quarta-feira, 4 de junho de 2025

A VASP e seus ‘pássaros’ no Aeroporto de Congonhas

Aeroporto na Zona Sul da capital paulista foi por décadas a principal fortaleza e base de operações da VASP, com hangares, oficinas de manutenção e sua vistosa sede. Em suas instalações passaram quase todos os modelos que a empresa paulista utilizou.

Boeing 737-200 da VASP em Congonhas (Aero Icarus)
As histórias do Aeroporto de Congonhas e da VASP estão intrinsecamente ligadas. O primeiro surgiu devido a necessidade da novata companhia aérea em ter um aeroporto que não fosse afetado pelas chuvas, como ocorria no Campo de Marte nos anos 1930. Os prejuízos eram tantos que a empresa pediu subvenção ao governo paulista e este preferiu estatizar a empresa em 10 de março de 1935. Até então, a transportadora possuía três aeronaves: dois General Aviation Monospar (PP-SPA e SPB) e um de Havilland DH.89 Dragon Rapide (PP-SPC).

Dragon Rapide (Domínio Público)
Em abril de 1936 chegou o primeiro trimotor Junkers JU-52 (PP-SPD), um dos maiores sucessos da indústria aeronáutica alemã do período. Batizado de “Cidade de São Paulo”, o PP-SPD realizou dois marcos históricos simultâneos: a inauguração do Aeroporto de Congonhas, em 05 de agosto de 1936, e ligar São Paulo com Rio de Janeiro na mesma data, sendo o embrião da Ponte Aérea Rio-São Paulo, uma das mais movimentadas ligações aéreas entre duas cidades no mundo.

Ao mesmo tempo que o PP-SPD decolava rumo ao Rio de Janeiro, o PP-SPE, batizado Rio de Janeiro, saía da então capital federal para São Paulo, ambos os voos com presença de autoridades municipais, estaduais e federais. Os voos especiais foram um sucesso e no retorno de cada avião para sua base, ambos sofreram incidentes que inviabilizaram suas operações por um período: o primeiro Ju-52 da VASP bateu com máquinas que trabalhavam na movimentação de terra em Congonhas, e o segundo trimotor com flutuadores no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

O Monospar, primeiro avião da VASP (Domínio Público)
A dupla alemã ficou em reparos e a diretoria da VASP esperou que ambos os aeroportos estivessem com as obras concluídas para operar regularmente na rota, fato possível a partir de 30 de novembro do mesmo ano, inaugurado pelo mesmo PP-SPD.

Informalmente Congonhas era conhecido como “Campo da VASP”, pois a criação do aeroporto foi um dos investimentos do governo estadual para viabilizar a empresa. Em julho de 1940, com dois Monospar e dois Junkers JU-52, a companhia operava dois voos diários (exceto aos domingos) para o Rio de Janeiro, dois semanais para Curitiba, sendo um deles indo até Florianópolis e um semanal para Goiânia via Ribeirão Preto e Uberaba. Era a maior operadora do terminal aéreo na zona sul de São Paulo, com 15 voos semanais, contra oito voos da Condor, quatro da Panair do Brasil e dois da Pan American World Airways.

Junkers JU-52
Em 1941, com mais dois Junkers JU-52, a VASP aumentava para três voos diários para o Rio de Janeiro, estendia a rota de Florianópolis até Porto Alegre e inaugurava um voo semanal para São José do Rio Preto via São Carlos.

No mesmo período, a Segunda Guerra Mundial restringia a obtenção de peças para a manutenção dos Junkers, impedindo não só a VASP, mas congêneres que operavam aeronaves alemãs, de expandirem suas operações. Os aviões eram retirados de operação e alguns até serviam de peças de reposição para a frota ativa.

O raro avião sueco Scandia


Com o término da guerra, diversos C-47/DC-3 utilizados no conflito estavam disponíveis por preços acessíveis e passaram a ser espinha da frota mundial no pós-guerra. Na VASP não foi diferente e em janeiro de 1946 chegou o primeiro avião. Robusto, fácil manutenção e confiável, o DC-3 operou na VASP por 28 anos, até 1974. A partir de Congonhas, a VASP usou o bimotor da Douglas para crescer no interior paulista, Minas Gerais, Norte do Paraná e Centro-Oeste. Em 1947, a VASP aposentou os Junkers JU-52 e por três anos (1947-1950) o Douglas DC-3 reinou sozinho no transporte de passageiros na empresa.

O Viscount, com 4 motores, foi um dos aviões usados na ponte aérea
O reinado do DC-3 na VASP se encerrou com a chegada do Saab 90 Scandia, bimotor sueco projetado para substituir o venerável Douglas. Apesar das excelentes qualidades, o Scandia foi operado por apenas duas empresas, a VASP e a Scandinavian Airlines System (SAS). A VASP recebeu os Scandia encomendados pela Aerovias Brasil, empresa que pertenceu brevemente ao Estado de São Paulo. Em meados da década de 1950, a VASP comprou os Scandias da SAS e tornou-se a única operadora mundial do modelo.

No 15º aniversário de Congonhas, o aeroporto era o terceiro mais movimentado do mundo, com 7.000 operações e mais de 100.000 passageiros circulando por mês no local. A VASP era uma das líderes deste crescimento, mas dividia o seu “campo” com outras operadoras, como a VARIG, REAL e as diversas empresas surgidas no pós-guerra.

Em 1958, a VASP realizava mais um pioneirismo: era a primeira empresa aérea do Brasil a operar turboélices ou, como propagavam na época, os “jatos-hélices”. Os Vickers Viscount 827 colocavam a VASP à frente da concorrência doméstica e permitiram que a empresa operasse novos voos saindo de Congonhas, rumo à Porto Alegre e Nordeste. Para uma empresa que operava com os versáteis DC-3 e Scandia, a chegada de uma aeronave nova representava um salto tecnológico poucas vezes visto na aviação comercial brasileira.

O sueco Scandia (Farnborough Air Sciences)
Em 06 de julho de 1959, o Scandia PP-SQU inaugurava a Ponte Aérea Rio-São Paulo, um serviço concebido em conjunto pela VASP, VARIG e Cruzeiro do Sul para concorrer com a REAL nos voos para o Rio de Janeiro. De forma inédita, as três empresas ajustavam as partidas a cada trinta minutos de cada cidade e um passageiro com o bilhete da VARIG poderia embarcar no primeiro voo disponível, seja da própria empresa quanto da VASP ou Cruzeiro do Sul, e a compensação era feita à noite.

Em 05 de janeiro de 1962, a VASP comprou o Lóide Aéreo Nacional, passando de uma empresa regional com forte atuação em São Paulo e estados limítrofes para uma nacional, com 25% do mercado de passageiros.

Nesta compra vieram aeronaves que a VASP nunca operou até então: Douglas DC-4, DC-6 e Curtiss Commando/C-46. Estas aeronaves não eram visitantes frequentes em Congonhas, com operações pontuais ou por conta de manutenção nas oficinas da empresa. Só no final da década de 1960 os DC-6 passaram a operar mais em Congonhas quando foram convertidos em cargueiros.

A fusão com o Lóide Aéreo Nacional reverteu os resultados operacionais dos anos anteriores para prejuízos e, diante desta situação, a VASP comprou 10 Viscount 701 da British European Airways (BEA) para operar em rotas em que competiam com os Caravelle da VARIG, Cruzeiro do Sul e Panair do Brasil. O modelo 701 substituiu o Scandia na Ponte Aérea e sua operação durou até 1969, quando o custo de fazer reforços estruturais nas asas devido ao período de ciclo de operação estar próximo do fim.

Dois One-Eleven marcam a entrada na era do jato


One-Eleven da VASP na Inglaterra (Divulgação)
A década de 1960 foi o alvorecer dos jatos na aviação mundial e, no Brasil, a VASP estava atrás das concorrentes em operar estes modelos. A tentativa de contar com jatos começou com a compra de seis Caravelle VI-R em 1962, mas a compra foi cancelada devido às condições financeiras e a VASP só receberia jatos apenas em dezembro de 1967, com dois BAC 1-11-400, comumente chamados de One-Eleven.

