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Na noite de terça-feira, 31 de outubro de 2000, as condições meteorológicas no aeroporto Chiang Kai Shek em Taipei, Taiwan (Formosa) eram típicas do período de Monções, quando chove torrencialmente no sudeste asiático. Na verdade, o tufão Xangsane aproxima-se da ilha de Taiwan vindo ao mar da China, deixando as condições cada vez piores: ventos em fortíssimas rajadas e chuvas torrenciais eram enfrentadas pelas aeronaves que operavam em Taiwan naquela noite.
O Boeing 747 envolvido no acidente - Foto: Michel Gilliand
Terça-feira é um dos dias de menor movimento na aviação comercial. Isso seria um fator atenuante para uma tragédia que começava a se desenhar. O protagonista era o Boeing 747-412 de prefixo 9V-SPK, orgulho máximo da frota da Singapore Airlines. (Adornado com um maravilhoso esquema promocional de pintura, o 9V-SPK era um dos dois únicos Boeing 747-400 da frota escolhidos para promover um novo padrão de serviço de bordo, nas três classes, que a empresa lançara meses antes. Vale lembrar que esta que é, talvez, a melhor companhia aérea do mundo. Entre outras razões, porque até aquela data, a Singapore era também uma das mais seguras companhias aéreas do planeta: até 31 de outubro de 2000, a Singapore Airlines nunca havia sofrido um acidente fatal.
Nada levaria a crer, nem mesmo as miseráveis condições de tempo reinantes em Taipei, que esse invejável recorde seria desafiado naquela noite de tempestade. Afinal, embora as condições fossem bastante adversas, muitas outras aeronaves partiam e chegavam, em segurança, ao aeroporto Chiang Kai Shek.
O desastre com o Voo 006 da Singapore Airlines
O voo 006 havia partido de Cingapura com destino à Los Angeles via Taipei. O horário publicado de sua partida em Taipei era 22h55. O 747 deixou o portão B-5 e iniciou seu táxi pela pista de taxi NP, paralela às pistas 05R e 05L. Ao chegar ao final da taxiway NP, o 747 ingressou na taxiway N1 e deveria ter prosseguido nela até a pista 05L (esquerda). Ao invés disso, o Boeing virou à direita numa curva de180º, imediatamente adentrando na pista 05R (direita). Agora você vai entrar dentro da cabine do 747 e ver as consequências desse trágico engano.
Cap - Comandante (assento da esquerda)
F/O - Primeiro oficial (assento da direita)
RDO - Comunicação de rádio do primeiro oficial aos controles (solo e torre)
F/O-PA- Comunicação interna do Primeiro oficial aos passageiros e tripulantes
PNF - Piloto extra / Observador (Pilot Not Flying)
TWR - Frequência da Torre de Controle de Taipei
GND - Frequência de solo de Taipei
CAM - Sons gravados pelos microfones instalados na cabine de comando
23h08:27 - Cap: Hong Kong está fechado. É por isso que não aceitam ninguém.
23h08:29 - F/O: Ah, entendo.
23h08:30 - Cap: Por isso muita gente poderia ter alternado lá.
23h08:40 - F/O: Sim.
23h08:47 - Cap: O RVR da pista 05 esquerda já estava em 200 (metros) já checamos há pouco.
23h08:50 - PNF: RVR é, duzentos.
23h08:50 - Cap: Correto, duzentos metros, ah, ok.
23h08:55 - Cap: Ok homem, before takeoff checklist.
23h08:56 - F/O: Sim senhor.
23h08:58 - F/O: Before takeoff check: flaps.
23h09:02 - Cap: Vinte, verdes.
23h09:03 - F/O: Vinte, verdes.
23h09:06 - F/O: Controles de voo.
23h09:07 - Cap: Cheque.
23h09:07 - F/O: Cheque.
23h09:08 - F/O: EPR e velocidades.
23h09:09 - Cap: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.
23:09:15 - F/O: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.
23:09:22 - F/O: velocidades selecionadas.
23:09:24 - F/O: Navegação.
23:09:25 - Cap: Ok, ah, Taipei pista zero seis esquerda.
23:09:27 - F/O: Zero cinco esquerda.
23:09:29 - Cap: Zero cinco esquerda.
23:09:29 - PNF: Zero cinco esquerda.
23:09:31 - Cap: E nós temos a saída por instrumentos ANPU Três, transição Kikit.
23:09:38 - Cap: Parece que chegou a nossa vez.
23:09:40 - F/O: Os próximos somos nós.
23:09:41 - Cap: É, vire a direita aqui, até cruzar a oeste e... Vire à direita aqui.
23:09:46 - F/O: Pista em uso zero cinco esquerda, transição Kikit, inicialmente duzentos ah, para nivelar.
Transponder 2657, estaremos no nível 290 no fixo Bulan.
23:09:58 - Cap: Vai precisar de muito leme aqui, homem. O vento de través...
23:10:01 - PNF: Vento cruzado forte, hem?
23:10:02 - Cap: Muito.
23:10:03 - F/O: Transponder set, checks ok.
23:10:06 - Cap: Ok, obrigado.
23:10:14 - Cap: Todo mundo esperando para decolar, hem.
23:10:18 - Cap: Todo mundo e mais aquele chato ali.
23:10:21 - PNF: Quanto mais nos seguram, mais o pessoal parece querer atrasar.
23:10:23 - Cap: Pior ainda para quem decola. Olha, vou bem devagar aqui, que está muito escorregadio aí fora.
23:10:24 - F/O: Ok, nove nós. (de velocidade de taxiamento)
23:10:33 - PNF: Ok, até alinhar no vento.
23:10:35 - F/O: É muita umidade no ar.
23:10:41 - F/O: Virando a esquerda eu derrapo. Virando a direita eu também derrapo.
23:10:42 - PNF: O radar meteorológico deve estar todo vermelhinho.
O 747 prossegue taxiando em meio às rajadas de vento, que desestabilizam a aeronave. O tráfego é intenso e as condições, longe de serem ideais, provocam comentários que mostram mais do que simples cautela por parte dos pilotos da Singapore: mostram mesmo preocupação.
23h11:12 - Cap: Para a decolagem, é melhor usar o piloto automático, ok?
23h11:22 - Cap: É o tufão. Amanhã, o pessoal chagando aqui vai todo mundo sentir o terror.
23:11:28 - PNF: É, todo mundo, inclusive o Singapore 005.
