domingo, 2 de abril de 2023

Voo mais longo da história durou 64 dias; avião foi reabastecido por caminhões sem pousar

Um pequeno Cessna 172 Skyhawk bateu o recorde há mais de 60 anos.

Voo mais longo do mundo completou 60 anos em 2019 (Imagem: Davi Augusto/Autoesporte)
Os aviões militares fazem seus reabastecimentos aéreo através de outras aeronaves. Mas o voo mais longo do mundo usou uma estratégia bem mais ousada: um Cessna 172 Skyhawk foi mantido voando por dois meses inteiros nos Estados Unidos, um recorde que completou 60 anos em 2019 e ainda está valendo.

Os recordistas foram dois pilotos, Robert Timm e John Cook. A dupla passou 64 dias, 22 horas, 19 minutos e 5 segundos no céu, sem pousar uma única vez. No total, a distância equivale a mais de seis voltas ao redor da Terra.

A aventura foi do dia 4 de dezembro de 1958 até o dia 7 de fevereiro de 1959. Graças à algumas modificações no pequeno Cessna Skyhawk, Timm e Cook conseguiram cumprir uma jornada considerada impossível. Um recorde que parece encolher as 17 horas e 40 minutos do voo comercial mais longo da atualidade.

A odisseia parece ainda mais grandiosa quando levamos em consideração que a maior parte dos recordes anteriores foi batida com aeronaves bem maiores.

O voo foi possível graças ao patrocínio do hotel cassino Hacienda. Por trabalhar na empresa como especialista em manutenção de caça-níqueis, Timm abordou o dono do lugar para vender a ideia.

Segundo a Aircraft Owners and Pilots Association (associação de pilotos e de donos de aeronaves), Doc Bailey, um empresário local, construiu o Hacienda no finalzinho da The Strip - como é conhecida a avenida principal de Las Vegas. A orientação familiar do empreendimento e a localização não ajudaram nos negócios e o hotel logo ficou famoso por atrair apostadores de baixa renda.

Timm pilotou bombardeiros na Segunda Guerra Mundial e era um entusiasta. Logo ele convenceu seu patrão a patrocinar a aventura com 100 mil dólares, uma fortuna para a época.

Robert Timm posa orgulhoso para eternizar o recorde (Foto: Reprodução)
Tudo em nome da boa publicidade. Para incrementar a ideia, Doc aproveitou para doar qualquer dinheiro recebido pelos seus hóspedes e apostadores para a Damon Runyon Cancer Research Foundation, uma instituição devotada ao estudo e pesquisa de doenças cancerígenas.

Somado a isso, o empresário ofereceu um prêmio de 10 mil dólares para aquele que chegasse mais perto do tempo final da empreitada. Será que alguém apostou dois meses?

O que foi alterado no Cessna


O avião tinha apenas 1.500 horas de voo quando foi escolhido. A preparação ficou a cargo de Irv Kuenzi, mecânico amigo de Timm. Os dois pediram um motor especial para a Continental. O fabricante foi maroto e pegou um propulsor convencional na linha. Uma funcionária o selecionou aleatoriamente.

Timm pediu a Kuenzi para instalar um sistema suplementar de alimentação para poder injetar álcool nos cilindros. O objetivo era reduzir a carbonização e deixar o seis cilindros funcionar por mais tempo sem problemas.

Um Thundebird alinhou com o avião para pintar os pneus (Foto: Reprodução)
Entre as modificações, eles colocaram um tanque extra de 95 galões na parte de baixo do avião, o equivalente a 360 litros. As asas levavam outros 178 litros e o combustível era bombeado dos reservatórios por uma nova bomba elétrica.

Eram quatro assentos originais, ficou apenas o do piloto e um colchonete de 1,20 metro foi colocado no lugar do banco do copiloto. Em turnos de quatro horas, a dupla dividiam a mesma cama improvisada — como nos submarinos na Marinha americana, onde a mesma cama é utilizada por duas pessoas em horários diferentes.

A porta direita era corrediça para facilitar a abertura e fechamento em voo — o turbilhão de ar nunca deixaria a porta convencional ser aberta.

A tripulação contava apenas com uma pequena pia de aço inoxidável e um suprimento limitado de água. Dava para tomar banho de esponja, sem nenhuma privacidade (não dá para pedir licença), e fazer a barba. Todo dia eles recebiam um pouco de água, uma barra de sabão e toalhas.

Os pilotos tinham que se dependurar para fazer a manutenção em pleno voo (Foto: Reprodução)
Os pilotos quase cairam uma vez em que começaram a fazer a higiene sem prestar atenção no terreno. Enquanto Cook iniciou o seu banho, Timm estendeu a pequena plataforma externa e começou a escovar os dentes.

Quando o piloto se deu conta, o Cessna estava indo em direção à uma colina, em curso de colisão. Na mesma hora, Cook mandou Timm entrar.

O pesado companheiro de 105 kg recolheu com dificuldade o piso escamoteável e entrou na aeronave com a escova de dentes na boca e um monte de pasta por tudo que é lado. Os dois escaparam por pouco.

Não pergunte como eles fizeram suas necessidades físicas, mas pode-se concluir que muitos sacos plásticos foram maltratados ao longo da jornada. As sacolas eram jogadas em lugares pouco habitados.

Como foi a odisséia em detalhes


1) O voo recorde não foi a primeira tentativa. Timm havia tentado algumas vezes antes com o mecânico Irv Kuenzi e chegou a presenciar um teste nuclear em uma dessas viagens — o deserto de Nevada era o alvo dos militares na época.

A melhor tentativa chegou a 17 dias, mas problemas diversos haviam interrompido as tentativas e Timm não estava se dando bem com o seu companheiro. Enquanto isso, outra dupla bateu o recorde de 50 dias com o mesmo tipo de Cessna, um avião batizado como Velho escocês.

É aí que entra John Cook. Também mecânico, o profissional conhecia profundamente o 172 Skyhawk recordista. O etanol não ajudou a saúde do motor "especial" e Cook instalou a antiga motorização do avião — a mecânica acumulava apenas 450 horas de voo e podia aturar cerca de 2 mil horas de funcionamento ininterrupto.

A quarta tentativa já não gerou a mesma fanfarra das anteriores. Os aventureiros conseguiram autorização para decolarem com mais de 150 kg acima da capacidade máxima do monomotor. A decolagem foi às 3:52 da madrugada, horário em que o tempo mais frio ajudou a extrair cada cavalinho do seis cilindros boxer.

2) Um Ford Thunderbird se alinhou ao avião na pista logo depois deles decolarem para que um dos homens a bordo pudesse pintar os pneus do Cessna. Foi uma forma de provar que o avião não teve contato com o solo ao longo da jornada.

O reabastecimento era feito com o avião voando lento e baixo (Foto: Reprodução)
3) A cada dia eram feitos dois reabastecimentos diurnos. O avião voava muito baixo (cerca de 6 metros) e lento para conseguirem ficar alinhado com um caminhão Ford emprestado de uma oficina mecânica local.