A dupla de bimotores britânicos começou a operar em 8 de janeiro de 1968, ligando Congonhas com Manaus via Rio de Janeiro e Belém, e Fortaleza com Porto Alegre, com as escalas em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Estes se tornaram o quarto modelo a jato puro a operar em Congonhas, depois do Caravelle, Convair 990 e Comet IV.

Samurai da VASP
No mesmo ano a VASP recebeu os NAMC YS-11, turboélice bimotor japonês, batizado de Samurai pela empresa e colocado em operação na rota entre Congonhas e Cuiabá. A VASP possuía a maior frota de turboélices do país, composta pelos Samurais e os Viscounts, todavia a empresa queria mais jatos, pois dois One-Elevens eram responsáveis por 24% da receita de passageiros por km (RPK em inglês) da VASP, que tinha uma frota de 38 aeronaves na época.

Boeing 737 da Vasp chegou ao país em 1969
Em 25 de julho de 1969, a VASP recebe os primeiros quatro Boeing 737-200 de uma encomenda de cinco. O primeiro deles, PP-SMA, tocou o solo de Congonhas às 16h36, com os outros três (SMB, SMC e SMD) pousando depois a cada quatro minutos de diferença. Antes disso, a quadra realizou diversos rasantes sobre o aeroporto, que viria ser o ninho da maior frota de 737-200 da América Latina nos próximos anos. Cinco dias depois da chegada, o PP-SMB realizava o primeiro voo comercial dos 737-200 no país.

A chegada de jatos nas empresas aéreas e a aposentadoria de aeronaves a pistão como C-47/DC-3 e C-46 reduziram drasticamente a quantidade de cidades servidas por via aérea no Brasil. A VASP também experimentava esta situação e, entre 1967 e 1972, realizou estudos para voos regionais a partir de Congonhas, operando em caráter experimental os de Havilland Canada DHC-6 Twin Otter (PP-SRV) em novembro de 1967, o Beech 99 (PP-SRW) em 1968, o Nord 262 (N26215) nas cores da americana Lake Central em fevereiro de 1969 e o Swearingen Metro (PP-SAF) em dezembro de 1972.

No final prevaleceu a vontade do Governo Federal em fomentar a Embraer e, em 04 de outubro de 1973, a VASP recebia os primeiros Embraer EMB-110 Bandeirante e, fazendo jus ao nome da aeronave, foram empregados nas rotas que ligavam Congonhas com o interior paulista.

O Boeing 727-200 foi o maior avião da VASP até a chegada do A300 (Pedro Aragão)
O Boeing 727-200 foi o terceiro modelo a jato que a VASP operou. Denominados Super 200, o primeiro deles (PP-SNE) foi recebido no dia 19 de abril de 1977, tornando-se a maior aeronave a ser operada até então em Congonhas. Em 03 de janeiro 1979, a empresa recebeu o primeiro de dois modelos do Boeing 727-100, destinados para os voos cargueiros. Com as cores básicas da Lufthansa, sua antiga operadora, o PP-SRY e PP-SRZ operaram até 1981.

Airbus A300, o primeiro widebody


No dia 22 de novembro de 1982, a VASP recebeu o Airbus A300B2K-200 proveniente de Toulouse, França. Recebido com grande festa e batizado de Epaminondas, o A300 foi a primeira aeronave de dois corredores (widebody) da VASP, e foi empregada nas rotas mais prestigiosas da companhia, ligando Congonhas com Manaus via litoral (Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém), via Brasília, e Porto Alegre. No dia 18 de janeiro de 1984, o A300 inaugurou o primeiro voo charter internacional de passageiros da VASP, ligando Congonhas com Orlando, via Manaus e Aruba.

Em 25 de janeiro de 1985, o Aeroporto Internacional de Cumbica era inaugurado em Guarulhos, e São Paulo contava agora com um aeroporto com melhor estrutura operacional que Congonhas – apesar da estrutura para receber grandes jatos, Viracopos, alternativa a Congonhas, era muito distante da capital.

O Airbus A300-B2 foi o primeiro widebody da empresa (Aero Icarus)
A partir de agosto de 1985, Guarulhos passou a receber voos domésticos de Congonhas, relegando suas funções para voos regionais e a Ponte Aérea com os Electras da VARIG. Os A300, B727-200 e B737-200 da VASP só pousavam no aeroporto para manutenção ou apresentação, como foi com o Boeing 737-300 PP-SNS em 29 de abril de 1986. Posteriormente, este modelo operou em uma Ponte Aérea alternativa, ligando Congonhas com Galeão cinco vezes por dia.

Após testes, o Departamento de Aviação Civil (DAC) aprovou a operação dos 737-300 no Santos Dumont e, em 11 de novembro de 1991, a VASP iniciava a operação deste modelo na Ponte Aérea.

Naquele ano, a VASP vivia um processo de expansão acelerada, desejo de seu novo dono, o Consórcio VOE-Canhedo, que venceu a licitação de privatização do governo do estado. E novos modelos foram recebidos: o Boeing 737-400, Douglas DC-8-70F, DC-10-30 e MD-11. Os dois últimos não operavam em Congonhas por restrições na pista, enquanto os outros pousavam para manutenção.

O raro DC-8-73F, cargueiro que visitava Congonhas nos anos 90 (Aero Icarus)
Com a VASP concentrando esforços em Cumbica e na expansão internacional, sua presença em Congonhas foi sendo gradativamente diminuída ao longo dos anos, perdendo espaço para as novatas Rio-Sul e TAM. Em dezembro de 1999, fazia ligações diretas apenas para Belo Horizonte (Pampulha), Brasília, Rio de Janeiro (Santos Dumont) e um charter para Porto Seguro.

Manutenção foi a atividade derradeira da VASP em Congonhas


A maxidesvalorização do Real afetou as receitas internacionais da empresa e agravou mais seus créditos na praça e, outrora base de chegada dos novos modelos, Congonhas passou a ser local de aeronaves paradas por falta de dinheiro para manutenção, ou que serviriam de peças para as outras aeronaves.

Com inúmeros voos atrasados ou cancelados, a VASP recebeu comunicado do Departamento de Aviação Civil (DAC) de suspender as operações comerciais a partir das 23h59 de 26 de janeiro de 2005, com o PP-SFJ realizando o derradeiro voo de passageiros da empresa. Pouco tempo depois, em 05 de fevereiro, foram os serviços cargueiros que pararam.

Em Congonhas ficaram paradas as seguintes aeronaves: A300 (PP-SNL e SNN), 737-200 (PP-SMF, SMG, SMQ, SMS, SMU e SFI) e o 737-300 PP-SOT. Todas foram desmanchadas em um programa da Justiça Federal para retirar aeronaves que estavam abandonadas em diversos aeroportos brasileiros.

Vários 737 da Vasp viraram sucatas após a falência da empresa (Aeroprints)
Mesmo sem operar voos de passageiros e cargas, a VASP usava seus hangares para fazer serviços de manutenção a terceiros até 08 de setembro de 2008, quando foi decretada a falência da empresa. O hangar principal era esporadicamente usado para eventos, como a LABACE.

O hangar, que recebeu outrora desde DC-3 até A300, passando pelos Viscount 827, Boeing 727-200 e 737-200, inclusive realizando serviços para terceiros, como os VC-96 presidenciais, está sendo demolido. Esta demolição faz parte de um acordo entre a Infraero e a rede de lojas de construção Leroy Merlin em implantar uma loja conceito no lugar de parte das instalações da VASP.