23:11:49 - Cap: O cinco já partiu... me... melho... melhorou a visibilidade para 500 metros.
23h11:55 - PNF: Na cinco esquerda. ah, melhorou.
23:11:56 - Cap: É, o (controle de) solo disse que ia melhorar.
23:11:59 - PNF: Está 450 agora. (450 metros de visibilidade)
23:12:07 - Cap: Ok, até o final e curva à esquerda.
23:12:10 - F/O: Esquerda, ah.
23:12:10 - Cap: Sim.
23:12:17 - F/O: Frequência uno dois cinco uno para a saída.
23:12:22 - Cap: Ok, primeira à esquerda.
23:12:23 - F/O: Afirmativo, primeira à esquerda.
23:12:24 - Cap: Esquerda.
23:12:25 - F/O: Esquerda.
23:12:26 - PNF: O último QNH é uno zero zero uno.
23:12:58 - GND: Singapore 6 contate torre uno dois nove ponto três, tenha um bom dia.
23:13:02 - RDO: Uno dois nove ponto três, Singapore 6, um bom dia para você.
23:13:13 - F/O: Uno zero zero uno, uno dois nove ponto três e ah... ok.
23:13:28 - TWR: Singapore 6, boa noite, Torre Taipei, aguarde antes da pista zero cinco esquerda.
23:13:33 - RDO: Aguardará antes da pista zero cinco esquerda, Singapore 6.
23:13:38 - TWR: Singapore 6, para sua informação, vento de superfície 020 (direção) com 24 (intensidade), rajadas de 43 nós, confirme sua intenção.
23:13:44 - Cap: Rajadas de 43 nós, ah.
23:13:46 - RDO: Obrigado senhor, Singapore 6.
23:13:47 - Cap: Ok, ok, melhor menos, hem.
23:13:48 - PNF: Menos, menos fortes.
23:13:54 - Cap: Zero dois zero pela esquerda.
23:13:56 - PNF: Vinte e quatro com rajadas de 43.
Mapa da trilha do tufão Xangsane da temporada de tufões de 2000 no Pacífico
Imagem: Wikimedia Commons
23:14:05 - F/O: Zero dois zero.
23:14:08 - Cap: Ok este vai ser por aqui.
23:14:18 - Cap: Zero dois zero.
23:14:20 - PNF: Sim, pela esquerda.
23:14:21 - Cap: Vá à direita para o final da pista, à direita no final da pista e então vire, ok?
23:14:31 - PNF: Vai usar bastante aileron na decolagem.
23:14:35 - F/O: OK.
23:14:40 - F/O: Na próxima.
23:14:41 - F/O: A próxima é a (taxiway) November One.
23:14:42 - Cap: Ok, na segunda direita.
23:14:44 - F/O: Segunda à direita, é essa.
23:14:53 - Cap: O melhor é dizer segunda direita ah, segunda direita e primeira direita.
23:14:55 - F/O: Livrando aquela antena de Satvoice.
23:14:58 - Cap: Pode avisar que estamos prontos.
23:15:02 - RDO: Singapore 6 pronto.
23:15:04 - TWR: Singapore 6, pista zero cinco esquerda, taxi para a posição e aguarde.
23:15:08 - RDO: Taxi para a posição e aguarde, Singapore 6.
Nesse momento, o Boeing deixa a taxiway NP e ingressa na taxiway N1. No entanto, ao invés de executar uma curva de 90º e ingressar na N1, que deveria levar o 747 à cabeceira da pista 05L, o comandante do 747 executa uma curva de 180º e começa a alinhar na pista 05R (direita).
Diagrama, lado norte e pista 05 Aeroporto Internacional Chiang Kai-shek
Imagem: Wikimedia Commons
Nenhum dos dois tripulantes na cabine, nem o piloto observador nem o primeiro oficial, questionam a curva de 180º. A aeronave também não pode ser vista pela torre de controle, pois a visibilidade, de menos de 500m naquele momento, impedia que o Boeing fosse visto pelos controladores - e fosse salvo do que enfrentaria a seguir.
23:15:12 - F/O: Eu aviso a tripulação para sentar.
23:15:12 - Cap: Ok, pode avisar.
23:15:15 - F/O-PA: Tripulação de cabine aos seus lugares, prontos para decolagem.
23:15:22 - TWR: Singapore 6, pista 05 esquerda, vento 020 (direção) com 28 (intensidade), rajadas de 50 nós, livre decolagem.
23:15:37 - F/O: Packs. (desligamento do ar condicionado)
23:15:38 - Cap: Ok, normal, eh.
23:15:39 - F/O: Normal.
23:15:40 - F/O: Luzes estroboscópicas ligadas, luzes de pouso ligadas.
23:15:44 - F/O: Autorização de subida.
23:15:45 - Cap: Obtida.
23:15:46 - F/O: Obtida, senhor.
23:15:47 - Cap: OK, obrigado.
23:15:48 - F/O: Before takeoff checklist completado.
23:15:50 - F/O: OK, luzes verdes.
23:15:52 - Cap: Está muito escorregadio, vou devagar agora aqui, hem.
23:15:53 - F/O: Girando agora.
23:16:07 - F/O: E pelo PVD (Para-Visual Display - painel de visualização) ainda não alinhou.
23:16:10 - Cap: Temos que alinhar primeiro.
23:16:12 - PNF: Temos que girar 45 graus.
23:16:15 - F/O: Ah, sim, excelente, homem.
23:16:16 - Cap: Ok.
23:16:23 - Cap: Não tenho o PVD, eh. Ok, não está tão ruim assim, consigo ver a pista, não tão mal. Ok, vou ligar os limpadores (de para-brisa) ao máximo. Eh, prontos, Ok.
O microfone de cabine capta o som dos limpadores de para-brisa acionados na máxima velocidade. Preocupados com as difíceis condições de pilotagem, os três pilotos não verificam se estão alinhados na pista correta. Eles simplesmente acreditam que estão, mas não verificam sua posição.
23:16:27 - F/O: Ok.
23:16:31 - F/O: Pronto, senhor, zero dois zero é o vento, ok.
23:16:33 - Cap: Asa esquerda o aileron, aileron esquerdo no vento. Uh, OK, Cabine avisada?
23:16:37 - PNF: Cabine avisada, ok.
23:16:37 - Cap: Ok obrigado.
23:16:37 - F/O: Obrigado.