Uma mangueira era elevada e a bomba elétrica bombeava combustível para o tanque ventral após ser conectada por Cook ou Timm. Mantimentos eram passados por corda. Isso tinha de ser feito em uma estrada com terreno razoavelmente plano, fechada momentaneamente para o tráfego.

O caminhão não precisavam correr tanto: a velocidade mínima de estol (perda de sustentação) do Cessna é de 81 km/h. O processo todo levava apenas 3 minutos.

Timm e Cook tiveram que fazer um abastecimento noturno mais à frente. Completamente escura, a noite acrescentou uma enorme dose de risco ao ritual. Contudo, a equipe de solo foi esperta e posicionou um outro caminhão uns 100 metros à frente do veículo de reabastecimento. Foi uma maneira de oferecer um pouco de referência visual.

4) A primeira semana passou e a dureza da situação ficou mais clara. O diário de bordo descreveu o esforço físico e psicológico pelos quais passaram os pilotos.

5) Como eles faziam para dormir? Havia um turno de quatro horas e eles dividiam o mesmo colchonete, enquanto o outro tocava a aeronave. Pegar no sono era o mais difícil. O barulho ensurdecedor do Continental os deixou estressados e insones.

Um colchonete fino era dividido pelos pilotos (Imagem: Autoesporte) 
6) Filtro e óleo eram trocados com o motor Continental em funcionamento. Um buraco na parede corta-fogo (entre o motor e a cabine) permitia isso. O para-brisa era limpo em movimento.

7) Como o hotel Hacienda patrocinava o voo, eles mandavam refeições feitas com esmero extra pela sua cozinha industrial. E claro que isso incluiu cestas especiais para os pobres pilotos, que passaram o Dia de Ação de Graças, Natal e Ano novo voando. Sem contato com a família, Timm jogou doces para as crianças em uma das operações de reabastecimento no Natal.

Doces foram jogados por eles para crianças no solo (Imagem: Reprodução)
8) Eles tinham apenas um piloto automático rudimentar, um Mitchell capaz apenas de nivelar as asas e impedir que o avião perdesse ou ganhasse muita altitude. No 36º dia, o responsável pelo turno, Timm, dormiu e os pilotos acordaram somente quando estavam próximos do México.

9) A partir do dia 39 uma falha elétrica acabou com o funcionamento de vários equipamentos. Já não tinham mais piloto automático, aquecedor, luzes externas e bomba de combustível elétrica…. somente um pequeno gerador eólico supriu as necessidades básicas de energia.

10) No dia 23 de janeiro eles quebraram o recorde dos 50 dias, porém, decidiram que pilotariam até a hora que o avião deixasse de voar direito. À essa altura, os dois checavam e rechecavam o trabalho deles para evitar erros humanos.

Quando o motor já estava carbonizado além da medida e a potência já pequena reduzida, o avião passou a ter dificuldade de ganhar altura. Foi a hora de pousar.

O avião está em exposição em Las Vegas


O avião até hoje está exposto no aeroporto McCarran, de Las Vegas, local de sua decolagem e do pouso. Exibido no meio do salão principal, o Cessna chama atenção de todos no lugar, contudo, poucos conhecem a história do aviãozinho prefixo N9217B.

O Cessna está exposto no aeroporto McCarran, em Las Vegas (Foto: Daniel Piotrowski/Wikimedia)
Olha que o 172 por pouco não sumiu. O Hacienda exibiu a aeronave no seu saguão por muito tempo, mas, depois da falência, o Cessna foi vendido para um canadense.

Timm descobriu a localização do Skyhawk em 1988 e fez com que o McCarran Aviation Heritage Museum o comprasse e restaurasse. Bem antes do seu falecimento, em 1995. Cook morreu em 1978. O modelo foi exibido por um tempo no museu antes de ir parar no aeroporto. E está em condições de voo!

Recorde anterior


A dupla Jim Heth e Bill Burkhart bateu o recorde de voo com reabastecimentos durante as tentativas iniciais da outra dupla. Os rivais voaram por 50 dias, 18 horas e 20 minutos entre os dias 2 de agosto de 1958 e 21 de setembro do mesmo ano. O avião era um Cessna 172 muito parecido com o recordista atual e o reabastecimento foi igualmente por caminhões.

O recorde anterior durou pouco tempo (Foto: Reprodução)

Hacienda foi controlado posteriormente pela máfia


Doc acabou vendendo o hotel para outro empreendedor do ramo, Allan Glick, fundador da Argent Corporation. E não é que a jogada foi uma fachada para a máfia italiana. Por ter nas suas mãos o maior sindicato dos caminhoneiros, o International Brotherhood of Teamsters (IBT, organização controlada por muitos anos por Jimmy Hoffa), a máfia emprestou milhões ao empresário da Califórnia.

Como outros cassinos de Las Vegas, incluindo o Stardust e Fremont, o Hacienda passou em 1974 para o comando da Argent Corporation, de Glick. O grupo foi controlado diretamente pela organização criminosa e seu testa de ferro, Frank "Lefty" Rosenthal, um gênio do mundo das apostas.

O empresário (e laranja) foi retratado no filme Cassino, de Martin Scorsese, e no livro de Nicholas Pileggi que inspirou o longa. A história de Glick e Rosenthal terminou em prisões e mortes e o cassino fechou em 1996. Mas o recorde continua de pé.

Via Julio Cabral (Auto Esporte)

NASA 515: O Boeing 737 usado como um laboratório voador

A aeronave, que apresentava dois cockpits, contribuiu para avanços significativos na indústria da aviação.

Boeing 737-130 NASA 515 (Foto: NASA/LRC via Wikimedia Commons)
O Boeing 737 é um avião a jato de corpo estreito altamente popular que foi introduzido comercialmente pela primeira vez em 10 de fevereiro de 1968. Em janeiro de 2023, 57 anos após sua produção, 11.299 unidades da aeronave foram construídas e usadas para uma variedade de propósitos, incluindo transporte de passageiros e carga , aviação executiva, operações militares e testes experimentais. Um 737 particularmente notável é o NASA 515.

O protótipo do Boeing 737


Em 1974, o primeiro 737 já construído foi implantado no inventário da NASA e nomeado NASA 515. A aeronave modificada apresentava dois cockpits separados: um cockpit dianteiro convencional que fornecia suporte operacional e backup de segurança e um cockpit de pesquisa operacional atrás do que teria sido a cabine de primeira classe da aeronave.

NASA 515 Seção Transversal (Imagem: NASA)
Também foi equipado com uma variedade de instrumentos e equipamentos, incluindo sensores especializados, câmeras e sistemas de comunicação. O interior foi modificado para fornecer espaço para o equipamento e para acomodar os pesquisadores e a equipe necessária para conduzir os experimentos.

O NASA 515 foi mantido e pilotado pelo centro de campo mais antigo da Administração, o Langley Research Center em Hampton, Virgínia.

