolou da pista. O primeiro oficial Azam, por outro lado, percebeu que algo estava errado quase imediatamente, já que o gravador de dados de voo o capturou puxando o manche lateral para trás a fim de subir quase desde o momento do toque.
No entanto, ele nunca explicou suas preocupações a Gul, apenas gritando "decole!".Na verdade, enquanto o avião deslizava, ele tentou aplicar os freios das rodas como faria durante um pouso normal, e só os soltou quando o avião decolou da pista.O Primeiro Oficial Azam, por outro lado, percebeu que algo estava errado quase imediatamente, já que o gravador de dados de voo o registrou puxando o manche lateral para trás a fim de subir quase no momento do toque. No entanto, ele nunca explicou suas preocupações a Gul, limitando-se a gritar "decole!".
Vários itens reconhecíveis podem ser vistos em meio aos destroços emaranhados, incluindo um motor, um carro e bagagem de passageiros derretida (AFP)
A decisão de decolar após deslizar pela pista por 18 segundos foi imprudente e pode ter selado seu destino. Os procedimentos operacionais padrão proíbem a aproximação após o empuxo reverso ser selecionado, o que já havia ocorrido, mesmo que os reversores não tenham sido acionados. Além disso, é claramente imprudente decolar com um alerta de incêndio no motor ativo. Por outro lado, no entanto, alguns cálculos básicos sugerem que eles podem ter sido condenados assim que pousaram, independentemente de terem se comprometido com o pouso de barriga ou não.
O relatório final afirma que, quando Azam ordenou a aproximação após 14 segundos no solo, eles haviam desacelerado apenas de 195 nós para 160 nós, o que ainda estava bem acima da velocidade normal de pouso. Nesse momento, eles estavam deslizando por cerca de 3.200 pés, com alguma parte do avião em contato com o solo por mais de dois terços dessa distância. Considerando tudo, essa desaceleração foi bastante insignificante, porque, como se vê, deslizar não é tão eficiente quanto frear.
Além disso, os spoilers não eram acionados automaticamente, e não podiam ser acionados, porque não havia peso sobre as rodas. Normalmente, os spoilers do A320 são acionados automaticamente no pouso para "estragar" a sustentação das asas e forçar o peso do avião para baixo sobre o trem de pouso, aumentando a eficácia dos freios. Mas com o trem de pouso recolhido, os spoilers não conseguiam ser acionados e, com uma velocidade tão alta, as asas teriam continuado a gerar sustentação, fazendo com que o avião deslizasse sobre a superfície da pista em vez de se acomodar totalmente sobre os motores.
Quando o voo 8303 decolou, restavam apenas 767 metros até o final da pista de 3.375 metros, além de uma área de ultrapassagem pavimentada de 304 metros. Tendo desacelerado apenas 35 nós nos primeiros 975 metros, parece improvável que pudessem ter perdido os outros 160 nós nos 1067 metros restantes sem meios de frenagem disponíveis. O avião provavelmente teria continuado além do final da superfície pavimentada. Se permanecesse em movimento por mais de 180 metros depois disso, teria atingido uma estrada de quatro pistas, seguida 30 metros adiante por um grande canal de irrigação. Possíveis resultados após esse ponto são puramente especulativos, mas provavelmente ruins.
Bombeiros se reúnem na rua bastante danificada (AFP)
Devido à natureza complexa dos danos sofridos durante o pouso de barriga, os investigadores não conseguiram determinar se o avião poderia ter pousado com segurança após a arremetida. Embora os pilotos, sem dúvida, tenham piorado a situação ao reduzir a potência do motor errado após a perda de empuxo no nº 1, a importância desse erro para o resultado era incerta.
Em teoria, se o motor direito não tivesse sido deixado em marcha lenta por um minuto inteiro após a falha do motor esquerdo, eles poderiam ter empuxo suficiente para deixar a vizinhança da Colônia Modelo e alcançar a pista. Mas, por outro lado, não havia garantia de que aumentar a potência do motor direito mais cedo não teria causado sua falha mais cedo também, resultando no mesmo resultado.