23:16:43 - PNF: Ok - potência TOGA (Take-Off / Go-Around, a máxima potência disponível).
23:16:43 - F/O: Potência TOGA, TOGA.
23:16:44 - Cap: Ok - Potência TOGA, TOGA.
23:16:44 - O microfone de cabine capta o som dos quatro motores acelerando ao máximo. O Boeing começa a correr na pista molhada de Taipei, sacudido por rajadas de ventos de quase 50 nós. A concentração necessária para manter o gigantesco Boeing alinhado com a pista é total. A visibilidade externa é de pouco mais de 450 metros e a chuva e os ventos estão cada vez mais fortes, com a iminente chegada do tufão.
23:16:54 - PNF: Segure (as manetes de potência na posição TOGA).
23:16:54 - F/O: Segurando.
23:16:54 - Cap: Ok.
23:16:55 - PNF: Oitenta nós.
23:16:55 - F/O: Oitenta nós.
23:16:56 - Cap: Ok, tenho o controle.
23:17:13 - F/O: V-1.
23:17:13 - PNF: V-1.
Nesse exato instante, o Boeing atinge a V-1 (Vee-One), ponto a partir do qual a decolagem deve prosseguir, mesmo em caso de perda de um ou mais motores. Até atingir a V-1, uma aeronave tem condições de parar com segurança na pista, caso surja alguma pane instantânea. Ao atingir e depois de ultrapassar a V-1, a aeronave tem de prosseguir na decolagem, mesmo que sofra uma pane, pois já não tem mais condições de abortar a decolagem com segurança na pista. Por isso mesmo a V-1 também é conhecida como "Point of No Return". A V-1 é calculada antes de cada decolagem, e sofre influência de fatores como peso, balanceamento, configuração de flaps e slats, temperatura externa, etc.
Menos de três segundos depois de ultrapassada a V-1, o comandante do Boeing da Singapore vê, em meio à forte chuva que desaba sobre Taipei, uma visão tão inesperada quanto assustadora.
As fortes luzes de decolagem iluminam algo à frente do 747. Havia algo bem à frente do Boeing, ao invés de uma pista aberta e desimpedida: barreiras de concreto, máquinas retro-escavadeiras e outros equipamentos de construção.
Sem saber, o 747 da Singapore havia alinhado na pista 05 Direita e não esquerda. Desde 31 de agosto de 2000, circulava o NOTAM A0606 (NOTice to Air Men), um comunicado amplamente divulgado e de circulação irrestrita para aeronautas, que informava que essa pista encontraria-se fechada para obras entre 13 de setembro e 22 de Novembro. Apesar de ter sido apresentado à tripulação da Singapore no briefing de operação feito ainda em solo, o NOTAM A0606 não é discutido em nenhum momento na cabine.
O fato é que esse descuido sairia muito caro. Voltamos agora ao cockpit do 747, que está à alguns segundos de atingir a V-R de 288 km/h, velocidade suficiente para que o manche seja puxado e a aeronave erga-se do solo. Mas tempo é algo que não resta mais para os infelizes ocupantes do Singapore 006. Numa fração de segundo, um Boeing 747-400 de quase 400 toneladas vai perder o confronto contra máquinas que estavam em seu caminho.
23h17:16 - Cap: (assustado) Merda, tem alguma coisa aí!
No segundo seguinte, o microfone de cabine capta o som do impacto inicial do 747 contra as máquinas. Com mais um segundo, um grito curto e alto é captado pelos microfones. Entre 23h17:18 e 23h17:22, uma série de sons captados mostram a sequência de impactos que o Boeing sofreu após colidir com as máquinas.
Nesse exato instante, a fuselagem rompeu-se e a caixa-preta do 747 parou de gravar. Nos segundos seguintes, o portentoso jato despedaçou-se em várias partes, muitas das quais pegaram fogo imediatamente. A fuselagem partiu-se ao meio, e continuou desgovernada arrastando-se por mais de 700 metros até parar e ser envolta em chamas, originárias do rompimento dos tanques cheios do 747, que tem capacidade para 216.847 litros de JET A-1.
No meio da tempestade, agora rugia o fogo incontrolável, a princípio, do inferno provocado pelo impacto do 747 contra as máquinas. Os bombeiros não demoraram muito a chegar ao inferno, mas o desastre já estava consumado: dos 179 ocupantes, 20 tripulantes e 159 passageiros, 83 deles (sendo 4 tripulantes) perderam a vida nos segundos seguintes ao impacto ou, em alguns casos, em leitos de hospitais de Taipei, depois de lutar contra terríveis queimaduras e poli-traumatismos por semanas.
Gráfico de assentos e diagrama de ferimentos / morte para o voo 006 da Singapore Airlines:
0: Fatalidade (local desconhecido), 1: Sem ferimentos, 2: Ferimentos leves, 3: Ferimentos graves, 4: Fatalidade, 5: Criança no colo (fatalidade), 6: Quebra de fuselagem
Os três pilotos sobreviveram ao desastre e ajudaram nas investigações, que foram iniciadas no dias seguinte à tragédia. A investigação oficial levou meses e chegou à conclusão que houve imperícia e negligência por parte dos pilotos da Singapore. O Ministério de Transportes de Cingapura (MOT, Singapore Ministry of Transport) questionou o resultado oficial da investigação, abrindo uma investigação própria em paralelo. Segundo o MOT, o acidente não teria ocorrido se a pista em obras tivesse sido visualmente interditada como, segundo afirma o MOT, é de praxe e segundo padrões oficiais. Seja como for, o fato é que o Singapore 006 entrou para a história da melhor empresa aérea do mundo justamente como o seu pior momento.
* Este relato foi extraído do extinto site Jetsite.
Fontes: acidentesdesastresaereos.blogspot.com / ASN / baaa-acro.com / Wikipedia
Em 31 de outubro de 1999, um Boeing 767 da EgyptAir em uma viagem transatlântica de Nova York ao Cairo, de repente entrou em um mergulho na costa de Massachusetts. Como uma montanha-russa, o avião mergulhou abruptamente, subiu de volta e mergulhou novamente, finalmente batendo no oceano perto da Ilha de Nantucket e matando todas as 217 pessoas a bordo.
Mas assim que as caixas pretas foram recuperadas, ficou claro que não foi um mero acidente. As evidências mostraram, sem sombra de dúvida, que o primeiro oficial Gameel Al-Batouti havia derrubado o avião de propósito - mas admitir isso seria um torpedo nas relações EUA-Egito.