Um pioneiro no ar


O laboratório voador era uma instalação única que desempenhava um papel crucial na demonstração de novos conceitos em situações do mundo real. Ao contrário das instalações de pesquisa típicas, o NASA 515 permitiu que os observadores testemunhassem as inovações em primeira mão, aplicadas em condições cotidianas (como em condições de vento perigosas ou em uma área terminal movimentada).

NASA 515 cockpit principal (Foto: NASA)
Como tal, o 737 forneceu uma plataforma convincente para tomadores de decisão no governo e na indústria da aviação. Graças ao NASA 515 e suas instalações de apoio, várias novas tecnologias de aviação foram rapidamente adotadas na indústria da aviação.

Cerca de 20 tecnologias avançadas desenvolvidas no NASA 515 foram adotadas pela indústria da aviação, como o desenvolvimento de designs de asas de alta sustentação avançados e mais eficientes. Outras inovações incluem:
  • Displays Eletrônicos de Voo (1974): Os indicadores eletrônicos de atitude do tubo de raios catódicos e os displays de situação horizontal encontrados nas aeronaves Boeing 757 e 767 foram desenvolvidos e demonstrados pela primeira vez no NASA 515. Esses instrumentos melhoraram a compreensão dos pilotos de sua consciência situacional, contribuindo para aumentar a segurança e eficiência.
  • Runway Friction Program (1984): NASA 515 esteve envolvido na realização de testes para desenvolver um programa que pudesse melhorar e prever o manuseio de aeronaves em pistas escorregadias. A tecnologia foi adotada pela Federal Aviation Administration (FAA) e desde então tem sido usada na maioria dos aeroportos comerciais em todo o mundo.
  • Airborne Information Transfer System (1989): Testes de voo foram conduzidos no NASA 515 para comparar os benefícios do uso de link de dados eletrônicos contra voz como um sistema primário de comunicação entre aeronaves e controle de tráfego aéreo. Os resultados foram usados ​​pelo governo para desenvolver padrões operacionais e de design e, posteriormente, implementados nos 747 mais recentes , bem como em todos os cockpits do 777.
NASA 515 na pista (Foto: NASA)
O NASA 515 de US$ 2,2 milhões foi aposentado em 2003 e agora está em exibição pública no Museu do Voo em Seattle, Washington. Se você gostaria de ver um 737-100 de perto, esta é sua melhor aposta, pois é a última do tipo ainda existente.

Via Simple Flying com NASA

Aconteceu em 2 de abril de 2012: A queda do voo 120 da UTair - Alertas Ignorados


No dia 2 de abril de 2012, um avião russo conduzindo um voo regional na Sibéria teve problemas imediatamente após decolar da cidade de Tyumen. O avião balançou descontroladamente de um lado para o outro enquanto os pilotos gritavam uns com os outros, aparentemente incapazes de descobrir o que fazer. Apenas um minuto após a decolagem, o ATR-72 mergulhou em um campo coberto de neve, deu uma pirueta e explodiu em chamas, matando 33 das 43 pessoas a bordo. 

Enquanto os investigadores russos examinavam as evidências, tornou-se aparente que os pilotos haviam negligenciado o degelo do avião, fazendo com que eles decolassem com gelo nas asas. Mas como poderia um piloto que voa na Sibéria não entender os perigos do gelo?

Como se viu, com bastante facilidade: por trás dessa decisão aparentemente inexplicável estava uma série de falhas de comunicação, brechas regulatórias, e treinamento enganoso que se originou da complicada transição de décadas da Rússia para um sistema de aviação de estilo ocidental.


A UTair é uma das maiores companhias aéreas domésticas da Rússia, com uma frota de 63 aeronaves e mais de 70 destinos em toda a ex-União Soviética e países vizinhos. Embora a UTair voe para cidades em toda a Rússia, sua principal área de operações sempre foi o oeste da Sibéria, de onde se originou na década de 1960 como o Diretório Tyumen da companhia aérea estatal Aeroflot. 

Como muitas companhias aéreas na Rússia, a UTair começou como uma empresa independente após o colapso da Aeroflot após o colapso da URSS. Com sede na remota cidade de Khanty-Mansiysk com hubs adicionais em Surgut e Tyumen, a UTair cresceu rapidamente na década de 2000 e no início de 2010, comprando dezenas de novas aeronaves, contratando centenas de novos pilotos e introduzindo aviões ocidentais para substituir seu antigo soviético modelos.

Entre os novos tipos de aeronaves introduzidos na frota da UTair na década de 2000 estava o ATR-72, um grande turboélice gêmeo produzido pela empresa franco-italiana Avions de Transport Regional. 

O ATR-72 é uma aeronave de asa alta, com as asas presas ao teto e não ao chassi, o que o torna ideal para operar nas difíceis condições da Sibéria, onde as pistas geralmente estão sujas ou cobertas de lama. Com capacidade para 74 passageiros, o avião também tinha o tamanho perfeito para executar uma das principais rotas da UTair: a constante viagem de ida e volta entre seus dois centros em Surgut e Tyumen.


No dia 1º de abril de 2012, o capitão Sergey Antsin de 27 anos e o primeiro oficial Nikita Checkhlov de 24 anos voaram no voo 119 da UTair de Surgut para Tyumen, o último voo do dia, chegando ao aeroporto Roschino de Tyumen pouco antes da meia-noite. Quando uma chuva congelante misturada com neve caiu sobre a cidade, eles se retiraram para um hotel de aeroporto, onde pegaram algumas horas de sono antes de se apresentarem para o serviço por volta das 6h da manhã seguinte. 

Como de costume, a programação daquele dia era simples: deviam voltar no mesmo avião e fazer o voo 120, a viagem de volta a Surgut, às 7h30. Depois disso, Antsin voltaria para casa: amanhã faria 28 anos e ele estava ansioso para passar o dia de folga com a família. 

Durante a noite, a chuva e neve intermitentes com temperaturas oscilando em torno de zero resultaram em um acúmulo significativo de gelo em todos os aviões estacionados no aeroporto de Roschino. 

Embora o gelo seja um fato da vida ao voar em climas frios, ele representa um perigo significativo para as aeronaves. Mesmo uma fina camada de gelo pode alterar a forma das asas, interrompendo os padrões de fluxo de ar e reduzindo o desempenho; em alguns tipos de aeronaves, apenas alguns milímetros são suficientes para impedir que o avião decole. 

Para remover o gelo e a neve antes da decolagem, o Aeroporto de Roschino estava bem equipado com numerosos tripulantes de terra e veículos de degelo armados com a mais recente tecnologia de remoção de gelo.

Aviões sendo descongelados no aeroporto
Na manhã do dia 2 de abril, a primeira pessoa a chegar ao ATR-72-201, prefixo VP-BYZ, da UTair, naquela manhã foi um técnico de aviônica, cujo trabalho era inspecionar o avião em busca de defeitos, incluindo a presença de gelo. Um mecânico logo se juntou a ele, e os dois caminharam juntos ao redor do avião, verificando se havia algo fora do comum. Eles não encontraram nada - nem problemas mecânicos, nem gelo. 