Curiosidades:


Ao longo de sua história, a VASP teve outras aeronaves que não eram destinadas ao transporte de passageiros ou carga. Eram destinados a aerofotogrametria, treinamento, transporte de diretores e até mesmo a serviço do governo do estado e, possivelmente, frequentavam o Aeroporto de Congonhas. Estes aviões eram parte do que chamavam de “Vaspinha”, e eram o Cessna 195, Beech D18S, Nord 1203 Norecrin II, Piper PA-23, Beech Queen Air 80, de Havilland Canada DHC-2 Beaver e o helicóptero Bell 47D, o primeiro do Brasil.

Durante a fase que a VASP foi acionista Ecuatoriana de Aviación, Lloyd Aéreo Boliviano e Transportes Aéreos Neuquén S.A (TAN), aeronaves destas empresas iam para Congonhas para manutenção, como os A310-300, 727-200, Saab 340, Swearingen Metro e Rockwell Commander.

O DHC-2 Beaver que voou na “Vaspinha” em serviços de aerofotogrametria (Reprodução)

Vídeo: O que sabemos do novo Avião-Radar da China?


Poucas aeronaves militares são mais valiosas que os modernos AEW&C, também chamados de AWACS – os popularmente conhecidos “aviões radares”. Muito mais que postos aéreos, em voo, de detecção precisa de praticamente todo tipo de alvo aéreo, estas aeronaves complexas e altamente avançadas tecnologicamente atuam como centros de controle e comunicações de toda uma área operacional – como os olhos de um enxadrista, analisando as posições e movimentos das peças do adversário no tabuleiro, e aí mexendo as suas... até o xeque-mate!

Por isso, cada novo modelo, cada versão melhorada, gera comentários, especulações e análises sobre suas reais capacidades. E imagine então, um avião desses totalmente novo, visto em fotos embaçadas... e da China!

Este é o KJ-3000, que o Ocidente descobriu em dezembro do ano passado, 2024, e que você vai conhecer neste vídeo, com tudo, mas tudo mesmo!, que se sabe dele – até o momento!

Porque pensar – faz bem!

Com Claudio Lucchesi e Kowalsky, no Canal Revista Asas, o melhor do Jornalismo de Aviação, e da História e Cultura Aeronáutica no YouTube!

Aconteceu em 4 de junho de 1976: Acidente da decolagem do voo 702 da Air Manila deixa 45 mortos em Guam


Em 4 de junho de 1976, o avião Lockheed L-188A Electra, prefixo RP-C1061, da Air Manila International, realizava o voo 702, um voo não programado de passageiros da Naval Air Station Agana, em Guam, para o Aeroporto Internacional Ninoy Aquino, em Manila, nas Filipinas, transportando 33 passageiros e 12 tripulantes, a maioria dos quais eram funcionários da base aérea.

A tripulação do cockpit era composta pelo capitão Roberto Javalera, 46, que trabalhava para a Air Manila desde 16 de setembro de 1964, atuou como piloto no comando do voo. Um piloto veterano, tendo registrado 10.016 horas totais de voo, aproximadamente 2.422:45 das quais foram acumuladas voando Lockheed L-188A Electras. Sua licença para operar o Lockheed L-188A Electras era válida de 1º de março de 1976 a 31 de agosto de 1976. Ele era obrigado a usar óculos para enxergar longe conforme necessário em voo, mas isso não foi um fator no acidente.

O primeiro oficial Ernesto Nacion, 40, serviu como copiloto, tendo trabalhado para a Air Manila desde 17 de abril de 1968. Sua licença de piloto era válida de janeiro de 1976 a 30 de junho de 1976. Nacion foi certificado como capitão reserva do L- 188 Electra em 10 de março de 1975. No momento do acidente, ele tinha um total de 8.906:44 horas de voo, das quais 2.037:21 foram no L-188 Electra.

O Engenheiro de voo era Johnathan Javalera (sem parentesco com o capitão), 32, que trabalhava para a Air Manila desde 28 de fevereiro de 1969 e o Oficial de socorro era Salvador Bello, 33, que trabalhava para a Air Manila desde 1º de fevereiro de 1970.

Os demais tripulantes eram o mestre de carregamento, dois mecânicos e quatro comissários de bordo. Uma das aeromoças a bordo era a Sra. Nelita (Nellie) Ner, 26 anos, de Manila, nas Filipinas. A Sra. Ner voou anteriormente como comissária de bordo na Northwest Orient Airlines, baseada em MNL.

A aeronave, o Lockheed L-188A Electra que contava com quatro motores Allison 501-D13, fez seu voo inaugural em 1958, então registrada na Eastern Airlines como N5502. A aeronave foi então vendida para a Air Manila em 30 de novembro de 1971. Os registros de manutenção mostravam o transponder listado como "inoperável". O motor nº 2 seria desligado a caminho de Guam devido a problemas mecânicos; vários pilotos relataram problemas com o motor nº 3 no registro de manutenção.

A Naval Air Station Agana, em Guam
O voo 702 da Air Manila caiu ao tentar decolar da pista 6L da Naval Air Station Agana às 14h47, horário de Greenwich, em 4 de junho de 1976. Segundos depois de decolar da pista, a hélice nº 3 embandeirada. Testemunhas relataram que o avião decolou da pista perto do marcador de 7.500 da pista de 10.015 pés, observando também que, apesar da hélice embandeirada, a decolagem parecia normal. 

Após a falha, o avião voou em altitudes variadas entre 75 e 100 pés por um tempo, depois voou nivelado por 1.600 pés antes de colidir com o terreno após o final da pista, arrastando-se por uma colina, empurrando uma cerca de arame e atingindo um carro na rodovia antes de parar em um espaço vazio antes de explodir. Todas as 45 pessoas a bordo, mais o motorista do carro atingido pela aeronave, morreram.

A principal causa do acidente foi a resposta inadequada da tripulação de voo à falha do motor. O capitão continuou o voo com a falha do motor, apesar de poder abortar a decolagem com segurança, ainda não tendo atingido a velocidade VR. O NTSB relatou as causas do acidente como "a perda da capacidade de subida depois que a tripulação retraiu os flaps em uma altitude muito baixa para limpar o terreno ascendente. Os flaps foram retraídos após a hélice número 3 embandeirar quando a aeronave decolou. Contribuiu para o acidente a decisão do capitão de continuar a decolagem depois que um motor falhou antes de atingir a velocidade de rotação."

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com Wikipédia e ASN

Aconteceu em 4 de junho de 1969: Voo Mexicana 704ㅤErro do piloto ou crime de Estado?


O que um político proeminente, mas polêmico, um piloto condecorado por ter estado na Segunda Guerra Mundial e um tenista profissional têm em comum? Que os três estavam no mesmo avião e morreram junto com outras 76 pessoas.

Este acidente é um dos mais misteriosos do México, oficialmente aparece como um erro do piloto em um voo controlado para o solo, mas há vozes que ainda ressoam dizendo que na verdade foi um ataque ordenado pela própria presidência da República para destruir um político que estava a bordo e infelizmente levaram todos aqueles que o acompanhavam involuntariamente naquele avião.

Vamos ver tudo o que envolveu este estranho acontecimento, no voo 704 da Mexican Aviation Company, conhecido como Mexicana, mas primeiro vamos ver quem foram esses três personagens citados.

O político era Carlos Alberto Madrazo Becerra (foto ao lado), que havia sido governador de Tabasco, seu estado natal, entre 1959 e 1964. Ele é responsável pela conversão de Villahermosa, a capital do estado, de uma cidade pequena em uma cidade poderosa e moderna.

No final do governo, foi presidente nacional do Partido Revolucionário Institucional (PRI), onde tentou democratizar a nomeação dos futuros presidentes do partido, que desde então, foram nomeados desde a Presidência da República. Madrazo queria que as bases partidárias elegessem os que julgassem os mais adequados.

Infelizmente ele entrou em conflito com o Presidente da República Gustavo Díaz Ordaz, pois aquele movimento de Madrazo ia contra os interesses de várias pessoas dos mais altos escalões de dirigentes políticos do México e isso o obrigou a renunciar à presidência do PRI em 1965. A partir daí, Medrazo se tornou uma pedra no sapato de Diaz Ordaz.