Uma questão interessante não discutida no relatório final foi se a tripulação poderia ter previsto que não alcançaria a pista, forçando-os a selecionar um local de pouso que teria atenuado as consequências do acidente. Não se pode deixar de notar que o local real do acidente na Colônia Modelo estava a apenas um passo de um terreno relativamente aberto à direita da trajetória de voo, incluindo uma ampla avenida e um campo.
Se os pilotos tivessem se endireitado alguns segundos antes, em vez de tentar completar a curva de base para a pista, o avião poderia ter impactado neste campo em vez de atingir edifícios. Mas nunca saberemos com certeza se tal oportunidade existiu. E mesmo que existisse, a situação enfrentada pela tripulação era tão avassaladora que o ponto de impacto provavelmente estava bem no final da lista de considerações imediatas.
Parte da ala esquerda estava embutida em um apartamento no terceiro andar (AAIB Paquistão)
Outra questão que surgiu desde o acidente foi se os controladores poderiam ter feito mais para evitar o desastre. Mais notavelmente, o controlador de aproximação optou por não redobrar a pressão após a tripulação ignorar suas instruções para orbitar, e, de fato, emitiu uma autorização de pouso logo depois. O relatório do acidente não continha comentários sobre a adequação da decisão, mas um controlador de tráfego aéreo a quem pedi comentários chegou à conclusão de que, em última análise, era uma questão de julgamento — se a tripulação parecesse insistente em pousar e não houvesse tráfego conflitante, a maioria dos controladores hesitaria em anulá-la.
Estranhamente, o relatório oficial do acidente se concentrou mais na falha do controlador de aproximação em informar a tripulação de que eles haviam pousado com o trem de pouso recolhido. O AAIB chegou a listar essa omissão como um fator contribuinte para o acidente. No entanto, embora fosse verdade que o controlador de aproximação prometeu repassar a observação da Torre, e que ele nunca o fez, essa promessa só foi feita depois que o avião já estava de volta ao ar. Não há evidências de que a tripulação teria feito, ou mesmo poderia ter feito, algo diferente com essa informação naquele ponto do voo. De fato, dado que o AAIB optou por não especular sobre resultados alternativos após a arremetida, eu diria que a elevação desse ponto a um fator contribuinte foi inadequada.
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A asa direita era provavelmente a maior parte intacta do avião (EPA)
Considerando tudo isso, embora as ações do controle de tráfego aéreo possam ou não ter deixado a desejar, o desempenho da tripulação só poderia ser descrito como caótico. Eles não fizeram quase nenhuma das chamadas obrigatórias, não realizaram nenhuma lista de verificação, ignoraram procedimentos padrão, desconsideraram intencionalmente as instruções do ATC, acionaram e ignoraram quase todos os alertas de nível superior possíveis e, em geral, operaram a aeronave de maneira imprudente e insegura, sem consideração pela vida humana. Não seria exagero descrever seu comportamento como uma das piores demonstrações de pilotagem já registradas em um grande avião comercial. Então, quem eram esses homens? Por que agiriam dessa maneira?
Começando com o Capitão Gul, seus registros revelaram uma série de detalhes preocupantes. Os investigadores descobriram que, antes de sua transição para o A320, ele foi considerado para uma posição de supervisão no turboélice ATR-42/72, mas foi rejeitado devido à "falta de conhecimento técnico e consciência geral".
Mas a verdadeira bomba estava em suas avaliações psicológicas, que foram revisadas por um psiquiatra independente após o acidente. Usando uma linguagem incomumente dura, o psiquiatra escreveu: "Ele era de natureza mandona, firme, dominante e autoritário. Ele tinha inteligência abaixo da média. Ele tendia a ter pouco respeito pela autoridade. Ele tinha baixa compreensão mecânica com baixa compreensão das relações espaciais. Seu nível de tolerância ao estresse também era bastante inadequado".
A maioria dessas qualidades era facilmente aparente no voo 8303, desde sua tomada de decisão questionável, seu desrespeito à opinião dos outros, até sua insistência em pousar o avião de uma posição quase impossível.
O Primeiro Oficial Usman Azam não foi descrito com uma terminologia tão rebuscada, mas seus registros de treinamento revelaram que suas habilidades de pilotagem eram, na melhor das hipóteses, marginais. Durante sua verificação inicial no simulador do ATR em 2014, ele mal passou pelos segmentos sobre falhas de motor, procedimentos de emergência e execução de procedimentos, obtendo a nota mínima possível: "satisfatório com briefing".