Os motores e outras peças críticas, como os tubos pitot, foram cobertos durante a noite para evitar o acúmulo de gelo, e as tampas funcionaram conforme planejado. No entanto, eles não verificaram o topo das asas. 

Como o ATR-72 é uma aeronave de asa alta, não é possível ver o topo das asas do solo sem o uso de uma escada e, por algum motivo, o técnico de aviônica e o mecânico decidiram que não precisavam para ir encontrar um. Se os motores e os tubos pitot não tivessem gelo, então certamente as asas também não iriam, então de que adiantava? 

Acima: o VP-BYZ, o ATR-72 envolvido no acidente
Cerca de 30 minutos antes da hora de partida programada, o capitão Antsin e o primeiro oficial Chekhlov chegaram ao avião para se preparar para o voo. Antsin fez uma rápida verificação geral, mas também não tinha escada, então as superfícies das asas não foram examinadas. 

Depois que Antsin voltou à cabine, o técnico de aviônica embarcou no avião para informar a tripulação sobre os resultados de sua inspeção pré-voo, observando que não havia defeitos mecânicos nem gelo. Ele não mencionou que não tinha verificado o topo das asas. Satisfeito em saber que o avião estava limpo, Antsin respondeu: “Não vamos ser tratados, vamos decolar como está”. 

Havia muitos sinais de que deveria haver gelo no avião (que havia). Todos os outros aviões no aeroporto de Roschino naquela manhã (exceto dois que estavam apenas fazendo uma breve escala) haviam solicitado degelo, as condições meteorológicas eram propícias à formação de gelo e havia neve fresca em todo o aeroporto, inclusive no topo das aeronaves estacionadas . 

Mas Antsin confiou (e tinha o direito de confiar) na palavra do tratador, que ele não questionou. Após embarcar 39 passageiros e dois comissários de bordo, o voo 120 da UTair para Surgut saiu da vaga número três sem descongelar. 

Mal sabiam os pilotos que as superfícies das asas e do estabilizador horizontal estavam cobertas por pelo menos quatro milímetros de gelo.


Enquanto os pilotos taxiavam o avião para a pista, o capitão Antsin ligou os sistemas de degelo a bordo do avião. Embora os sistemas de degelo tenham sido projetados para serem usados ​​em voo, não em solo, tecnicamente não havia proibição contra isso, e muitos pilotos da UTair adquiriram o hábito de ligar o sistema durante o táxi para verificar se estava funcionando corretamente. 

O sistema de degelo a bordo infla "botas" de borracha dentro das bordas de ataque das asas e estabilizadores para remover o gelo que se acumula lá durante o voo. Mas enquanto o avião está estacionado, o gelo pode se formar em toda a superfície superior da asa, em vez de apenas ao longo da borda de ataque. 

As botas de degelo não podem remover o gelo que se formou atrás das bordas de ataque. Enquanto as botas de degelo inflavam, os pilotos olharam para trás para verificar se estavam funcionando. “Ele não quer inflar no solo por algum motivo”, disse o capitão Antsin. "Sim", disse o primeiro oficial Checkhlov. “Não - ah, está descascando normalmente, está inflando”, disse Antsin, observando enquanto as botas de descongelamento rompiam uma camada de gelo e neve nas bordas de ataque. 

Mas apesar de ver o gelo cair do avião quando ele ativou as botas de degelo, ele aparentemente não entendeu que era provável que houvesse gelo adicional fora do alcance das botas ou presumiu que, se houvesse, não seria um problema. Concluído que o sistema funcionava normalmente, desligou-o e alinhou-se para a partida. 


Às 7h33, o voo 120 decolou da pista e começou a subir para longe do aeroporto. Inicialmente, nada parecia estar errado. Mas, nos bastidores, a camada de gelo nas asas e estabilizadores já estava causando problemas de desempenho. 

O arrasto extra do gelo nas asas forçou o avião a adotar um ângulo de ataque mais alto do que o normal para atingir a taxa de subida normal. Ao mesmo tempo, a camada irregular de gelo nos estabilizadores horizontais criou um distúrbio aerodinâmico que puxou os elevadores ligeiramente em direção à posição do nariz para cima, sem qualquer intervenção dos pilotos. 

Percebendo que o avião estava tentando subir muito abruptamente, Antsin murmurou uma maldição, “Oi, blyad '”, e ajustou o estabilizador para a posição máxima do nariz para baixo. Ao mover todo o estabilizador em direção ao nariz para baixo, ele foi capaz de neutralizar o comportamento inesperado dos elevadores e manter o avião no ângulo de inclinação correto. 

Até agora, essa era a única indicação de um problema. Mas os pilotos não fizeram a conexão entre os movimentos incomuns do elevador e a presença de gelo, e continuaram a decolagem como se nada estivesse errado. O avião continuou a acelerar em direção a sua velocidade de subida alvo de 170 nós, aparentemente sem dificuldade.


Até este ponto eles estavam voando com os flaps estendidos para 15 graus a fim de aumentar a sustentação para a subida inicial. Mas em velocidades mais altas, os flaps devem ser retraídos; em condições normais, a velocidade mínima de retração do flap é de 132 nós. 

Enquanto o voo 120 acelerava nessa velocidade, o capitão Antsin gritou: "Flaps para cima." “Verificação de velocidade, flaps para cima”, disse o primeiro oficial Checkhlov, puxando a alavanca do flape de volta para a posição retraída. 

Nenhum dos pilotos sabia que haviam cometido um erro colossal. A matemática é complexa, mas o princípio é bastante simples: dado um formato de asa particular, há um ângulo de ataque específico - o ângulo do avião em relação à corrente de ar - onde as asas não podem produzir sustentação suficiente para superar o arrasto. 

O gelo nas asas muda fundamentalmente os parâmetros dessa equação. Ao alterar prejudicialmente a forma das asas, o gelo aumenta o arrasto e reduz a capacidade de levantamento, fazendo com que o avião estole em um ângulo de ataque mais baixo. 

No voo 120, o aumento da curvatura da asa dos flaps estendidos serviu para neutralizar o impacto negativo do gelo. Com este formato de asa, o ângulo de ataque de estol foi razoavelmente normal, e o avião foi capaz de subir sem problemas. 

Mas quando o primeiro oficial Chekhlov retraiu os flaps, eles pararam de compensar os efeitos prejudiciais de elevação do gelo, o que fez com que o ângulo de ataque de estol caísse instantaneamente para um valor aproximadamente igual ao ângulo real de ataque da aeronave naquele exato momento.

Acima: uma câmera de segurança do aeroporto capturou essas fotos do voo 120
quando ele começou a girar para a esquerda
O resultado foi que o ATR-72 passou de uma subida quase normal para um estado quase estagnado, sem nenhuma mudança na posição da aeronave no espaço. 