O piloto condecorado era o capitão do voo 704, Guillermo García Ramos, que vemos numa fotografia da época da Segunda Guerra Mundial quando tinha a patente de segundo tenente. 

Ele havia lutado no Pacífico Sul com vários camaradas mexicanos no lendário "201 Squad", que ajudou as forças aliadas a conter o poder do imponente Império Japonês que ameaçava todos os territórios do Pacífico.

Ramos foi abatido, mas salvou sua vida e foi resgatado, após o fim do conflito ele junto com os outros pilotos mexicanos. 

Ele recebeu homenagens tanto do governo dos Estados Unidos pelo qual lutou, quanto pelo governo do México e, com aquele rico histórico, se juntou à Mexican Aviation Company. Ele era o comandante do Boeing 727 envolvido no acidente do voo 704 da Mexicana.

O tenista foi talvez a maior glória que o México já teve (e que nunca foi igualada) no tênis profissional.

Rafael Osuna (foto ao lado), apelidado de 'El Pelón', havia vencido tudo que tinha que ser conquistado no chamado esporte branco, tanto que em 1963 ele se tornou o jogador número 1 no ranking mundial desse esporte.

Ele venceu o prestigioso torneio de Wimbledon duas vezes, um torneio Grand Slam e o torneio de duplas nacionais dos EUA.

Ele chegou à final da Copa Davis. perdeu para o poderoso time da Austrália, ou seja, daqueles que conhecem o melhor tenista que o México deu, não há ninguém como ele.

Dentre uma das homenagens póstumas, está a entrada no International Tennis Hall of Fame, em 1979.

Bem, esses são os três personagens notáveis ​​que estavam a bordo do voo 704. Agora vamos para o acidente.

O voo e o acidente


Estamos no Aeroporto Internacional Mariano Escobedo, na movimentada cidade norte de Monterrey, localizada no estado de Nuevo León, México. É manhã, a data é 4 de junho de 1969.


O Boeing 727-64, prefixo XA-SEL, da Mexicana de Aviación (foto acima), realizando o voo MX-704 decolou da Cidade do México com destino a Monterrey, às 7h02, horário local. 

Na aeronave batizada como 'Azteca de Oro', estava, a bordo 72 passageiros servidos por quatro comissários de bordo. À frente dos comandos está o Capitão Guillermo García Ramose com o primeiro oficial foi Carlos de Iturbide Magallón e o engenheiro de voo Alfonso Navarro Mazzini.

O voo transcorreu sem intercorrências até a aproximação final, quando a tripulação começou a descer a uma velocidade vertical de 1500-1600 pés/min (460-490 m/min) a uma velocidade no ar de 250 nós. 

Durante a aproximação ao Aeroporto Internacional Del Norte, a tripulação entrou em contato com o controlador de pouso e solicitou as condições climáticas e informações de tráfego. O despachante informou que o tempo sobre o aeroporto estava nublado com um limite inferior de 500 pés (150 m) com neblina, chuva fraca e nenhuma outra aeronave na zona do aeroporto.


A tripulação perguntou se o radiofarol na Cienega de Flores estava funcionando, tendo sido comunicado que não estava devido a um corte de energia elétrica. 

- Capitão García Ramos: "Mexicana 704 estamos na descendente, por favor nos informe o tráfego e as condições".

- Torre de controle de Monterrey: "Nenhum tráfego é relatado na área, em termos de clima, há um teto de 150 metros com chuva fraca e neblina".

- Capitão García Ramos: "Ciente e pendente..." [mais tarde] "Torre, o farol Ciénegas (radiofarol) está funcionando?"

- Torre de controle de Monterrey: "Negativo, não há corrente elétrica".

- Capitão García Ramos: "Ok, 704, você sabe, estávamos pensando em fazer a descida usando o marcador Ciénega de Flores, mas temos interferência de radiofarol não identificada, pendente".

Este último informe é estranho, pois eles estavam recebendo sinais de um radiofarol que não conseguiram identificar, e o radiofarol da Ciénega de Flores estava inativo por falta de eletricidade. Então, que sinais os pilotos do voo 704 estavam recebendo? 

- Capitão García Ramos: "Monterrey à vista, estamos descendo." E eles não contataram mais a torre de Monterrey.

Na torre de controle de Monterrey era esperada a chegada do voo 704. Também as famílias dos que viajaram a bordo estavam esperando, mas os minutos se passaram e nada aconteceu, até que ficou claro para eles que algo havia ocorrido com o avião. 

A aeronave havia colidido com a Sierra del Fraile e se partido, matando todas as 79 pessoas a bordo.  


O aviso de um avião perdido foi dado e as equipes de resgate foram convocadas para saber onde exatamente o avião estaria, e eles o encontraram. O Boeing 727 estava destruído. O que havia acontecido com ele?

No terminal aéreo a dor de quem esperava por aqueles passageiros era incrivelmente grande, eles não paravam de se perguntar o porquê dessa tragédia, e as equipes de resgate logo foram reforçadas por pessoal da então Polícia Rodoviária Federal, técnicos da Secretaria de Comunicações e Transport (SCT), do Exército mexicano, entre outros, para ir ao Cerro de Los Tres Picos, que fica na chamada Sierra del Fraile, estavam os restos macabros do que foi o voo 704.


E no decorrer das investigações, surgiu uma pergunta entre os que tinham algo a ver com tudo isso: o que poderia ter acontecido ao capitão García Ramos para que seu avião caísse? Os restos mortais dos passageiros para dizer de quem Estavam lá eles eram todas peças, não havia corpo inteiro, uma fonte cita que no corpo do político Madrazo Becerra faltava cabeça, braços e pernas, ele foi identificado pelo paletó que vestia, ali tinha suas iniciais bordadas.

Foi resgatado tudo o que foi possível e, segundo os que lá estiveram, tudo estava muito disperso, espalhado por cerca de 2.500 metros, o que gerou sérias dúvidas aos investigadores que conheciam o cenário de um acidente aéreo contra o solo. A cena não parecia não fazer sentido.

Quando um avião cai, por mais forte que seja o impacto contra o solo, sempre há uma cratera e os restos são normalmente espalhados a algumas centenas de metros ao redor. Neste caso foi sugerido um padrão mais em concordância com uma explosão em voo. Só desta forma poderia ser explicado porque os restos estavam tão dispersos por mais de 2.500 metros ao redor, e o mais revelador, não havia sinais de uma cratera.


O que houve a seguir foi um saque desenfreado dos pertences dos passageiros, e as autoridades não pareceram ter feito muito para impedi-lo. Se houve detidos por esses atos de roubo, foram muito poucos.

Investigação


A Secretaria de Comunicações e Transportes (SCT) investigou o acidente e determinou que o piloto não seguia o caminho de aproximação de pouso adequado. O relatório oficial afirma em parte que "o piloto sobrevoou o VOR de Monterrey (VHF Omnidirecional ou Radiofaro VHF Omnidirecional) sem se reportar à estação terrestre para então virar à direita e depois outro à esquerda em descida contínua mantendo o curso de 260º até colidir com o Cerro de los Tres Picos quando este ainda virava suavemente para a esquerda e marcava um curso de 232º."

A banca investigadora não conseguiu determinar o motivo de tal desvio, uma vez que os últimos minutos da gravação estiveram ausentes do gravador de voz da cabine. Também não foi possível determinar qual rádio o farol estava recebendo, pois o rádio do aeroporto naquele momento parou de funcionar devido à perda de energia elétrica. 

A notícia caiu como um tapa na cara de quem conhecia o capitão García Ramos, isso não podia ser, e menos de quem nasceu naquelas direções, que sabia perfeitamente que ali havia montanhas, que fez aquele voo do México para Monterrey e vice-versa rotineiramente, que tinha 25 anos de serviço no ar e mais de 15.000 horas de voo. 