Em meio a uma crise internacional crescente, um piloto da EgyptAir desertou para o Reino Unido, trazendo com ele conhecimento das motivações sinistras de Batouti em um momento em que o National Transportation Safety Board estava sendo forçado a caminhar no fio da navalha entre a verdade e o interesse nacional.
O voo e o acidente
Na madrugada de 30 de outubro, o Boeing 767-366ER, prefixo SU-GAP, operando o voo 990 da EgyptAir chegou ao Aeroporto Internacional JFK de Nova York após a primeira etapa de sua viagem de Los Angeles ao Cairo, no Egito.
Em Nova York, a tripulação anterior foi trocada por uma nova. No final das contas, 203 passageiros e 14 tripulantes embarcaram no jato wide body, incluindo dois conjuntos de pilotos: o capitão Ahmed El-Habashi, 57, e o primeiro oficial Adel Anwar, 36, voariam no primeiro semestre; e no meio do caminho eles trocariam de lugar com o capitão de apoio Raouf Noureldin, 52, e o primeiro oficial de apoio Gameel Al-Batouti, de 59. Também a bordo estavam o piloto chefe do 767 da EgyptAir, capitão Hatem Rushdy; e dois outros primeiros oficiais cavalgando como passageiros.
Das 217 pessoas a bordo, 100 eram dos Estados Unidos, 89 eram do Egito (incluindo a tripulação), 21 eram canadenses e os sete restantes vinham de quatro países adicionais. Entre os passageiros egípcios estavam 33 oficiais da Força Aérea que voltaram do treinamento nos Estados Unidos, incluindo dois generais de brigadeiro e um coronel.
Todos os pilotos tinham muita experiência: o capitão Habashi voava para a EgyptAir desde 1963, e o primeiro oficial de alívio Batouti estava a apenas três meses da aposentadoria. O primeiro oficial Anwar estava prestes a se casar logo após seu retorno ao Egito.
Fotos sem data de alguns dos membros da tripulação (Imagem: Getty Images)
O voo 990 decolou do JFK à 1h20 e prosseguiu para o leste sobre o Oceano Atlântico com Habashi e Anwar nos controles. Tudo estava normal nos primeiros 20 minutos. Então, às 13h40, o primeiro oficial de alívio Batouti entrou na cabine.
“Espere, deixe-me dizer uma coisa”, disse ele a Anwar. “Eu não vou dormir nada. Eu posso vir e sentar por duas horas, e então ...”
Batouti não deveria assumir o controle até a metade do voo. Anwar ficou perplexo. “Mas eu, eu dormi, eu dormi”, ele protestou.
"Quer dizer que você não vai se levantar?" disse Batouti. "Você vai se levantar, vai descansar um pouco e voltar."
“Você deveria ter me contado, deveria ter me contado isso, capitão Gameel”, disse Anwar. “Você deveria ter dito, 'Adel…'”
Embora Batouti fosse um primeiro oficial, muitos de seus colegas pilotos o chamavam de capitão porque, em sua posição anterior como capitão de treinamento da Força Aérea egípcia, ele os havia instruído pessoalmente.
"Eu ao menos vi você?" disse Batouti.
Anwar continuou a protestar, pedindo ao “Capitão Gameel” que voltasse e dormisse antes de assumir o comando. Mas eventualmente ele cedeu, permitindo que Batouti pegasse seu jantar e depois voltasse para assumir o voo.
Enquanto Batouti estava fora da cabine, Anwar reclamou com o capitão Habashi: "Está vendo como ele faz o que quer?"
O capitão Habashi hesitou. Ele não via sentido em provocar conflito. Mas Anwar insistiu no assunto. "Ele não quer trabalhar com Raouf ou o quê?"
“É possível, é possível, Deus sabe”, disse Habashi. “Olha, você não tem um camelo macho ou fêmea amarrado nessa situação, como dizem. Direito? Pelo Profeta, ele está apenas falando bobagem. ”
Pouco depois, o primeiro oficial de alívio Batouti voltou à cabine e o primeiro oficial Anwar cedeu seu lugar. Era 01h42
Pelos próximos minutos, Habashi e Batouti conversaram normalmente. Então, às 13h48, Habashi anunciou que queria ir ao banheiro antes que ficasse lotado. Ele saiu da cabine, deixando Batouti sozinho nos controles. Ele disse algo ininteligível para si mesmo e, em seguida, acrescentou suavemente a frase "Tawakkelt ala Allah" - "Eu confio em Deus".
Cerca de 30 segundos depois, Batouti desligou o piloto automático, assumindo o controle manual do avião. Por mais alguns segundos, ele não fez nada. Então ele sussurrou de novo: “Eu confio em Deus”, colocou a potência do motor em marcha lenta e abruptamente inclinou o nariz para baixo a quarenta graus. Com uma rapidez assustadora, o 767 começou a mergulhar em direção ao mar.
O capitão Habashi abortou imediatamente sua ida ao banheiro e conseguiu voltar para a cabine, apesar das condições de gravidade zero. Lá dentro, Batouti segurava a coluna de controle para frente, repetindo “Eu confio em Deus” sem parar. Mas ele não havia trancado a porta, e Habashi conseguiu entrar novamente na cabine de comando apenas 11 segundos após o início do mergulho.
"O que está acontecendo? O que está acontecendo?" Habashi gritou enquanto subia de volta em seu assento.
“Eu confio em Deus”, sussurrou Batouti.
O voo 990 acelerou cada vez mais rápido, excedendo sua velocidade máxima de operação e disparando o alarme mestre de cuidado.
“Eu confio em Deus”, disse Batouti.
"O que está acontecendo?" Capitão Habashi perguntou novamente. “O que está acontecendo Gameel? O que está acontecendo?" Mas Batouti não respondeu.
Habashi então percebeu que os motores estavam em ponto morto. "O que é isso? O que é isso? Você desligou os motores? ” ele gritou.
Ao mesmo tempo, ele começou a puxar para trás sua coluna de controle para tirar o avião do mergulho, que havia aumentado para uma taxa de descida vertiginosa de 39.000 pés por minuto. Lentamente, mas com segurança, Habashi começou a dominar Batouti, que ainda estava tentando empurrar o nariz para baixo.