O avião de repente começou a balançar violentamente quando o fluxo de ar se separou das superfícies das asas, levando Chekhlov a exclamar: "Uau!" "O que diabos é isso?" disse Antsin. "Que diabos é essa bofetada?" disse Chekhlov. “Desengate do piloto automático”, anunciou Antsin, assumindo o controle manual do avião.

Quatorze segundos depois de retrair os flaps, o aviso de estol foi ativado, sacudindo as colunas de controle dos pilotos para avisá-los do estol iminente. A asa direita, que estava voltada para o vento e havia acumulado uma camada mais espessa de gelo, começou a perder sustentação, fazendo o avião girar quarenta graus para a direita. 

A repentina ativação do stick shaker combinada com a rolagem descontrolada pareceu pegar os pilotos totalmente de surpresa. Antsin agarrou o manche e girou-a com força para a esquerda, mas não pareceu reagir ao próprio stall. 

"O que diabos é isso!?" Chekhlov disse novamente. “Reporte!” disse Antsin. “Reportar o quê, blyad'!” Chekhlov gritou. “Qual é a falha !?” "Não entendo!", Antsin gritou de volta. Quando ele empurrou os controles totalmente para a esquerda, o avião estolou completamente e a asa esquerda caiu; o avião rolou rapidamente sessenta graus para a esquerda e começou a cair do céu. 


Quando o avião caiu em direção ao solo, o capitão Antsin freneticamente puxou os controles para tentar puxar para cima, mas isso tornou o estol ainda pior. Um sistema automático chamado empurrador de manche interveio para tentar empurrar o nariz para baixo e diminuir o ângulo de ataque, mas não foi forte o suficiente para superar as tentativas desesperadas de Antsin. 

“Yob tvoyu mat '!”, Chekhlov praguejou quando um campo coberto de neve se ergueu para enfrentá-los. Antsin acionou o microfone e gaguejou no rádio: "UTR 120, caindo!" Três segundos depois, houve um grito e a gravação de voz da cabine foi interrompida abruptamente. 

Depois de apenas 64 segundos no ar, o voo 120 da UTair bateu em um campo a uma curta distância do final da pista em uma posição de nariz para baixo com uma margem esquerda íngreme. 

O avião deu uma cambalhota com o impacto, enviando pedaços da aeronave caindo pela neve enquanto uma enorme bola de fogo irrompeu dos tanques de combustível rompidos. Grandes pedaços do ATR-72 derraparam e pararam na neve, cercados por chamas.


Incrivelmente, alguns passageiros conseguiram sobreviver ao acidente e ao incêndio, possivelmente porque foram atirados do avião para a neve profunda que cobriu a zona de impacto. 

A maioria dos passageiros estava sentada ao nível ou atrás das asas, uma área que foi totalmente destruída na queda; apesar do fato de que o nariz e a cauda foram as únicas seções grandes que permaneceram intactas, os sobreviventes geralmente estavam sentados em outros lugares. 

Enquanto os bombeiros corriam para o local do acidente, eles encontraram 13 pessoas, todas gravemente feridas, agarradas à vida no vasto campo de destroços. 

Helicópteros e ambulâncias os levaram às pressas para os hospitais locais, onde dois morreram em trânsito e um morreu na mesa de operação horas depois. 

No final, dez passageiros sobreviveram, enquanto 33 pessoas, incluindo todos os quatro tripulantes, morreram no acidente.


Os investigadores do Interstate Aviation Committee (MAK), uma agência internacional que investiga acidentes aéreos na ex-União Soviética, conseguiram determinar a sequência básica dos eventos em poucos dias. 

Apesar das condições climáticas favoráveis ​​à formação de gelo, os pilotos optaram por não descongelar porque o tratador de solo, que não tinha verificado se as asas estavam com gelo, disse-lhes que não havia gelo. 

Após a decolagem, o gelo nas asas reduziu o desempenho e reduziu o ângulo crítico de ataque, levando a um estol quando os pilotos retraíram os flaps. Os pilotos então falharam em reconhecer o estol e realizar o procedimento de recuperação de estol, que exigia que eles estendessem os flaps para 15 graus e inclinassem o nariz para baixo. Simulações de engenharia mostraram que simplesmente estender os flaps para trás em 15 graus já teria sido suficiente para evitar o estol e salvar o avião. 

Mas essa sequência de eventos deixou duas questões-chave: por que a equipe de solo ou os pilotos não previram a presença de gelo nas asas? E por que os pilotos não reagiram corretamente aos avisos de estol?


O MAK descobriu que nenhum dos pilotos era particularmente experiente. O capitão Antsin tinha 2.600 horas de voo, quase todas no ATR-72, mas só recentemente foi atualizado para capitão. Seu jovem primeiro oficial tinha apenas 1.800 horas. 

Ambos receberam boas notas nos treinos, mas foi o conteúdo do treinamento que se destacou: quase nada incluía sobre os perigos da formação de gelo no solo (ou seja, o gelo que se forma enquanto o avião está estacionado). Tudo se concentrou na formação de gelo durante o voo, e por um bom motivo: vários ATR-72s haviam caído no passado devido à formação de gelo durante o voo. 

Além disso, os registros de treinamento dos pilotos continham tão poucos detalhes que não foi possível aos investigadores estabelecer até que ponto eles entendiam a importância de descongelar o avião no solo. 

A falta de conhecimento de ambos os pilotos sobre o congelamento de aeronaves foi evidenciada quando eles ativaram o equipamento de descongelamento de bordo durante o taxiamento. Apesar de ver o gelo e a neve cair das asas depois de ligar as botas de degelo, eles não entenderam que isso significava que havia gelo em todas as áreas da superfície da asa ou não entenderam que as botas de degelo não iriam remova-o se houver. 

Em voo, as gotas impactam o avião horizontalmente, aderindo às bordas de ataque da asa e do estabilizador, e os pilotos foram minuciosamente perfurados para esperar gelo especificamente nessas áreas. A falta de treinamento em gelo no solo e o pensamento crítico insuficiente no momento levaram a tripulação a perder este sinal óbvio de que havia um problema. 


O MAK observou que, embora o manual de voo do ATR-72 - que todos os pilotos devem ler - explicasse os perigos do gelo no solo, este manual estava em inglês, não em russo, e foi escrito em alto nível com linguagem complexa usada ao longo. Uma revisão do programa de língua inglesa em que ambos os pilotos participaram mostrou que era lamentavelmente inadequado prepará-los para ler o manual. 

O curso mal foi além de frases mecânicas que poderiam ser usadas na comunicação pelo rádio, e as gravações das provas orais dos pilotos mostraram que eles lutavam para formar frases básicas sem memorizá-las de antemão. Mesmo assim, ambos os pilotos passaram no curso e começaram a voar no ATR-72. 

Os regulamentos russos exigem que os pilotos que voam em aviões com documentos técnicos em inglês tenham um conhecimento de inglês "suficiente" para ler e compreender o manual, mas o regulamento não fornece critérios que possam ser usados ​​para determinar qual nível de proficiência em inglês é "suficiente”. 