O relatório do acidente não fazia sentido, e ainda mais quando se soube que o capitão García Ramos havia relatado antes de descer que não havia sinal do radiofarol da Ciénega de Flores e que também estava recebendo sinais de um radiofarol que podia identificar, e apresentava todos os indícios de que o avião se desviou deliberadamente do seu curso aproveitando o fato de haver forte nevoeiro naquela manhã.

Teorias da conspiração



Como estava a bordo o conhecido político mexicano Carlos Madrazo, surgiram também hipóteses de assassinato político, que não puderam ser refutadas ou comprovadas por falta de provas.

Alguns meios de comunicação mexicanos, como a Uno TV , argumentaram que o acidente foi um ato premeditado de assassinato político, já que o político Carlos Madrazo estava na aeronave quando ela caiu. 

Em uma entrevista à Revista Proceso no México, a escritora Patricia Rosas Lopategui também argumentou que o acidente foi um assassinato político contra Madrazo.

E começaram os boatos, alguns dos que estavam no resgate dos restos mortais lembram de ter visto dois caras que estavam perto de onde o dispositivo de Mexicana caiu, segundo um jornalista que estava lá, esses dois homens estavam sentados de pernas cruzadas. 

Eles deram o impressão de terem passado a noite inteira na montanha e de possuírem um dispositivo estranho, como um grande rádio. Aquilo foi misterioso, quão misterioso foi o modo como aqueles dois caras desapareceram de cena sem que ninguém pudesse lhes perguntar o que eles estavam fazendo lá. Estariam esperando o voo 704 passar para ativar um controle de rádio de bomba e despedaça-lo em milhares de pedaços?

O resgate dos gravadores de voz da cabine e dos dados de voo da aeronave foi um ponto alto, pelo menos no que diz respeito ao gravador, sabe-se que foi localizado 2 semanas após o acidente e que ao ser analisado, descobriu-se que faltava os últimos e vitais minutos de comunicações entre o Capitão García Ramos e a torre de Monterrey, o que se sabe é o que a torre gravou (ou pelo menos o que dizem oficialmente foi gravado). 

Teorias da conspiração afirmaram que roubaram o gravador de voz para apagar as evidências e então colocá-lo onde o encontraram, como se nada tivesse acontecido.

Outro ponto sombrio foi o fato de o radiofarol da Ciénega de Flores estar desligado no momento crucial em que o voo 704 passaria por lá. Segundo a torre de Monterrey, o radiofarol ficou sem eletricidade, mas não souberam explicar como isso aconteceu. 

O capitão García Ramos mencionou a eles que tinha sinais de um farol de rádio não identificado, e então voltamos aos dois homens misteriosos que alguns socorristas e um jornalista viram após o acidente do voo 704, aqueles que pareciam ter passado a noite anterior inteira no local da queda. 

O fato de o político Carlos Alberto Madrazo Becerra estar entre os passageiros foi muito revelador, já que ele havia tentado democratizar o PRI internamente, provocando a ira do presidente Díaz Ordáz e do então Secretário do Interior Luis Echeverría Álvarez que tinha grandes aspirações à presidência da República (e de fato foi o sucessor de Ordáz), pois as eleições federais já se aproximavam e se acreditava que Madrazo ia a Monterrey para iniciar sua própria campanha pelo mesmo cargo. Echeverría seria o candidato, ninguém mais, e Madrazo tinha que ser eliminado, e se inocentes morressem na manobra, como dizem no México, "o fim justifica os meios".

E, voltando à questão do resgate dos restos mortais, alguém encontrou algo comprometedor, uma pistola revólver calibre .38. Ao revisar a lista de passageiros constatou-se que viajava um integrante da então Polícia Rodoviária Federal chamado Raúl Chapa Zárate e também alguns agentes judiciais. 


Não é improvável que talvez Chapa Zárate ou algum daqueles oficiais de justiça pudessem entrar com aquela arma a bordo (se presume que era estritamente proibido). Ao ser ecaminada, descobriram que uma bala foi disparada. Teria havido uma briga a bordo que terminou em tiros? Então voltaríamos ao caso de por que o gravador de voz da cabine apareceu apagado em seus últimos minutos? Essa gravação captou esses tiros?

O gravador de dados de voo foi examinado, e havia outro mistério: foi dito que havia uma discrepância em quando em que altitude o aparelho estava, porque o registro de controle de voo mencionava uma altitude e o gravador tinha outra registrada. Como isso era possível?

As versões dos que viviam nas proximidades da Sierra del Fraile mencionaram que o avião nunca caiu no solo, mas sim o viram explodir no ar, ao contrário do que disseram as autoridades (que caiu por erro do piloto). 

Alguns especialistas foram informados de que a aeronave realmente atingiu o solo, mas parecia estranho que eles não tivessem encontrado uma cratera e que os restos estivessem muito dispersos, voltando novamente para a teoria da sabotagem.

Para quem apoia essa teoria, fica claro que aqueles homens misteriosos que foram vistos na montanha, aguardavam a passagem do avião para detoná-lo remotamente, numa teoria conhecida como "Operação Madrazo".

Seria mais ou menos assim: uma mala com explosivos teria sido trazida da Cidade do México e, de acordo com este plano em Monterrey, alguém tinha que se infiltrar nas instalações do aeroporto para entrar na sala do VOR e desligá-la pouco antes de o avião chegar para receber seu sistema de localização. 

Isso forçaria o piloto a não receber sinais VOR de ter que desviar para subir e fazer uma curva antes de solicitar a torre de Monterrey e então estaria ao alcance daqueles dois homens que de alguma forma guiarim o avião para onde eles quizessem e, uma vez que estivesse em posição, eles o explodiriam.

Vários anos se passaram e oficialmente continua a ser dito que a tragédia foi um erro do piloto. Alguns antigos moradores das proximidades da Sierra del Fraile junto com pessoas da nova geração dizem que ainda é possível encontrar restos do dispositivo. O governo se nega a dizer algo. É um assunto tabu, caso encerrado e nada mais.

O acidente foi o acidente de aviação mais mortal em solo mexicano até que o voo 940 da Mexicana, com outro Boeing 727, que caiu em 31 de março de 1986, matando todas as 167 pessoas a bordo.

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com Wikipedia, ASN e Los grandes accidentes aereos en el mundo

Vídeo/Documentário: Desastre aéreo de Stockport - O voo de feriado que terminou em catástrofe

Este documentário foi feito para marcar o aniversário do desastre (em inglês).

(Ative a legenda em português nas configurações do vídeo)

Aconteceu em 4 de junho de 1967: O desastre aéreo de Stockport, na Inglaterra


Em 4 de junho de 1967, um drama mortal se desenrolou nos céus da Inglaterra quando um antiquado avião a hélice perdeu dois de seus quatro motores ao se aproximar de Manchester. Enquanto os pilotos lutavam para manter seu Canadair Argonaut danificado no ar, eles se viram perdendo altitude e em rota de colisão com a densamente povoada cidade de Stockport. Sem ter onde pousar e quase sem controle do avião, tudo o que podiam fazer era pousar e torcer pelo melhor. O resultado foi catastrófico, pois o avião se chocou contra vários prédios e uma ravina arborizada, quebrando-se em pedaços e pegando fogo ao passar pelo centro da cidade. Embora os transeuntes tenham escapado milagrosamente dos ferimentos, os passageiros e a tripulação do voo 542 da British Midland não tiveram a mesma sorte: dos 84 a bordo, apenas 12 sobreviveram, retirados dos destroços pelos socorristas antes que o fogo consumisse o avião.