Mas quando Habashi tentou aumentar a potência do motor, ele descobriu que Batouti havia mudado o interruptor de fluxo de combustível para a posição “corte”, fazendo com que ambos os motores pegassem fogo. “Vá embora nos motores”, disse ele, sua gramática falhando. “Desligue os motores !?”
“Está fechado”, disse Batouti.
Várias vezes, Habashi gritou: "Puxe comigo!" enquanto ele tentava fazer com que Batouti o ajudasse a sair do mergulho.
Mesmo assim, eles continuaram a trabalhar um contra o outro, fazendo com que os elevadores esquerdo e direito se movessem em direções opostas.
Alguns segundos depois, os motores desligaram completamente e o avião perdeu toda a energia elétrica. As caixas pretas pararam de gravar e o transponder do avião desapareceu das telas de radar dos controladores. O que aconteceu dentro da cabine do voo 990 deste ponto em diante nunca será conhecido.
No entanto, várias instalações no nordeste dos Estados Unidos continuaram a rastrear o 767 no radar primário por dois minutos após a perda de energia.
O avião parecia ter afundado a uma altitude de cerca de 16.000 pés, subiu de volta para 25.000 pés, então entrou em um segundo mergulho, mergulhando novamente em direção ao mar a uma taxa de 20.000 pés por minuto. Desta vez, ele não se recuperou. Estressada além de seus limites, a fuselagem começou a se desintegrar; o motor esquerdo se separou da asa e as superfícies de controle arrancaram de seus suportes.
Finalmente, às 1h52, o voo 990 da EgyptAir atingiu o Oceano Atlântico a 96 quilômetros ao sul da Ilha de Nantucket, matando instantaneamente todas as 217 pessoas a bordo.
Animação CGI do mergulho final do voo 990 da EgyptAir (Fonte de vídeo: Mayday)
A investigação do acidente começou como qualquer outra. O avião caiu em águas internacionais, dando legalmente ao Egito jurisdição sobre o caso, mas como o Conselho Nacional de Segurança de Transporte dos Estados Unidos era muito mais experiente, o presidente egípcio Hosni Mubarak pediu que assumisse a investigação.
Então, nove dias após o acidente, tudo mudou. Uma busca subaquática havia revelado os dois gravadores de voo da caixa preta do avião, que foram cuidadosamente levantados do fundo do mar e enviados a Washington DC para análise.
Navios que participaram das buscas pelos corpos e destroços da aeronave - Foto: Matt York/AP
Em uma sala na sede do NTSB, investigadores americanos e egípcios ouviram a gravação de voz da cabine de comando pela primeira vez. O que ouviram foi impressionante. Não houve discussão sobre uma emergência, nenhum sinal de falha mecânica, apenas os sons do vento, os alarmes e o sussurro de Batouti.tawakkelt ala Allah repetidamente.
Era quase certo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. Um representante da EgyptAir que ouviu a gravação deixou a sala com o rosto pálido e não foi ouvido novamente.
Os investigadores do NTSB documentam as caixas pretas antes do transporte para Washington. (Foto: Wikipedia)
Não demorou muito para que descrições de segunda mão do conteúdo do CVR vazassem para a imprensa. Os noticiários alegaram falsamente que Batouti havia dito “Eu tomei minha decisão. Coloco minha fé nas mãos de Deus”, e que ele havia recitado uma oração muçulmana enquanto o avião caía.
Leitura do gravador de dados de voo (com partes da transcrição CVR) do voo 990 da EgyptAir pelo NTSB - Fonte: NTSB
Durante a noite, o voo 990 da EgyptAir passou de um acidente de avião a um grande incidente internacional. O Egito rapidamente acusou a mídia dos Estados Unidos de uma campanha de difamação, trazendo especialistas que observaram que a tradução correta do refrão de Batouti era “Eu confio em Deus”.
Na verdade, as autoridades egípcias não apenas rejeitaram a má tradução, mas rejeitaram a possibilidade de Batouti ter derrubado o avião intencionalmente. O que os investigadores do NTSB esperavam que fosse um inquérito curto, de repente ficou muito mais longo.
Destroços de um dos motores do voo 990 - Foto: Getty Images
Investigadores egípcios e a mídia egípcia apresentam uma hipótese alternativa após a outra. Alguns deles eram completamente absurdos.
No início, por exemplo, as autoridades egípcias pediram ao NTSB que declarasse que o avião havia sido derrubado por uma bomba no lavatório dianteiro (obviamente, eles se recusaram).
O chefe do NTSB queria publicar o relatório com a conclusão de que Batouti derrubou o avião e deixou o resto para o FBI, mas o presidente do Egito, Mubarak, deixou claro para o presidente Clinton que isso levaria a uma aposta na aliança estratégica entre os EUA e Egito.
O NTSB, portanto, não teve escolha a não ser olhar para qualquer coisa que os egípcios inventassem.
Por exemplo, investigadores egípcios apresentaram um possível cenário envolvendo uma falha de elevador. Cada elevador é movido por três atuadores, e se dois desses atuadores falharem no mesmo lado, isso pode causar um movimento de inclinação maciça para baixo, não muito diferente daquele experimentado pelo voo 990.
Além disso, foram encontrados dois rebites no conjunto de caixa do atuador a ser cortada, possivelmente antes da queda. Mas rapidamente ficou claro que a teoria não se sustentava. Primeiro, nenhuma conexão pôde ser encontrada entre os rebites cortados e um potencial atolamento do atuador.
Em segundo lugar, esse congestionamento deve ser facilmente recuperável usando o elevador sem falha, simplesmente puxando para trás a coluna de controle.
E terceiro, tal falha produziria um passo para baixo mais acentuado do que o que realmente ocorreu. No entanto, a FAA levou os rebites cortados a sério, e uma inspeção revelou falhas semelhantes em mais de 100 Boeing 767s e 757s. Todos foram posteriormente corrigidos.
Restos da fuselagem do voo 990 - Foto: The Providence Journal
Repetidamente, o NTSB derrubou cenários de falha mecânica egípcia usando testes de matemática e simulador. Nenhuma falha concebível dos elevadores poderia produzir uma excursão de inclinação que não fosse facilmente recuperável, mesmo se o piloto esperasse 20 segundos antes de reagir. Nem nenhuma evidência física foi encontrada nos destroços para indicar que qualquer uma dessas falhas ocorreu.