Depois de um acidente anterior em 2008, o MAK havia recomendado que as autoridades russas esclarecessem isso, mas nenhuma ação foi tomada. Como resultado, os pilotos foram autorizados a voar no ATR-72, apesar de não conseguirem ler documentos importantes que explicavam aspectos críticos de segurança das operações da aeronave, incluindo gelo no solo.


Mas como era possível que um capitão que havia voado toda a sua carreira na Sibéria não conseguisse adquirir pelo menos algum conhecimento de cobertura de gelo por meio da experiência direta? 

A resposta foi bem simples: durante o inverno siberiano, quase sempre é muito frio para o gelo grudar em um avião estacionado. O gelo se forma quando a temperatura está entre -3˚C e + 5˚C. Qualquer temperatura mais fria do que isso e as gotas já estarão congeladas quando atingirem o avião, causando um acúmulo de neve, não de gelo. 

Como a neve em pó puro se desprende facilmente durante a decolagem, nenhum degelo é necessário. O voo do acidente foi na verdade o primeiro voo durante todo o inverno em que o capitão Antsin precisou descongelar o avião.


A atenção agora se voltou para a equipe de solo. Os operadores de solo que fizeram a manutenção de outros aviões naquela manhã relataram que encontraram gelo em quase todos eles. Então, por que os encarregados do solo que trabalhavam no voo 120 não verificaram se havia gelo nas asas, e por que disseram ao capitão que não havia gelo se eles não tivessem verificado? 

Os serviços de assistência em escala no aeroporto Roschino em Tyumen eram administrados por uma empresa chamada UTair Technic, que era propriedade da mesma empresa-mãe da UTair Aviation, para a qual prestava serviços de assistência em escala e manutenção em regime contratual. 

Descobriu-se que a UTair Technic vinha contratando seus tratadores de solo praticamente direto da rua, submetendo-os a um breve curso de treinamento no trabalho e liberando-os para o serviço. Isso incluía os técnicos de aviônica e mecânicos que faziam a manutenção dos aviões na rampa e eram responsáveis ​​pelo degelo. 

Antes de julho de 2012, os regulamentos russos não exigiam que os manipuladores em solo tivessem qualquer certificação especial, então o regime de treinamento básico da UTair Technic era de fato legal. No entanto, os regulamentos russos exigiam uma certificação de manutenção para tomar decisões relacionadas à aeronavegabilidade de uma aeronave, incluindo se havia ou não gelo nas asas. 

Isso resultou em uma situação confusa, em que os operadores de solo não exigiam nenhuma certificação para fazer o trabalho, mas uma parte fundamental do trabalho - aviões de degelo - exigia um certificado especial. Além disso, as regras da empresa UTair estipulavam que os manipuladores em solo deveriam ser treinados em uma instalação de treinamento aprovada, o que a UTair Technic não era.


Os investigadores compararam o treinamento recebido por manipuladores de solo não certificados e certificados e descobriram que a diferença era gritante. Em uma instalação de treinamento aprovada, os manipuladores de solo podem esperar receber 16 horas de treinamento teórico e prático relacionado ao congelamento de aeronaves. Mas na UTair Technic, eles receberam apenas 30 minutos! 

Os manipuladores de solo treinados pela UTair Technic não poderiam ter entendido o perigo de congelamento de aeronaves ou as nuances de detectá-lo em vários tipos de aviões. Eles sabiam como aplicar fluido descongelante e ponto final. 

O técnico de aviônica que inspecionou o voo 120 em busca de gelo não estava de forma alguma qualificado para fazê-lo e não entendia que era importante verificar os topos das asas de um ATR-72 ou quais seriam as consequências se ele não o fizesse. 

Apesar da falta de conhecimento, ele disse ao comandante que não havia encontrado gelo e, portanto, tomou uma decisão sobre a aeronavegabilidade do avião, que deveria exigir uma certificação.


O capitão Antsin, por sua vez, não tinha motivo para não aceitar o relatório do técnico pelo valor de face. Ele também tinha pouca compreensão dos perigos da formação de gelo no solo. Ele também não sabia, e não era obrigado a saber, toda a gama de condições meteorológicas que ocorreram durante as sete horas em que a aeronave esteve estacionada. 

E, finalmente, ele estava ansioso para voltar para casa para comemorar seu aniversário. Na verdade, seu desejo de ir para casa o mais rápido possível pode tê-lo levado a inconscientemente desconsiderar as pistas de que poderia haver gelo no avião (como a presença de neve fresca e o fato de que outros aviões estavam descongelando), ao mesmo tempo em que favorecia pistas que apoiaram seu resultado desejado (ou seja, uma ausência de gelo e uma partida no horário).


Poucos minutos depois, uma última oportunidade de evitar a partida do voo 120 foi tragicamente perdida. O supervisor de turno de assistência em solo estava trabalhando em um avião na vaga de estacionamento número dois, adjacente ao avião do acidente; ao contrário da maioria de seus subordinados, ele era totalmente certificado para tomar decisões de aeronavegabilidade. 

Enquanto ele estava trabalhando neste outro avião, o mecânico que inspecionou o voo 120 disse a ele que o capitão Antsin havia decidido não descongelar seu avião. De acordo com as regras da empresa, o supervisor era obrigado a chamar o despacho e impedir a liberação de qualquer aeronave em que houvesse evidência de gelo no solo e o piloto tivesse recusado os serviços de degelo. 

Tendo sido treinado em uma instalação adequada com o curso completo de degelo de 16 horas, ele deve ter reconhecido a probabilidade de que havia gelo no ATR-72, mas ele percebeu que os pilotos sabiam mais sobre isso do que ele, então se recusou a tomar qualquer atitude.


Mas mesmo depois que o avião partiu, um acidente não era inevitável. Os pilotos poderiam ter recuperado o controle com uma perda de apenas 300 pés, fazendo nada mais do que seguir os procedimentos de recuperação de estol existentes. Então, por que eles não seguiram essas etapas básicas para salvar seu avião? 

O fator chave foi o início repentino da tenda. Antes do golpe de pré-estol, o único sinal de que algo estava errado foi o comportamento incomum do elevador, que fez o Capitão Antsin aplicar compensação de nariz para baixo para manter o ângulo de subida adequado. 

O fabricante estava bem ciente de que isso poderia ser um sintoma de gelo no estabilizador horizontal e, de fato, um cenário baseado nesse fenômeno exato foi programado nos simuladores de voo Finnair usados ​​por ambos os pilotos durante o treinamento - mas o cenário não foi usado. 


Portanto, o comportamento do elevador pode ter parecido mais uma evidência de um problema mecânico do que um problema de gelo. Uma vez que o estol realmente ocorreu, os sintomas não correspondiam aos estol que os pilotos experimentaram durante o treinamento. 