Na prática, isso significa que seu desempenho foi um pouco abaixo do satisfatório, mas o instrutor estava confiante o suficiente para aprovar a aprovação após discutir os erros com o piloto. Um grande número de itens classificados como "satisfatório com briefing" pode ser um sinal de que um piloto está com dificuldades e precisa de treinamento adicional. Mas Azam claramente não recebeu nenhum, porque em sua verificação inicial, meses depois, o número de itens classificados como "satisfatório com briefing" havia aumentado para cinco. Isso resultou em sua colocação sob observação por um inspetor da Autoridade de Aviação Civil do Paquistão, cujas descobertas atrasaram sua promoção a Primeiro Oficial no A320.
Uma confusão caótica de destroços da parte do nariz foi a única parte do avião que não pegou fogo (Reuters)
Considerando o exposto, a combinação de um comandante excessivamente confiante com um primeiro oficial em dificuldades provavelmente não melhorou a dinâmica da cabine. Mas estava longe de explicar por que o voo deu tão errado.
Uma resposta tentadora foi que o comportamento da tripulação poderia ter sido resultado de intoxicação alcoólica. No Paquistão, os testes de bafômetro são obrigatórios para pilotos antes de cada voo, mas nem Gul nem Azam foram testados antes do voo 8303, em violação aos regulamentos. Contudo, quando os investigadores receberam os resultados dos testes toxicológicos da tripulação, eles mostraram conclusivamente que nenhum dos pilotos havia ingerido álcool ou drogas antes do acidente, e a possibilidade foi descartada.
Em vez disso, os investigadores levantaram uma questão intrigante e nova: a abstenção de alimentos e bebidas pela tripulação em observância do Ramadã poderia ter induzido um comprometimento semelhante?
Para descobrir isso, os pesquisadores conduziram dois estudos: um para medir o desempenho de pilotos desidratados em comparação com um grupo de controle; e um segundo estudo para medir o desempenho de pilotos com baixo nível de açúcar no sangue devido ao jejum, em comparação com pilotos sob efeito de álcool, pilotos afetados por ruído excessivo e um grupo de controle.
Os resultados dos estudos mostraram, em primeiro lugar, que a desidratação resultou em um aumento significativo no número de desvios no desempenho do voo; e, segundo, que o impacto do baixo nível de açúcar no sangue no desempenho do voo foi maior do que o do ruído excessivo e comparável à intoxicação por álcool.
Essas descobertas talvez não tenham sido surpreendentes para quem já tentou operar máquinas pesadas com fome, mas, até onde sei, esta foi a primeira vez que um órgão de investigação de acidentes aéreos estudou os efeitos do jejum no desempenho do piloto em relação a um acidente de aeronave. Os resultados confirmam amplamente a validade das regras existentes em relação à nutrição dos pilotos.
Na União Europeia, por exemplo, as companhias aéreas são obrigadas a "definir os horários em que uma refeição regular deve ser consumida para não alterar as necessidades nutricionais humanas sem afetar os ritmos corporais dos tripulantes". Os regulamentos paquistaneses não tinham esse nível de especificidade, mas a PIA tinha uma regra em vigor afirmando que "a tripulação de voo deve fazer refeições regulares em serviço". Notavelmente, embora essa regra proibisse tecnicamente qualquer forma de jejum, ela não mencionava especificamente o que os pilotos deveriam fazer durante o mês do Ramadã. Como resultado, muitos pilotos pareciam acreditar que a observância do Ramadã era permitida.
No final, o AAIB concluiu que ainda não havia base científica que lhe permitisse afirmar com razoável certeza que a desidratação e a baixa glicemia levaram os pilotos a agirem daquela forma. Por esse motivo, embora tenham recomendado reformas nessa área, não chegaram a concluir que a tripulação despencou o avião por estarem "famintos".