A imprensa egípcia acusou o governo dos EUA de um encobrimento - que na realidade o avião estava com defeito, e a alegação de que Batouti cometeu suicídio tinha como objetivo absolver a Boeing de responsabilidade. Eventualmente, não havia mais nada para o NTSB fingir que estava investigando. Em 2002, publicou seu relatório tão esperado, concluindo que a causa provável do acidente foram as entradas de controle do primeiro oficial de emergência. Por razões diplomáticas,
Enquanto isso, o FBI procurava um motivo. No papel, nada sugeria que Gameel Al-Batouti pudesse ter sido suicida. Ele tinha família, tinha um plano de aposentadoria e, mais cedo naquele dia, comprou um pneu de carro para levar para o filho (eles até conversaram sobre isso por telefone antes do voo). Ele também não era um fundamentalista religioso. Mas em fevereiro de 2000, novas acusações começaram a surgir.
Entrevistas com funcionários do hotel em que Batouti costumava ficar enquanto estava em Nova York revelaram que ele havia sido repreendido repetidamente por assediar sexualmente as funcionárias e hóspedes, incluindo solicitações indesejadas, perseguição e exposição indecente. Supostamente, o piloto-chefe da EgyptAir, Hatem Rushdy, que morreu no voo 990, repreendeu Batouti por seu comportamento pouco antes do voo.
Foto sem data de Gameel Al-Batouti, provavelmente com sua esposa
Então, a busca por um motivo teve um grande choque quando o piloto da EgyptAir Hamdi Hanafi Taha desertou para o Reino Unido, alegando que tinha novas informações sobre o voo 990. Ele disse ao FBI que pouco antes do voo, Hatem Rushdy disse a Batouti que por causa de seu impropriedade sexual, seu privilégio de voar para os Estados Unidos seria revogado. Isso não foi apenas um golpe para o orgulho de Batouti, mas também representou um golpe financeiro, porque os voos transatlânticos pagaram mais do que os voos regulares.
O orgulho de Batouti aparentemente já era frágil. Ele alcançou um alto posto na força aérea egípcia e treinou pessoalmente muitos dos melhores pilotos da EgyptAir. Mas como ele ingressou na companhia aérea aos 40 anos e suas habilidades em inglês eram fracas, ele nunca foi capaz de subir acima do posto de primeiro oficial, e muitos dos pilotos que treinou acabaram ultrapassando-o.
Para esconder o fato de que não era capitão, sempre usava um suéter que cobria o número de barras de seu uniforme e nunca usava chapéu. A suposta revogação de seu direito de voar para os Estados Unidos teria sido suficiente para empurrá-lo para o abismo? Ele poderia ter sofrido um surto psicótico e derrubado o avião para se vingar de Hatem Rushdy? Taha parecia pensar assim.
Ele também disse ao FBI que, imediatamente após o acidente, os pilotos da EgyptAir foram chamados para uma reunião onde receberam os fatos, e apenas os fatos. Segundo Taha, todos saíram daquela reunião sabendo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. As teorias apresentadas pelas autoridades egípcias não passavam de uma fachada.
Investigadores egípcios examinam as caixas pretas - Foto: The Atlantic
No final, a credibilidade de Taha é questionável, pois ele não testemunhou pessoalmente a suposta conversa entre Rushdy e Batouti. Mas de acordo com o famoso escritor de aviação William Langewiesche, que passou meses pesquisando a investigação do voo 990, ele estava certo sobre a fachada ter sido erguida pelas autoridades egípcias. L
angewiesche descobriu que, quando perguntou aos investigadores egípcios sobre o acidente, eles o bloquearam; ele interpretou isso como significando que eles não acreditavam realmente que uma falha mecânica causou o acidente, porque se acreditassem, eles teriam tentado mostrar a ele as evidências. A intelectualidade egípcia concordou amplamente. Em uma entrevista para o The Atlantic, Langewiesche disse:
“Pareceu-me que eles sabiam muito bem que o seu homem, Batouti, tinha feito isso. Eles estavam perseguindo uma agenda política que era impulsionada pela necessidade de responder aos seus superiores em uma estrutura política autocrática e piramidal. A palavra havia sido passada do alto, provavelmente do próprio Mubarak, de que não havia maneira de Batouti, o co-piloto, ter feito isso. Para os investigadores de acidentes no Egito, o jogo passou a não ser a busca pela verdade, mas sim a defesa da linha oficial”.
No entanto, o público egípcio realmente acreditava que Batouti havia sido incriminado. Na verdade, os egípcios comuns pareciam levar as acusações para o lado pessoal, chamando todo o caso de um esforço colonialista para jogar a culpa em um país do "terceiro mundo" e seus pilotos do "terceiro mundo".
A crença popular, espalhada pelos parentes de Batouti, era que toda a base para a “teoria do suicídio” era uma linha mal traduzida do gravador de voz da cabine. Mas isso representou um desprezo deliberado pelas evidências. Muito disso se resumia à crença comum de que os muçulmanos não cometem suicídio.
Os defensores de Batouti também notam que seria muito estranho repetir a frase “Eu confio em Deus” antes de bater um avião. Tawakkelt ala Allahé um ditado egípcio comum usado para solicitar a ajuda de Deus antes de alguma tarefa diária. Talvez, eles argumentam, ele estivesse pedindo a ajuda de Deus para salvar seu avião. Nesse caso, ele teria ficado muito melhor ajudando a si mesmo, mas aparentemente nunca tentou fazer isso.
Nomes dos membros da tripulação no memorial às vítimas do voo 990 da EgyptAir - Foto Jeff Kowalsky
Em um movimento raro, o NTSB não fez nenhuma recomendação de segurança como resultado do acidente. Como poderia haver uma solução regulatória para um único piloto que enlouqueceu? Por mais que o NTSB se esforce para extrair todas as lições possíveis de cada travamento, com este pouco encontrou o que aprender. No entanto, como precaução, as companhias aéreas nos Estados Unidos agora exigem duas pessoas na cabine o tempo todo.
Talvez nunca saibamos exatamente por que Gameel Al-Batouti deliberadamente mergulhou o voo 990 da EgyptAir no mar, levando outras 216 pessoas com ele. Pode ter sido um ato de vingança contra seu chefe, ou pode ter sido algum outro motivo conhecido apenas por ele. Mas que ele de fato o fez de propósito é indiscutível.
A sequência do acidente começou enquanto ele estava sozinho na cabine, após fazer um pedido incomum para começar seu trabalho mais cedo. Não havia razão aparente para ele desligar o piloto automático.