Nas simulações de treinamento, as estol sempre se desenvolveram lentamente, com a velocidade no ar caindo progressivamente e o ângulo de ataque aumentando até atingir o ponto crítico. Mas, neste caso, a velocidade e o ângulo de ataque não mudaram: em vez disso, uma mudança na configuração da aeronave fez com que o ângulo de ataque crítico diminuísse repentinamente em direção ao ângulo real do avião. 

Conhecido coloquialmente como "perda de configuração", esse tipo de incidente já pegou os pilotos de surpresa antes: em 1972, 118 pessoas morreram quando o voo 548 da British European Airways experimentou um estol na mudança de configuração depois que o capitão retraiu os droops a uma velocidade no ar muito baixa. Em ambos os casos, o início quase instantâneo de um estol sem nenhum sinal de alerta anterior resultou na falha da tripulação em reconhecer que estava ocorrendo um estol.


Na verdade, as evidências sugerem que a primeira reação dos pilotos a esta perturbação repentina não foi iniciar o procedimento de recuperação de estol, mas procurar uma falha mecânica. O comportamento incomum do elevador já os havia colocado à procura de um problema mecânico, e a perda instantânea de controle parecia confirmar essa suspeita. 

Adicionando peso a essa teoria foi a resposta de Chekhlov à ordem de Antsin de relatar um problema: “Relatar o quê? Qual é a falha?” A recuperação de um estol depende dos pilotos empurrando o nariz para baixo para reduzir o ângulo de ataque. Mas, além de sua falha em reconhecer a causa do problema, nenhum dos pilotos foi treinado para reagir a estol em altitudes muito baixas, um procedimento que requer a supressão do impulso instintivo profundamente enraizado de não cair perto do solo. 

Quando o avião começou a perder altitude, O capitão Antsin começou a puxar com toda a força porque a proximidade do solo desencadeou uma resposta de luta ou fuga que anulou todo pensamento lógico. Suas ações também anularam o empurrador de manípulo que tentava derrubar automaticamente o nariz, embora esse sistema não pudesse ter salvado o avião sozinho, mesmo que tivesse permissão para operar.


Durante o breve voo e enquanto estavam no solo, os pilotos tomaram várias decisões erradas que contribuíram para o desfecho trágico. Embora parte disso se deva à falta de conhecimento, o MAK também acha que parte disso pode ser atribuído ao cansaço. Nenhum dos pilotos poderia ter dormido mais do que quatro horas e meia na noite anterior ao voo, com base em quando eles fizeram o check-in e check-out no hotel do aeroporto. 

Essa curta pausa para descanso foi permitida pelos regulamentos russos porque os pilotos haviam realizado apenas um voo no dia anterior (o voo para Tyumen pouco antes da meia-noite), efetivamente tornando este um turno dividido em vez de dois turnos separados com um intervalo completo para descanso entre eles. 

No entanto, essa interrupção em seu ciclo natural de sono teria reduzido seu desempenho mental pelo resto do dia. O MAK também descobriu que eles provavelmente desenvolveram fadiga de longo prazo devido a um horário de trabalho excessivamente exigente. A UTair estava se expandindo tão rapidamente que a única maneira de cumprir os horários era forçar os pilotos a voar o mais próximo possível do número máximo de horas mensais permitidas. 

Uma maneira de conseguir isso foi pressionando os pilotos a não passarem seus dias de férias - na verdade, no momento do acidente, ambos os pilotos acumularam mais de 100 dias de férias não utilizados, alguns dos quais normalmente seriam usados ​​para relaxar e recarregar. O resultado foi que os pilotos estavam sempre sobrecarregados e nunca operaram com desempenho máximo. 


Este foi um caso clássico de uma companhia aérea que pensou muito sobre se poderia e não o suficiente sobre se deveria. Muitas companhias aéreas tentaram expandir muito rapidamente em um esforço para ganhar dinheiro, sem se certificar de que suas redes de segurança são capazes de acompanhar. 

Entre 2010 e 2011, a UTair viu um aumento de 40% na rotatividade de passageiros, contratou mais de 200 novos pilotos e comprou várias dezenas de novos aviões. A companhia aérea não tinha instrutores suficientes para treinar todos esses novos contratados, e os pilotos que estavam prontos para voar descobriram que a companhia aérea havia recorrido à violação de seus limites de tempo de serviço. 

Apesar disso, o departamento de segurança de voo da UTair, que rastreou o cumprimento dos procedimentos de segurança, relatou uma queda nos desvios de procedimento em 2011 em comparação com 2010. A UTair afirmou ter analisado mais de 21.000 voos e encontrado apenas 26 desvios, uma afirmação de que o MAK abordou com ceticismo. 

Os investigadores acreditaram que o número real era muito mais alto, já que encontraram seis violações de procedimento apenas examinando voos anteriores que haviam sido retidos no gravador de dados de voo do avião acidentado. 

O MAK sentiu que o departamento de segurança de voo da UTair estava deliberadamente colocando muito pouco esforço na coleta de dados, simplesmente para que os gerentes de departamento pudessem relatar uma redução ano a ano nas violações, o que os faria parecer bem aos olhos de seus superiores. 

Este relatório autocongratulatório de "melhorias" sem sentido era uma maneira muito útil de conseguir uma promoção no emprego durante o tempo da União Soviética, mas também significava que o departamento praticamente não tinha dados para identificar e corrigir tendências inseguras no comportamento do piloto. 


Como resultado das descobertas da investigação, o MAK emitiu várias dezenas de recomendações destinadas a fechar brechas regulatórias, melhorar o treinamento sobre os perigos do gelo, aumentar a proficiência dos pilotos em inglês, melhorar a compreensão dos pilotos sobre o comportamento aerodinâmico de suas aeronaves, aumentar a regulamentação e conformidade processual na UTair, melhorar o sistema de gestão de segurança da UTair, fortalecer o processo de tomada de decisão em torno do degelo de aeronaves para garantir que nenhuma pessoa possa atuar como um único ponto de falha, e muito mais. 

Em novembro de 2015, o tribunal condenou o mecânico Andrey Pisarev e o gerente de manutenção Anatoly Petrochenko a cinco anos e um mês de prisão. O capitão Sergey Antsin, que morreu no acidente, também foi considerado culpado pelo acidente.

A partir de 1º de julho de 2012, os manipuladores em solo na Rússia agora precisam ser certificados, embora essa mudança tenha sido programada bem antes do acidente. Enquanto isso, as inspeções nas instalações da UTair Technic resultaram na suspensão das certificações de manutenção da empresa emitidas pela União Europeia e Bermudas, impedindo-o de operar em aviões registrados nesses países.

A maioria dos aviões construídos no Ocidente na Rússia, incluindo o avião acidentado, são registrados nas Bermudas para evitar tarifas de importação. Consequentemente, a UTair Technic precisava ser aprovada pelas autoridades bermudenses para atender esses aviões. E a própria UTair logo entrou em colapso sob seu próprio peso - em 2015, ela quase faliu e foi forçada a vender mais da metade de sua frota. 