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Um morador local tira uma foto da ala direita destruída (AFP)
Dito isso, o simples reconhecimento das falhas pessoais e das pressões fisiológicas dos pilotos não é uma resposta nem o fim da história. Nenhum piloto se rebaixa a tais níveis simplesmente porque estava com fome ou porque acordou com o pé esquerdo. Pelo contrário, tal desrespeito às regras do ar só pode surgir em condições de grave deterioração institucional e cultural.
O AAIB tentou abordar essa questão com uma análise aprofundada da garantia de qualidade da PIA, ou melhor, da sua falta. A forma como as companhias aéreas normalmente detectam comportamentos imprudentes das tripulações de voo é por meio de um sistema conhecido em muitos países como Garantia de Qualidade das Operações de Voo, ou FOQA. Um programa FOQA é projetado para recuperar dados do maior número possível de voos, a fim de analisá-los em busca de excedências em parâmetros específicos que possam indicar padrões de comportamento indesejáveis entre as tripulações de voo da empresa, como aproximações íngremes ou pousos longos. As áreas problemáticas podem então ser identificadas e o treinamento pode ser redirecionado.
Embora a PIA tivesse um programa do tipo FOQA no papel, os investigadores descobriram que menos de 5% de todos os voos estavam realmente sendo analisados, resultando em um tamanho de amostra muito pequeno para ser útil. Dos 289 voos realizados pelo Capitão Gul no ano anterior ao acidente, eles descobriram que apenas 6 haviam sido submetidos à análise, embora os dados de todos os voos estivessem disponíveis.
Quando a AAIB revisou esses dados, eles descobriram vários indicadores de alta velocidade, alto ângulo de planeio, alta razão de descida, longa distância de flare e avisos de GPWS — todos os mesmos indicadores que estavam presentes no voo 8303. De fato, Gul frequentemente voava em aproximações instáveis, e nenhuma vez ele iniciou uma arremetida. Provavelmente não deveria ser surpresa que o voo 8303 não tenha sido a primeira vez que Gul tentou uma aproximação tão imprudente, mas o fato de a PIA não ter detectado seu padrão de comportamento é decepcionante.
Um morador posa com um pedaço da asa esquerda do A320 (Reuters)
A ausência de fiscalização e feedback é um fator que pode contribuir para uma cultura empresarial tolerante a comportamentos imprudentes. Mas está longe de ser o único, e para entender o panorama geral, precisamos ir além do relatório do acidente da AAIB, começando por um dos aspectos mais conhecidos do desastre do voo 8303: o escândalo da licença de piloto. Se você começou a ler este artigo para saber mais sobre o escândalo, parabéns por ter perseverado página após página sem que eu o mencionasse. Sua satisfação chegará em breve.
Resumindo, em 2018, investigadores que estudavam um acidente não fatal no Paquistão notaram que a data registrada do exame de licenciamento do piloto era um feriado, quando não havia exames. Ao tentar descobrir onde esse piloto obteve sua licença claramente fraudulenta, a investigação supostamente caiu em uma armadilha, levando à descoberta de que cerca de um terço dos pilotos paquistaneses possuíam licenças potencialmente suspeitas. Reportagens da mídia sobre essa investigação surgiram logo após o acidente da PIA, atraindo atenção mundial.
No entanto, os detalhes dessa investigação nunca foram divulgados publicamente, e várias autoridades deram relatos bastante divergentes sobre suas conclusões. A maioria dos relatórios concorda que a investigação descobriu uma prática generalizada de candidatos a piloto pagarem outros para fazerem os exames em seu lugar (um problema infelizmente não restrito às academias de aviação).
Quanto aos números brutos, um relatório inicial afirmava que, dos 860 pilotos de linha aérea ativos no Paquistão, 260 estavam sob suspeita por vários motivos, incluindo 150 na PIA, principalmente devido à fraude em exames. Relatórios posteriores reduziram esse número significativamente, e fontes mais recentes sugerem que apenas 48 pilotos tiveram suas licenças suspensas e que apenas 7 pilotos da PIA perderam seus empregos.