Não havia razão aparente para ele empurrar o nariz para baixo e mantê-lo ali. Quando o capitão Habashi voltou ao seu lugar, Batouti não fez menção de informá-lo de um problema. Não havia razão aparente para ele desligar os motores. Quando Habashi pediu que ele subisse, ele continuou empurrando para baixo.
Os últimos dois minutos do voo 990 guardam segredos que nos perseguirão para sempre. Como foi a bordo daquele avião enquanto ele subia ao seu último zênite desesperado, suspenso na escuridão total? Que palavras finais Habashi disse ao perceber que seu copiloto havia matado todos eles? O que aquelas 217 pessoas sentiram quando as tremendas forças G do mergulho final destruíram o avião? E, à medida que o mar subia por baixo dele, Gameel Al-Batouti lamentou o que tinha feito?
O Fokker 100 PT-MRK da TAM partiu no dia 31 de outubro de 1996, para realizar o voo 402 da Ponte Aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro. Apenas 24 segundos após a decolagem, o avião caiu sobre o bairro do Jabaquara, próximo ao aeroporto de Congonhas, matando seus 96 ocupantes e três pessoas em solo.
Este acidente envolveu o autor deste Blog e do Site Desastres Aéreos, como morador de uma casa seriamente atingida pela aeronave.
Eu, Jorge Tadeu, ao lado do trem de pouso em um dos quartos de minha casa
O voo 4184 da American Eagle foi um voo doméstico regular de passageiros de Indianápolis, Indiana para Chicago, Illinois, ambas localidades dos Estados Unidos.
Em 31 de outubro de 1994, o ATR 72-212, prefixo N401AM, da American Eagle, operado pela Simmons Airlines, executando esta rota voou em condições severas de gelo, perdeu o controle e colidiu com um campo. Todas as 68 pessoas a bordo morreram no impacto de alta velocidade.
Aeronave
A aeronave envolvida, com registro N401AM, foi construída pelo fabricante franco-italiano ATR e era movida por dois motores turbo-hélice Pratt & Whitney Canada PW127. Ele fez seu primeiro voo em 7 de março de 1994 e foi entregue à American Eagle em 24 de março de 1994.
Foi operado pela Simmons Airlines em nome da American Eagle. American Eagle era o programa de marca da companhia aérea regional da transportadora de bandeira do sistema regional da AMR Corporation, antes da formação da transportadora certificada chamada American Eagle Airlines.
Passageiros e tripulantes
O comandante do voo 4184 era Orlando Aguilar, de 29 anos. Ele era um piloto experiente com quase 8.000 horas de voo, incluindo 1.548 horas no ATR. Colegas descreveram as habilidades de voo de Aguilar em termos positivos e comentaram sobre a atmosfera relaxada da cabine que ele promoveu.
O primeiro oficial era Jeffrey Gagliano, 30. Seus colegas também o consideravam um piloto competente, e ele havia acumulado mais de 5.000 horas de voo, das quais 3.657 horas no ATR. Os dois comissários de bordo eram Sandi Modaff, de 27 anos, e Amanda Holberg, de 23, que trabalhava em seu primeiro dia como comissária de bordo para a American Eagle.
Condições do tempo
As condições meteorológicas na área de Roselawn, Indiana, foram registradas pelo Serviço Nacional de Meteorologia. O resumo mostrou um centro de baixa pressão na área do centro-oeste de Indiana e "... tetos de nuvens de menos de 1.000 pés e/ou visibilidades de menos de 3 milhas, na chuva,..." ocorrendo no norte de Indiana às 1600 horas locais. Uma frente fria também se estendeu do centro de baixa pressão na direção sudoeste. A temperatura da superfície do local do acidente foi relatada em 7 graus Celsius .
A análise do Serviço Meteorológico Nacional indicou uma área de baixa pressão cujo centro estava localizado no centro-oeste de Indiana às 18h, horário local. As temperaturas na área onde o voo 4184 estava foram relatadas perto de 3 graus Celsius com umidade evidente. As temperaturas estavam perto de menos 4 graus Celsius com umidade evidente no norte de Indiana.
As condições meteorológicas fornecidas pelo Aeroporto de Lowell , localizado a cerca de 12 milhas náuticas a noroeste do local do acidente, indicavam nuvens quebradas a 1.400 pés, nublado a 3.000 pés, rajadas de vento de sudoeste a 20 nós, com chuviscos leves caindo. Porém, a observação do relatório foi feita cerca de 30 minutos após o acidente.
O acidente
O voo estava a caminho do Aeroporto Internacional de Indianápolis, Indiana, para o Aeroporto Internacional O'Hare, Chicago, Illinois. O mau tempo em Chicago causou atrasos, levando controle de tráfego aéreo para realizar voo 4184 sobre a próxima intersecção LUCIT a 10.000 pés (3.000 m).
Enquanto voava, o avião encontrou chuva gelada, uma condição gelo perigoso onde super-resfriadoas gotas causam rapidamente um intenso acúmulo de gelo. Logo depois, eles foram autorizados a descer para 8.000 pés (2.400 m).
Após esta descida, os pilotos receberam ordem de entrar em outro nível. Durante a descida, um som indicando um alerta de velocidade excessiva devido aos flaps estendidos foi ouvido na cabine.
Depois que o piloto entrou em ação, retraindo os flaps, um ruído estranho foi ouvido no gravador de voz da cabine, seguido por uma excursão de rolagem brusca e não comandada que desligou o piloto automático.
Os dados do gravador de dados do voo mostraram que a aeronave posteriormente passou por pelo menos um full roll, após o qual Aguilar e Gagliano recuperaram o controle da aeronave em rápida descida. No entanto, outro teste ocorreu logo depois, quando eles ativaram o piloto automático novamente.
Esta segunda ocorrência foi irrecuperável e, menos de trinta segundos depois, às 15:59, o contato com o voo 4184 foi perdido quando o avião caiu de nariz em um campo de soja perto de Roselawn, Indiana, matando todos os 64 passageiros e 4 tripulantes a bordo.
A desintegração do avião indicou velocidade extrema, e os dados recuperados do gravador de dados de voo mostraram que o avião tinha uma velocidade indicada de 375 kn (694 km/h; 432 mph) no impacto.
Não houve incêndio. Os corpos de todos a bordo foram fragmentados pelas forças de impacto; portanto, o local do acidente foi declarado um risco biológico.