No entanto, continua sendo uma das maiores companhias aéreas domésticas da Rússia e continua a manter um nível de segurança abaixo do padrão: em 2018, um UTair Boeing 737 escorregou da pista em Sochi e pegou fogo; todos os passageiros sobreviveram, mas um funcionário do aeroporto morreu de ataque cardíaco e o avião foi cancelado. E em 2020, outro UTair 737 foi substancialmente danificado depois que os pilotos pousaram na neve perto da pista de Usinsk, causando o colapso do trem de pouso.


A queda do voo 120 da UTair é um microcosmo de várias dificuldades sobrepostas que a indústria de aviação da Rússia tem enfrentado desde o colapso da União Soviética em 1991. Antes de 1991, a Rússia tinha um ambiente de segurança e uma rede de segurança regulatória completamente separados; usava apenas aeronaves russas e a única companhia aérea era a companhia aérea estatal Aeroflot. 

No início da década de 1990, no entanto, tudo mudou praticamente da noite para o dia: grandes porções da frota da Aeroflot foram vendidas e tornaram-se empresas privadas, que começaram a importar aeronaves construídas no Ocidente, projetadas para um conjunto de critérios totalmente diferente dos aviões soviéticos usados ​​pelos que os pilotos russos estavam acostumados. 

Muitos desses aviões vinham com documentação escrita em inglês e exigiam conjuntos de habilidades totalmente novos para voar com segurança. A Rússia também tentou importar uma rede de segurança regulatória ocidental, mas vários conceitos (como a posição de “manipulador em solo”) não mapeavam 1: 1 com os conceitos que foram desenvolvidos ao longo de 70 anos da aviação soviética. 

O resultado foi uma confusão generalizada e a adoção de técnicas de enfrentamento às vezes perigosas para cumprir regras que poucas pessoas realmente entendiam. O período pós-soviético na Rússia é um dos únicos períodos da história em que o padrão de segurança da aviação de um país realmente piorou. Hoje, a reputação da aviação russa está se recuperando - mas acidentes como o voo 120 da UTair mostram que ainda há muito trabalho a ser feito. 

Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos)

Com Admiral Cloudberg, ASN e, Wikipedia - Imagens: Bureau of Aircraft Accidents Archives, Russian Aviation Insider, Artyom Anikeev, Google, Matt McClain, MAK, RIA Novosti, Nasha Gazeta Yekaterinburg, MCHS Rossiya, Rossiyskaya Gazeta e The Moscow Times.

Aconteceu em 2 de abril de 1986: Atentado a bomba no voo 840 da TWA no céu da Grécia


Em 2 de abril de 1986, o voo 840 da Trans World Airlines era um voo internacional de passageiros entre Los Angeles, na Califórnia, nos EUA, ao Cairo, no Egito, via Nova York, Roma, na Itália e Atenas, na Grécia.

O voo, que se originou em Los Angeles em um Boeing 747, foi transferido para um Boeing 727 em Roma para o restante do voo. 


O Boeing 727-231, prefixo N54340, da TWA (foto acima), fabricado em 1974, e equipado com 3 motores turbofan P&W WJT8D-5, estava encarregado desse voo. A bordo da aeronave estavam 114 passageiros e sete tripulantes.

Após decolar de Roma, Itália, o voo permaneceu sem intercorrências até cerca de 20 minutos antes de pousar em Atenas, na Grécia, quando a aeronave estava a cerca de 11.000 pés. 

Nesse momento, uma bomba escondida sob o assento 10F durante uma etapa anterior do voo, detonou, explodindo e abrindo um buraco de 2m x 1m no lado estibordo da fuselagem na frente da asa.


Quatro passageiros americanos, incluindo um bebê de oito meses, foram ejetados pelo buraco para a morte. As vítimas foram identificadas como Alberto Ospina, um homem colombiano-americano; e Demetra Stylian, 52; a filha dela, Maria Klug, 25, e a neta Demetra Klug, de 8 meses, todas de Annapolis, Maryland. 

Outros sete membros da aeronave ficaram feridos por estilhaços quando a cabine sofreu uma rápida descompressão. No entanto, como a aeronave estava se aproximando de Atenas, a explosão não foi tão catastrófica quanto teria sido em uma altitude maior. 

Foto tirada dentro do avião logo após a explosão
Os restantes 110 passageiros sobreviveram ao incidente quando o piloto Richard "Pete" Petersen fez um pouso de emergência em segurança.

Apenas sete passageiros foram levados ao hospital e apenas três foram mantidos para tratamento. Um deles foi Ibrahim al-Nami, da Arábia Saudita, que disse estar sentado ao lado do homem que foi sugado com sua cadeira.

"Ouvimos um big bang do lado de fora da janela", disse ele, "e então vi o homem ao meu lado desaparecer e me senti sendo puxado para fora." Ele evitou compartilhar o mesmo destino agarrando-se ao assento de sua esposa.


Outro passageiro escapou porque ela deixou seu assento poucos minutos antes para ir ao banheiro. Florentia Haniotakis, uma greco-americana de Ohio, elogiou a tripulação e disse que ela confortou os passageiros durante o pouso de emergência.

Os corpos de três das quatro vítimas foram posteriormente recuperados de uma pista de pouso não utilizada da Força Aérea Grega perto de Argos; o quarto foi encontrado no mar.

Um grupo que se autodenominava 'Unidade Ezzedine Kassam das Células Revolucionárias Árabes' assumiu a responsabilidade, dizendo que o atentado foi cometido em retaliação ao imperialismo americano e confrontos com a Líbia no Golfo de Sidra na semana anterior.

Os investigadores concluíram que a bomba continha meio quilo de explosivo plástico. Quando a bomba foi colocada no chão da cabine, a explosão abriu um buraco para baixo, onde a fuselagem absorveu a maior parte dos danos. 


Suspeita-se que ele tenha sido colocado sob o assento em uma viagem anterior por uma mulher palestina nascida no Líbano, Mai Elias Mansur, uma suspeita de terrorismo ligada ao grupo extremista Abu Nidal, envolvida em uma tentativa abortada de bombardear um avião da Pan American em 1983. A Organização Abu Nidal se dedicava à destruição do Estado de Israel. 

Ela havia viajado no assento 10F em um voo anterior do mesmo Boeing 727. A Sra. Mansur negou veementemente qualquer envolvimento. Após dois anos de investigações infrutíferas, o Departamento de Estado dos EUA disse considerar que ela havia realizado o bombardeio, operando sob as ordens do conhecido terrorista palestino coronel Hawari.

Porém, ninguém nunca foi condenado pelo atentado. Anteriormente, essa organização terrorista havia sequestrado e bombardeado várias outras aeronaves, bem como cometeram vários ataques terroristas em partes do Oriente Médio. 


A aeronave foi substancialmente danificada, mas foi reparada e voltou ao serviço. A TWA pediu concordata em 2001 e foi adquirida pela American Airlines.

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com Wikipedia, ASN e BBC