Outra fonte afirma que 28 pilotos eram suspeitos de terem falsificado completamente seus supostos diplomas universitários, mas outra fonte estimou esse número em apenas quatro. O ministro da aviação também registrou que 34 pilotos não realizaram nenhum dos oito exames, mas esse número não aparece em nenhum outro lugar. No final, tudo o que podemos realmente dizer é que alguns pilotos paquistaneses provavelmente trapacearam em seus exames de licenciamento, mas nenhuma autoridade conseguiu esclarecer o assunto além disso. Na ausência de tais informações verificáveis, muitos observadores casuais tiveram a impressão equivocada de que as licenças de alguns pilotos paquistaneses não foram apenas obtidas de forma fraudulenta, mas totalmente falsas, pois eles não haviam sido treinados para pilotar aeronaves de passageiros. Desnecessário dizer que esse não foi realmente o caso.
A maioria dos relatórios concorda que o inquérito descobriu uma prática generalizada de candidatos a piloto pagarem a outros para fazerem os exames no seu lugar(um problema infelizmente não restrito às academias de aviação). Quanto aos números brutos, um relatório inicial afirmou que, dos 860 pilotos de linha aérea ativos no Paquistão, 260 estavam sob suspeita por vários motivos, incluindo 150 na PIA, principalmente devido a trapaças em exames. Relatórios posteriores reduziram esse número significativamente, e fontes mais recentes sugerem que apenas 48 pilotos tiveram suas licenças suspensas e que apenas 7 pilotos da PIA perderam seus empregos.
Outra fonte diz que 28 pilotos eram suspeitos de terem falsificado completamente seus supostos diplomas universitários, mas outra fonte estimou esse número em apenas quatro. O ministro da aviação também registrou que 34 pilotos não fizeram nenhum de seus oito exames, mas esse número não aparece em nenhum outro lugar.
No final, tudo o que podemos realmente dizer é que alguns pilotos paquistaneses provavelmente trapacearam em seus exames de licenciamento, mas nenhuma autoridade conseguiu esclarecer o assunto além disso. Na ausência de tais informações verificáveis, muitos observadores casuais tiveram a impressão equivocada de que algumas licenças de pilotos paquistaneses não só foram obtidas de forma fraudulenta, como também completamente falsas, visto que não haviam sido treinados para pilotar aeronaves de passageiros. É desnecessário dizer que esse não foi o caso.
Brinquedos infantis, retirados dos escombros, trazem à tona o custo humano da tragédia. O número de mortos inclui 10 crianças (Arab News)
Embora a eclosão do escândalo de licenciamento logo após a queda do voo 8303 tenha levado alguns a estabelecer conexões entre os dois, na verdade não havia uma relação direta. O AAIB constatou que ambos os pilotos acidentados obtiveram suas licenças legitimamente e concluíram todos os cursos de treinamento e exames. Ainda assim, pode-se afirmar que o acidente e o escândalo estão indiretamente relacionados, visto que ambos surgem de uma causa comum. Considere o fato de que Sajjad Gul, que ignorou procedimentos e frequentemente voou o A320 de maneira perigosa, não tinha nenhuma falha aparente em seu histórico de treinamento que remontava ao final da década de 1980.
Devemos acreditar que ele nunca cometeu um erro grave o suficiente para constar nesse histórico? Vale a pena mencionar que, quando Gul se inscreveu para o treinamento de voo na PIA, foi declarado inapto pelo painel de psiquiatras da PIA, apenas para o painel ser anulado por um ombudsman federal por um tecnicismo? Tudo indica que Gul era um piloto que deveria ter sido dispensado do treinamento ou forçado a se aliar. E, no entanto...
Em seu nível mais profundo, o problema é que a PIA, como organização, é 40% uma companhia aérea e 60% um sistema de clientelismo político. A companhia aérea é considerada uma das mais superlotadas do mundo, o que é facilmente verificável usando números que podem ser encontrados com uma busca de cinco minutos no Google. De fato, apesar de ter uma frota de apenas 31 aeronaves — menos do que qualquer outra companhia aérea norte-americana notável — a PIA emprega mais de 14.500 pessoas.