Os investigadores se depararam com um cenário de acidente intrigante. Dois motores claramente falharam, mas não havia nada de mecanicamente errado com nenhum deles, e o avião deveria ter bastante combustível. Meses se passaram até que descobrissem a existência de uma falha oculta no projeto do avião, que desencadeou a desastrosa sequência de eventos, uma falha que poderia causar a falha de um motor devido a apenas alguns milímetros de diferença na posição de uma alavanca da cabine. Era um problema que havia deixado pilotos perplexos, enganado engenheiros e sido identificado erroneamente ou ignorado por anos, uma peculiaridade que ressaltava a vigilância necessária ao pilotar um avião obsoleto de uma era com padrões de segurança menos rigorosos.

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Um DC-3 da Derby Airways, fotografado em 1961, antes da companhia aérea
mudar seu nome para British Midland (G. Bullock)
Em 1953, uma antiga escola de aviação em Birmingham, Inglaterra, decidiu se tornar uma companhia aérea regular, e assim nasceu a empresa que mais tarde seria conhecida como British Midland Airways. 

Embora tenha encerrado suas operações em 2012, a companhia aérea estava em seu auge, a terceira maior do Reino Unido, tendo ascendido de suas origens humildes com um único Douglas DC-3 para operar aeronaves de fuselagem larga em rotas intercontinentais para a África, América e Ásia. 

Mas para contar a história do dia mais mortal da companhia aérea, é preciso olhar para o início de sua história — para 1967, nos últimos dias da era do pistão, quando os aviões da década de 1940 ainda voavam pelos céus da Europa, embora em números rapidamente decrescentes.

Um Canadair North Star da Trans-Canada Airlines em 1948 (Bill Larkins)
Naquela época, a British Midland Airways operava uma grande variedade de aeronaves, entre elas três exemplares do Canadair C-4 Argonaut. O Argonaut era, em essência, um Douglas DC-4 cujos quatro motores Pratt & Whitney haviam sido substituídos por motores Rolls Royce Merlin de fabricação britânica, entre algumas outras mudanças projetadas para melhorar seu desempenho. Essa atualização do DC-4 foi originalmente realizada pela fabricante canadense Canadair a pedido da Trans-Canada Airlines, e 71 exemplares foram produzidos entre 1946 e 1950. 

O modelo, oficialmente conhecido apenas como Canadair 4, também era chamado de North Star, enquanto 22 exemplares entregues à British Overseas Airways Corporation ficaram conhecidos como C-4 Argonauts, embora não houvesse diferença significativa entre o Argonaut e o North Star. Originalmente projetados para 55 passageiros, os Argonauts da BOAC foram posteriormente equipados com significativamente mais assentos e, quando a British Midland Airways adquiriu alguns deles usados ​​no início da década de 1960, expandiu ainda mais a capacidade de passageiros para 78.

G-ALHG, a aeronave envolvida no acidente, vista aqui em 1965 (Ken Fielding)
A British Midland utilizava seus Argonauts para voos fretados para destinos turísticos europeus, um mercado lucrativo que ainda hoje movimenta grande parte da indústria aérea britânica. Um dos destinos mais comuns era Palma de Maiorca, uma bela cidade litorânea nas Ilhas Baleares, na Espanha.

Um dos Argonautas, registrado como G-ALHG (indicativo "Hotel Golf"), chegou a Palma de Maiorca na manhã de 4 de junho de 1967 para buscar uma carga completa de turistas que retornavam para Manchester, Inglaterra. O voo fretado, designado voo 542, seria comandado pelo Capitão Harry Marlow, de 41 anos, um piloto experiente com 10.000 horas de voo, e seu primeiro oficial novato, Christopher Pollard, de 21 anos, que havia começado a voar aos 18 anos e parecia ter uma carreira brilhante pela frente. Eles foram acompanhados naquele dia por dois comissários de bordo, um engenheiro de solo e 79 passageiros — o suficiente para preencher todos os 78 assentos, além de um extra, uma criança.

A rota do voo 542 dentro da Europa (Google + trabalho próprio)
Assim que todos os 84 passageiros e tripulantes estavam a bordo e o avião abastecido para a viagem, o voo 542 decolou de Palma de Maiorca às 6h06, horário local (4h06 UTC). As horas seguintes transcorreram sem incidentes, enquanto o avião sobrevoava a França e o Canal da Mancha sem problemas. Pouco antes das 9h UTC (10h, horário local, usado a partir de agora), o voo iniciou sua aproximação ao Aeroporto Ringway de Manchester e se preparou para o travamento no sistema de pouso por instrumentos.

Foi por volta desse horário — aproximadamente às 10h01 — que o motor número quatro, o mais externo da asa direita, parou de funcionar abruptamente. Quinze segundos depois, o motor número três, ao lado dele, também parou de gerar energia.

Quase imediatamente, o avião tornou-se extremamente difícil de controlar. O Capitão Marlow percebeu que o Argonaut havia adquirido uma vontade irresistível de puxar para a direita, o que só poderia ser neutralizado posicionando o leme o mais à esquerda possível. Lutando para lidar com a emergência repentina, Marlow comunicou-se por rádio com o controle de tráfego aéreo e disse: "O Hotel Golf está ultrapassando a velocidade, estamos com um pequeno problema com a rotação."

Ao ultrapassar a linha de voo — conhecido hoje como "go around" ou executar uma aproximação perdida — Marlow pretendia abandonar a aproximação, subir para uma altitude segura e resolver os problemas no motor antes de tentar novamente. De acordo com essa decisão, ele assumiu o controle do primeiro oficial Pollard, desviou para a direita e se preparou para retornar ao início do procedimento de aproximação.

Simultaneamente, o controlador instruiu a tripulação a virar à esquerda e subir a 767 metros, como era prática padrão em voos de ultrapassagem nesta pista. Ele então perguntou por que o voo 542 estava ultrapassando a velocidade, ao que Marlow respondeu novamente: "Estamos com um pequeno problema com o RPM, vou avisá-los."

Na verdade, este foi um caso de eufemismo britânico clássico, considerando a situação terrível com a qual os pilotos se deparavam. O voo 542 estava virando à direita não porque Marlow quisesse desobedecer às instruções do controlador, mas porque o avião simplesmente não conseguia virar à esquerda. Ao mesmo tempo, o tremendo arrasto dos dois motores com defeito e a redução geral no empuxo disponível impossibilitaram a aeronave de manter o voo nivelado, quanto mais de subir. De uma altitude de apenas 1.600 pés, o voo 542 começou a cair, lenta e inexoravelmente, em direção ao solo.

Mapa dos minutos finais do voo 542 (Air Safety Branch)
Já tendo retornado, o Capitão Marlow e o Primeiro Oficial Pollard não tinham escolha a não ser completar o loop de 360 ​​graus se quisessem retornar à trajetória de aproximação. E se quisessem chegar à pista, precisariam encontrar uma maneira de nivelar. Mas as leis da física estavam contra eles. Se nivelassem, a velocidade do avião começaria a cair assustadoramente e, se a deixassem cair demais, certamente sofreriam uma capotagem mortal.

O termo VMC, ou velocidade mínima de controle, refere-se à menor velocidade na qual o controle direcional da aeronave é possível com um ou mais motores com defeito no mesmo lado. A autoridade dos controles de voo diminui em velocidades mais baixas; portanto, abaixo de uma determinada velocidade, que seria a VMC, o leme não será mais capaz de neutralizar a guinada induzida pelo empuxo assimétrico dos motores, mesmo em deflexão total. Se a velocidade da aeronave cair abaixo da VMC, a aeronave guinará fortemente em direção ao(s) motor(es) com defeito, seguido segundos depois por uma rolagem e rotação incontroláveis ​​em direção ao solo.

Marlow e Pollard se depararam com uma situação assustadora: se tentassem nivelar e seguir em direção à pista, o arrasto na asa direita faria com que o avião desacelerasse continuamente até atingir o VMC e perder o controle. A única maneira de manter a velocidade acima do VMC era converter energia potencial em energia cinética descendo, mas descer rápido o suficiente para evitar a perda de velocidade os faria voar para o solo bem antes da pista. Assim, quer soubessem ou não, o voo 542 já estava condenado.

