Mais de 250 mil adolescentes serviram o Exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial.
A participação deles no conflito veio de uma mistura de fervor patriótico, espírito de aventura, vontade de fugir de condições sociais degradantes e recrutadores que faziam vista grossa ao alistar jovens nas fileiras das Forças Armadas.
Quando o conflito estourou, em 1914, nada indicava que uma legião de dezenas de milhares de meninos fosse se apresentar como voluntários para lutar. Ao pegar em armas, eles conheceram a verdadeira natureza do medo, e tiveram testados a coragem e todos os seus limites físicos e emocionais.
A única coisa que tinham em comum era a rapidez com que eram arrastados para um cenário de massacre e mortes. Alguns descobriram que matar era fácil, outros recuaram ao presenciar cenas de derramamento de sangue.
O jovem Cyril Jose (foto acima) foi um desses jovens soldados. Filho de um mineiro de estanho de Cornwall, ele se alistou quando tinha 15 anos de idade – movido por um senso de aventura e com a esperança de fugir da forte onda de desemprego que atingia a região.
Do campo de treinamento, Cyril escreveu uma carta à sua irmã:
"Minha cara Ivy. Eu ganhei meu primeiro fuzil e minha baioneta. A baioneta tem 60 centímetros do punho ao topo da lâmina. Devo me sentir um pouco estranho correndo com eles em direção a alguém em uma carga. Até logo e que Deus te proteja. De seu irmão, Cyril".
O jovem sobreviveu à guerra, mas o massacre que testemunhou na França o transformou em um opositor veemente do militarismo pelo resto de sua vida.
Recrutamento
Tecnicamente, os jovens tinham que ter no mínimo 19 anos para entrar nas Forças Armadas. Mas, ao mesmo tempo, a lei não impedia que meninos entre 14 e 18 anos fossem recrutados.
Os adolescentes voluntários respondiam a uma demanda desesperada por tropas e os sargentos recrutadores frequentemente eram inescrupulosos.
"Era óbvio que eles não tinham 19 anos", afirmou o historiador Richard Van Emden. "Você tem uma fila de homens dobrando a esquina, você recebe uma recompensa por cada homem alistado (o equivalente hoje a cerca de R$ 24), então você realmente vai argumentar com um jovem que está louco para servir e parece estar em boas condições? Vamos aceitá-lo".
Além disso, no começo do século 20, muitas pessoas não tinham certidões de nascimento. Por causa disso, mentir sobre a idade era relativamente fácil.
Era necessário apenas ter no mínimo 1,6 m de altura e largura do tórax de ao menos 0,86 m. Quem tivesse essas medidas dificilmente seria dispensado.
Os adolescentes também tinham medo de serem taxados de covardes e normalmente cediam à pressão da sociedade.
E o impulso patriótico não se restringia aos garotos britânicos. Para os filhos de imigrantes, portar a bandeira nacional era visto como um sinal de lealdade ao novo país.
Aby Bevistein (foto acima) nasceu na Polônia ocupada pela Rússia em 1898 e foi levado para Londres quando tinha três anos de idade. Em setembro de 1914 ele se voluntariou e adotou o sobrenome inglês Harris.
Trincheiras
Logo que desembarcou na França ele descobriu a verdadeira natureza da guerra de trincheiras. Ele escreveu:
"Querida mãe, eu estive nas trincheiras quatro vezes e saí em segurança. Nós descemos às trincheiras por seis dias e depois recebemos seis dias de descanso. Querida mãe, eu não gosto das trincheiras. Nós vamos descer a elas novamente nesta semana".
Para Aby e para muitos como ele, as trincheiras significavam frio, lama, roupas molhadas, ratos, cheiro de morte, carne mutilada – e longas e monótonas horas entrecortadas por episódios de terror.
Em dezembro de 1915 Aby foi ferido na explosão de uma mina alemã. O inimigo havia invadido a trincheira em que ele estava por um túnel. No episódio, ele sofreu um choque – quadro psicológico hoje chamado de estresse pós traumático.
Em 12 de fevereiro de 1916, no front, a trincheira de Aby foi atacada novamente pelos alemães, dessa vez com granadas. Sofrendo com o choque, ele abandonou a linha de frente e ficou vagando pela retaguarda britânica. Acabou então sendo preso por deserção.
Sua última carta para casa era a de um menino que tentava não deixar a mãe preocupada:
"Querida mãe, eu estava nas trincheiras e fiquei tão doente que saí e então me levaram para a prisão, e agora estou com alguns problemas".
No mês seguinte, com 17 anos de idade, Aby foi um dos 306 britânicos executados pelo seu próprio Exército durante a Grande Guerra.
Senso de dever
Aqueles que sobreviveram às trincheiras carregaram memórias brutais pelo resto de suas vidas. Um deles foi o tenente St John Battersy (foto acima), que aos 16 anos foi ferido em batalha.
Três meses depois ele estava de volta à frente de batalha na França liderando soldados em combate novamente. Ele teve a chance de voltar para casa, pois na época o governo começava a tirar os mais jovens das frentes de luta.
Mas uma falta de oficiais com experiência lhe permitiu ficar onde queria, no campo de batalha. Logo em seguida foi atingido pela artilharia alemã e perdeu a perna esquerda. Determinado a continuar participando do esforço de guerra, ele recebeu um cargo administrativo na Grã-Bretanha.
Mas anos mais tarde, após anos na vida civil, suas memórias de guerra retornaram. Seu filho Anthony diz se lembrar das últimas horas de vida do pai.
"Uma ou duas horas antes de morrer, ele estava na frente ocidental, gritando: 'os alemães estão vindo, vamos para o topo (da trincheira) agora'".
Aquele homem enfrentando a morte era novamente aquele menino que a trapaceou tantas vezes.
Fonte: Fergal Keane (BBC) - Imagens: Reprodução