O voo 4184 foi a primeira perda de casco e também o mais mortal acidente de aviação, envolvendo uma aeronave ATR 72.
Causa provável
Como de costume nesses relatórios, o National Transportation Safety Board (NTSB) emitiu uma declaração de "causa provável" perto do final de seu relatório. A declaração de causa provável neste relatório foi consideravelmente mais longa do que o normal.
O NTSB concluiu que a ATR (o fabricante daquela aeronave), a Direção-Geral da Aviação Civil francesa (a contraparte francesa da FAA americana) e a própria FAA contribuíram para o acidente, porque cada um falhou em seu dever de garantir o mais alto nível de segurança possível aos passageiros.
A declaração de "causa provável" completa do NTSB diz:
3.2 Causa Provável
O National Transportation Safety Board determina que as causas prováveis deste acidente foram a perda de controle, atribuída a uma reversão súbita e inesperada do momento da dobradiça do aileron que ocorreu após uma crista de gelo acumulada além das botas do degrau porque: 1) ATR falhou em revelar completamente aos operadores, e incorporar no manual de voo do avião ATR 72, manual de operação da tripulação de voo e programas de treinamento da tripulação de voo, informações adequadas sobre os efeitos previamente conhecidos da precipitação congelante sobre as características de estabilidade e controle, piloto automático e procedimentos operacionais relacionados quando o ATR 72 foi operado em tal condições; 2) a supervisão inadequada do ATR 42 e 72 pela Direção-Geral da Aviação Civil (DGAC) da França, e sua falha em tomar as ações corretivas necessárias para garantir a aeronavegabilidade contínua em condições de gelo; e 3) falha da DGAC em fornecer à FAA informações oportunas sobre aeronavegabilidade desenvolvidas a partir de incidentes ATR anteriores e acidentes em condições de gelo, conforme especificado no Acordo de Aeronavegabilidade Bilateral e no Anexo 8 da Organização de Aviação Civil Internacional.
Contribuíram para o acidente:
1) a falha da Federal Aviation Administration (FAA) em garantir que os requisitos de certificação de congelamento de aeronaves, requisitos operacionais para o voo em condições de congelamento e a publicação de informações de congelamento de aeronaves da FAA explicassem adequadamente os perigos que podem resultar do voo em congelamento chuva e outras condições de congelamento não especificadas no 14 Código de Regulamentações Federais (CFR) Parte 25, Apêndice C; e 2) a supervisão inadequada da FAA do ATR 42 e 72 para garantir a aeronavegabilidade contínua em condições de gelo. Resposta BEA e investigação
O Bureau d'Enquêtes et d'Analyses pour la Sécurité de l'Aviation Civile (BEA) fez sua própria investigação separada e concordou com a causa do acidente pelo NTSB, sendo a deflexão do aileron levando à perda de controle.
No entanto, a BEA afirmou em sua resposta ao relatório do NTSB que a deflexão do aileron foi causada por erro do piloto em vez de gelo, citando várias conversas fora do assunto feitas pela tripulação durante a fase de espera, bem como a tripulação de voo estende os flaps em 15 graus em alta velocidade, o que pode criar grandes cargas axiais.
O BEA também afirmou que o controlador de tráfego aéreo não estava monitorando adequadamente o voo. No entanto, o NTSB refutou os argumentos do BEA em seu relatório final e em um artigo de resposta detalhado separado. Além disso, não havia nenhuma evidência factual para apoiar as alegações do BEA.
O NTSB afirmou que a conversa das tripulações ocorreu em um momento não crítico do voo e que os pilotos estavam cientes da presença de gelo nas asas. Portanto, o NTSB concluiu que a conversa não pertinente não contribuiu para o acidente.
Resultado
Em março de 1995, algumas famílias das vítimas descobriram os restos mortais de seus entes queridos no local do acidente, levantando a suspeita de que os esforços de limpeza não foram completos. Em um comunicado, o legista do condado de Newton - referindo-se a outros comentários feitos - disse que não estava surpreso que houvesse restos mortais, dada a gravidade do acidente.
Memorial do local do acidente do voo American Eagle 4194
Em abril de 1996, a FAA emitiu 18 Diretrizes de Aeronavegabilidade (ADs) afetando 29 aeronaves turboélice que tinham a combinação de controles de voo sem motor, botas de degelo pneumático e aerofólios NACA de "estol de cinco dígitos". Eles incluíram revisões significativas dos procedimentos operacionais do piloto em condições de gelo (velocidades mínimas mais altas, não uso do piloto automático, diferentes procedimentos de recuperação de problemas), bem como mudanças físicas na área de cobertura das botas de degelo nos aerofólios.
Nos anos que se seguiram a este acidente, a AMR Corporation parou de usar seus ATRs American Eagle fora de seus hubs ao norte e os mudou para seus hubs do sul e do Caribe no Aeroporto Internacional de Dallas-Fort Worth, Miami, Flórida e San Juan, Porto Rico, para reduzir potenciais problemas de formação de gelo no futuro.
Outros ex-operadores de ATR dos EUA, particularmente a SkyWest, Inc., subsidiária e operadora da Delta Connection, Atlantic Southeast Airlines, operaram aeronaves ATR 72 em áreas onde as condições de gelo não eram comuns.
Embora as aeronaves ATR 42 e ATR 72 estejam agora em conformidade com todos os requisitos de condição de gelo impostos por aqueles 18 ADs, as botas de degelo ainda alcançam apenas 12,5% da corda. Antes do acidente, eles haviam aumentado para apenas 5% e 7%, respectivamente. Robert Boser acredita que os ADs ainda falham em lidar com os resultados dos testes conduzidos pelos reguladores britânicos.
Desde então, três ATR 72 caíram devido à formação de gelo: o vôo 791 da TransAsia Airways caiu em 21 de dezembro de 2002, matando ambos os pilotos. O voo 883 da Aero Caribbean caiu em 4 de novembro de 2010, matando todas as 68 pessoas a bordo. O voo 120 do UTair caiu em 2 de abril de 2012, devido à falta de degelo da aeronave antes da decolagem. 33 das 43 pessoas a bordo morreram. A queda do voo 791 da TransAsia Airways foi atribuída ao tamanho da gota de água que estava além da Parte 25, Apêndice C da certificação de projeto da FAA.
Por Jorge Tadeu (site Desastres Aéreos) com Wikipedia / ASN