Corte transversal vertical dos últimos 15 minutos do voo (Air Safety Branch)
Ao contornar o loop, o avião havia caído abaixo de 300 metros e ainda estava descendo. Alarmado com a baixa altitude do voo, o controlador acionou o protocolo de resposta a emergências, e os bombeiros do aeroporto se apressaram para se preparar para um possível pouso forçado. Ao mesmo tempo, ele perguntou à tripulação do voo 542 se conseguiriam manter a altitude, ao que o Capitão Marlow respondeu: "quase".

Mas era uma falsa esperança. Passando a 120 metros do solo, o Argonaut desapareceu do radar do controlador; em outros lugares, testemunhas observavam alarmadas o avião voando baixo e devagar sobre bairros populosos, claramente com dificuldades para manter a altitude. Sua velocidade era de apenas 105 nós, pouco acima da velocidade média (VMC), e estava caindo.

O Capitão Marlow agora se deparava com um cenário de pesadelo. Seu avião estava caindo e um pouso forçado era inevitável, mas não havia onde colocá-lo: eles estavam sobrevoando a cidade de Stockport com apenas alguns segundos para escolher um local de pouso, e para onde quer que olhasse, havia prédios amontoados ao redor das ruas estreitas e sinuosas. O avião seguia direto para o centro da cidade, onde milhares de pessoas viviam e trabalhavam, a maioria delas sem saber que um avião de passageiros avariado estava prestes a cair sobre elas. O desastre era simplesmente inevitável.

A uma altitude de cerca de 60 metros acima do solo, o tempo se esgotou. O avião, voando perigosamente devagar, perdeu sustentação, estolou e caiu abruptamente, despencando em segundos. A asa esquerda atingiu um prédio residencial de três andares e foi arrancada, destruindo parcialmente vários apartamentos no processo, enquanto o restante do avião continuou a voar apenas 15 metros adiante, onde se chocou contra a beira de uma ravina arborizada e uma garagem acima dela, achatando a maior parte do prédio e deixando a cauda projetada para o espaço, sobre a borda de um muro de contenção.

O avião e os prédios adjacentes pegaram fogo logo após a queda (Manchester Evening News)
Embora não estivesse se movendo muito rápido, o avião parou de forma extremamente abrupta, submetendo os passageiros a uma desaceleração momentânea superior a 9 Gs. Este impacto brutal arrancou todos os assentos de seus suportes e fez as fileiras desabar para a frente como uma sanfona, arremessando dezenas de pessoas e assentos em um congestionamento horrível perto da frente do avião. 

A desaceleração e o esmagamento subsequente mataram várias pessoas imediatamente, mas muitas outras sobreviveram, quase todas gravemente feridas; em particular, barras de reforço de metal nas costas dos assentos causaram ferimentos horríveis nas pernas dos passageiros atrás deles, deixando os sobreviventes presos e incapazes de sair do avião por conta própria. E para piorar a situação, vários incêndios foram iniciados pelo impacto e, se se espalhassem para os tanques de combustível, mesmo aqueles que sobreviveram ao acidente enfrentariam a perspectiva de serem queimados vivos.

Civis e policiais correm em direção ao avião em chamas (Mancunian Matters)
Milagrosamente, a aeronave conseguiu passar entre a Prefeitura de Stockport, a Enfermaria de Stockport, a Delegacia de Polícia de Stockport e vários prédios altos de apartamentos, todos localizados a poucos passos do local do acidente. Na delegacia, localizada a menos de 100 metros do local do acidente, os policiais ouviram um enorme estrondo e correram para o local, alguns deles alcançando o avião em segundos. 

Ao chegarem, fizeram uma descoberta horrível: através de uma rachadura na fuselagem dianteira, puderam ver claramente um enorme emaranhado de passageiros mortos e feridos, muitos deles presos em suas fileiras de assentos desalojadas, todos incapazes de escapar. Policiais e civis aleatórios, desafiando as chamas espalhadas e o cheiro de combustível de aviação, correram para retirá-los, um de cada vez.

Apesar da grande corrida para ajudar, foi difícil resgatar os passageiros presos. Em dez minutos, conseguiram resgatar dez sobreviventes gravemente feridos e vários cadáveres, mas naquele momento um dos tanques de combustível do avião explodiu, forçando os socorristas a fugir. Momentos depois, o fogo tomou conta dos destroços da cabine de passageiros, e aqueles que ainda estavam presos lá dentro foram queimados vivos, mesmo enquanto os bombeiros lutavam para apagar as chamas.

Os restos da cabine esmagaram este carro ao parar. O Capitão Marlow foi resgatado
com vida deste mesmo local (Manchester Evening News)
No entanto, a cabine, que foi parar contra a parede da garagem, esmagando um carro, não foi envolvida no incêndio, e aqui os socorristas continuaram seus esforços desesperados. Depois de abrir caminho através dos escombros, eles conseguiram puxar o Capitão Marlow vivo dos destroços, seguido logo em seguida pelo Primeiro Oficial Pollard. Embora ambos tenham sido levados às pressas para o hospital, os médicos declararam Pollard morto em sua chegada. 

O Capitão Marlow sobreviveu com uma pancada na cabeça e uma mandíbula quebrada, embora ele tenha sido colocado sob forte sedação. Também foi encontrada viva a comissária de bordo Julia Partleton, que foi lançada para fora do avião com o impacto e escapou da bagunça dentro da cabine e do incêndio subsequente. Infelizmente, a maioria não teve tanta sorte: dos 84 a bordo, apenas Partleton, Marlow e os dez passageiros resgatados sobreviveram, enquanto os 72 passageiros e tripulantes restantes pereceram no acidente e no inferno que se seguiu.

Os tripulantes sobreviventes Harry Marlow e Julia Partleton
vários meses após o acidente (Manchester Evening News)
Quando as chamas foram extintas, vários prédios haviam sido destruídos, incluindo a garagem, e pouco restou do avião, exceto a cauda, ​​a cabine e as pontas das asas. Notavelmente, porém, ninguém em solo ficou ferido, um resultado que foi anunciado como um milagre em reportagens de todo o país. 

Embora tenha sido amplamente especulado na época que o Capitão Marlow propositalmente pousou o avião no melhor local possível, as evidências para isso são escassas, e a ausência de pessoas no ponto de impacto foi mais provavelmente uma coincidência. Infelizmente, o próprio Marlow não pôde fornecer nenhuma contribuição sobre esta questão, ou qualquer outra, porque a pancada na cabeça o deixou incapaz de se lembrar de qualquer coisa sobre a última parte do voo.

Primeira página de um jornal local no dia seguinte ao acidente (I Love Stockport no Facebook)
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Em 1967, a Grã-Bretanha não investigava acidentes da mesma forma que a maioria dos países faz hoje; em vez de o Accident Investigation Branch (AIB, hoje AAIB) assumir total responsabilidade, essa agência foi apenas uma das partes de um inquérito público liderado pelo Board of Trade, que na época regulava vários setores de transporte, juntamente com o Air Registration Board (ARB).

Composta por representantes da Câmara de Comércio, da AIB, da ARB, da British Midland Airways, da Canadair e de outras partes interessadas, a equipe de investigação chegou ao local logo após o acidente, esgueirando-se por trás de um cordão policial que havia sido montado para conter uma multidão de cerca de dez mil curiosos. A essa altura, eles já sabiam que o capitão havia relatado um problema com pelo menos um dos quatro motores do Argonaut. 

No entanto, quando os motores foram transportados para a fabricante Rolls Royce para desmontagem, não encontraram nada de mecanicamente errado em nenhum deles. No entanto, a hélice número quatro claramente não estava girando no momento do acidente e, na verdade, havia sido embandeirada — suas pás inclinadas de lado contra o vento — para melhorar sua aerodinâmica depois que o motor parou de gerar potência.