Como um ponto de comparação selecionado aleatoriamente, a companhia aérea islandesa Icelandair tem 47 aviões, mas apenas 3.000 funcionários. Para reiterar, isso é 50% mais aviões do que a PIA, com um quinto da equipe. Apesar disso, a PIA está cada vez mais lutando para fornecer qualquer serviço, com cancelamentos frequentes de voos e encerramento da maioria das rotas internacionais. Em setembro de 2023, foi relatado que apenas 17 das aeronaves da PIA estavam realmente operacionais. Também no outono daquele ano, uma grave má gestão de fundos levou ao congelamento das contas bancárias da PIA, deixando a companhia aérea incapaz de pagar pelo combustível.
Esta crise existe em parte porque a PIA é administrada por uma camarilha de ex-oficiais militares poderosos que distribuem cargos na companhia aérea estatal para amigos e clientes, enquanto facilitam sua passagem por quaisquer freios e contrapesos que possam tecnicamente existir. Não está claro o que todos esses funcionários extras realmente fazem — certamente eles não estão analisando dados de gravadores de voo. Mas o que está claro é que a PIA está sendo usada como uma escada para indivíduos oportunistas pagarem para entrar na estrutura de poder político do Paquistão, e a segurança de voo é secundária. Essa cultura cínica e transacional fornece o terreno fértil perfeito para indivíduos inescrupulosos que colam em exames e ignoram as normas de segurança com quase impunidade.
O corpo de uma vítima é removido dos destroços (AFP)
Como resultado dos problemas de garantia de qualidade da PIA e do escândalo de licenciamento de pilotos, a Agência Europeia para a Segurança da Aviação suspendeu o direito da PIA de voar para a Europa por seis meses, a partir de junho de 2020. Os Estados Unidos seguiram o exemplo semanas depois. Essas suspensões foram posteriormente prorrogadas por tempo indeterminado devido à insuficiência de progresso e, até o momento desta publicação, ainda estão em vigor.* A Administração Federal de Aviação dos EUA também rebaixou a classificação geral de segurança aérea do Paquistão, considerando a incapacidade da CAA paquistanesa de aplicar suas próprias regras e regulamentos.
*Em dezembro de 2024, a União Europeia suspendeu suas restrições; os EUA não.
Após o desastre, algumas pequenas mudanças ocorreram. Por exemplo, a PIA expandiu significativamente seu sistema FOQA, embora sua eficácia ainda não tenha sido testada. A CAA do Paquistão também introduziu uma nova regra recomendando que os médicos legistas observem os pilotos bebendo água ou suco durante os exames médicos pré-voo no mês do Ramadã, a fim de verificar se eles não estão em jejum. A PIA adotou essa regra e agora a aplica (supostamente).
Mas o que permaneceu inalterado foi a cultura organizacional dentro da PIA, que permitiu que a segurança fosse deixada de lado em primeiro lugar. Até o momento em que este texto foi escrito, a PIA ainda é administrada por oficiais militares poderosos, o sistema de clientelismo ainda está em vigor e a corrupção está mais desenfreada do que nunca, enquanto as instituições do Paquistão continuam a se desintegrar diante de forças sociais concorrentes, comprometendo a capacidade da CAA de atuar como um freio aos piores impulsos das companhias aéreas. Em fevereiro de 2024, um plano foi finalizado para vender a companhia aérea como parte de um esforço para garantir um resgate do FMI, mas não está claro se isso resultará em melhorias.
Uma vítima do acidente é sepultada com uma procissão militar (AFP)
O fato é que, desde 2010, ocorreram quatro grandes acidentes aéreos fatais no Paquistão, e até o momento há poucos motivos para acreditar que esse padrão se interromperá com o voo 8303. Se há um ponto positivo, pode ser o sobrevivente do acidente, Zafar Masud, que anunciou sua intenção de criar uma organização sem fins lucrativos, em grande parte autofinanciada, para defender a segurança dos transportes no Paquistão. Mas, embora Masud possa ter encontrado sua nova vocação na vida, sua batalha será árdua contra forças humanas e entrópicas.
E quanto ao povo do Paquistão, que por tanto tempo foi prejudicado por suas próprias instituições, um caminho difícil e tortuoso, sem dúvida, o aguarda antes que a companhia aérea que ostenta sua bandeira possa reconquistar a confiança ferida do público.um caminho difícil e sinuoso sem dúvida aguarda antes que a companhia aérea que carrega sua bandeira possa reconquistar a confiança ferida do público.