Depois que o fogo atingiu a fuselagem, a cauda caiu parcialmente na ravina (Gordon Austin Griffin)
O primitivo gravador de dados de voo do avião, que registrava quatro parâmetros em um rolo de fita, forneceu uma pista adicional. Ao combinar as leituras de velocidade e altitude da aeronave durante os últimos nove minutos de voo, os investigadores conseguiram demonstrar que o avião perdia energia continuamente até simplesmente cair no chão e parar. Os cálculos também mostraram que a única maneira de seu estado de energia se degradar naquela taxa específica era se dois motores falhassem, um dos quais embandeirado e o outro não. E, finalmente, o compensador do leme, que inclina o leme em uma direção específica, foi encontrado ajustado para a posição totalmente à esquerda, o que só seria necessário se os dois motores com falha estivessem no mesmo lado do avião. Isso significava que o motor três também devia ter falhado, mas que os pilotos nunca embandeiraram sua hélice, fazendo-a "girar" na corrente de ar que se aproximava, o que resultou em arrasto adverso significativo.

Uma série de testes de voo provou que, em tal estado, a aeronave era extremamente difícil de pilotar. Em 1967, aeronaves quadrimotoras eram obrigadas a pilotar razoavelmente bem com dois motores desligados, mesmo do mesmo lado, mas o Argonaut foi projetado em 1946, antes que tais padrões rigorosos existissem. Caso tal evento acontecesse no Argonaut, manter a altitude seria impossível em qualquer cenário, e o piloto precisaria pressionar o pedal do leme oposto até o chão apenas para manter a aeronave voando em linha reta. Essas tendências eram bastante alarmantes, e estava claro que manter a aeronave sob controle em tal cenário exigiria total atenção do capitão, em detrimento da maioria das outras tarefas. O Argonaut, anterior a todas as formas de automação, exceto as mais simples, exigia uma técnica de voo muito prática, mesmo quando tudo estava funcionando corretamente, e nessa emergência terrível a carga se tornou quase incontrolável.

Uma vista aérea do local do acidente durante o processo de limpeza dos destroços
(Manchester Evening News)
Assim que o voo 542 interrompeu sua aproximação inicial para Manchester, essas características aerodinâmicas e de manuseio fizeram com que a tripulação perdesse qualquer chance de chegar ao aeroporto sem religar pelo menos um dos motores com defeito. No entanto, o Capitão Marlow não tinha como saber disso quando tomou a decisão de ultrapassar a linha de voo, e dedicar algum tempo para descobrir a natureza do problema deve ter parecido mais prudente. Infelizmente, ao tomar essa decisão aparentemente razoável, ele involuntariamente desviou o avião de sua única chance de um pouso seguro.

Equipes trabalham para remover a parte da cauda da ravina (British Pathé)
Uma questão igualmente importante, no entanto, era por que os motores falharam, se não havia nada de mecanicamente errado com eles. A explicação mais óbvia era o esgotamento do combustível, mas os registros mostravam que o voo 542 decolou com combustível mais do que suficiente para a viagem, e não havia evidências de vazamento. Além disso, havia claramente uma grande quantidade de combustível no local do acidente, ou o avião não teria explodido dez minutos após a queda.

Esse problema deixou os investigadores perplexos por mais de quatro meses, até que pilotos de outras companhias aéreas revelaram uma bomba: era possível transferir combustível acidentalmente entre os oito tanques de combustível do Argonaut, potencialmente cortando o fornecimento de combustível de um ou mais motores, sem que ninguém percebesse.

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As localizações do seletor de fonte de combustível e das alavancas de
alimentação cruzada de combustível (Air Safety Branch)
Entender o problema requer um mergulho profundo no sistema de combustível do Argonaut. (Leitores do meu artigo anterior sobre o voo 608 da United Airlines, envolvendo o Douglas DC-6 relacionado, podem achar esta seção familiar) 

No Argonaut, como em outros aviões similares, cada motor tem dois tanques de combustível: um tanque principal e um tanque auxiliar. Quatro alavancas seletoras de fonte de combustível, localizadas na frente do quadrante do acelerador no lado do capitão, permitem que o piloto alterne a fonte de combustível de cada motor entre os tanques principal e auxiliar. No lado do primeiro oficial do quadrante do acelerador, duas alavancas adicionais de design idêntico, chamadas alavancas de alimentação cruzada, permitem que o piloto opere cada motor com o tanque de combustível de um motor diferente.

Um diagrama do sistema de combustível. Observe o papel do seletor de combustível e
das válvulas de alimentação cruzada (Air Safety Branch)
O sistema de alimentação cruzada funciona da seguinte forma. Quando a alavanca de alimentação cruzada direita está posicionada totalmente para a frente e para baixo, o sistema é desligado e não ocorre alimentação cruzada. Quando esta alavanca é puxada para trás até o seu ponto médio, uma válvula se abre entre os motores três e quatro, permitindo a alimentação cruzada entre os motores. O piloto pode então escolher qual tanque pertencente aos motores 3 e 4 será a fonte de combustível, ligando a bomba de reforço naquele tanque. Por exemplo, colocar a alavanca de alimentação cruzada direita na posição entre os motores e ligar a bomba de reforço no tanque principal número três fará com que o combustível deste tanque flua para os motores 3 e 4.

Por fim, se as alavancas de alimentação cruzada forem puxadas totalmente para cima e para trás, elas atingirão a posição de "alimentação cruzada transversal", permitindo que um ou mais tanques de combustível em uma asa alimentem os motores da outra asa. Assim, com a alimentação cruzada transversal ativa e a bomba de reforço ativa (por exemplo) no tanque principal número três, todos os quatro motores podem ser abastecidos por esse tanque.

Vista em planta de uma válvula de alimentação cruzada fechada.
Observe as setas que indicam o fluxo de combustível (Air Safety Branch)
O design da válvula que abre e fecha as linhas de alimentação cruzada é significativo. Cada uma das duas válvulas — uma na asa direita e uma na esquerda — fica na intersecção de três linhas de combustível: uma de cada um dos dois motores naquela asa e a linha transversal. A válvula tem três pontos de entrada, cada um separado por 60 graus, enquanto a outra metade da válvula circular tem três pastilhas de parada de carbono, cada uma também separada por 60 graus, como mostrado no diagrama acima. Girando a válvula, é possível alinhar diferentes pontos de entrada e pastilhas de parada de carbono com diferentes combinações de linhas de combustível.

Por exemplo, quando totalmente fechadas, duas das três linhas de combustível são bloqueadas pelas pastilhas de parada, o que significa que não pode ocorrer alimentação cruzada. Girar a válvula 60 graus alinhará dois dos pontos de entrada da válvula com as linhas para os dois motores, permitindo a alimentação cruzada entre motores, enquanto uma pastilha de parada continua a bloquear a linha transversal. No entanto, esta linha também pode ser aberta girando a válvula mais 60 graus. Os 120 graus de movimento da válvula correspondem aos 80 graus de movimento da alavanca de avanço cruzado associada.

Fluxo de combustível através da válvula de alimentação cruzada quando aberta (Air Safety Branch)
Como visto no próximo diagrama, no entanto, o sistema se torna complicado se a válvula for ligeiramente girada para longe da posição totalmente fechada. O problema é que as pastilhas de parada de carbono são a única parte da parede externa da válvula pela qual o combustível não pode passar, e elas são apenas ligeiramente maiores do que as aberturas das linhas de combustível que elas bloqueiam. 

Portanto, conforme a alavanca de alimentação cruzada está sendo movida entre suas três posições — fechada, entre motores e transversal — há inúmeras posições intermediárias possíveis onde o combustível fluirá através da válvula para todas as três linhas, mesmo que o piloto não tenha comandado isso. De fato, o combustível fluirá não apenas para a linha entre motores, mas também para a linha transversal se a alavanca de alimentação cruzada for deixada a mais de cerca de dez graus da posição totalmente fechada, mesmo que esse arranjo só deva ocorrer quando a alavanca for puxada 80 graus completos para cima e para trás, na posição de alimentação cruzada transversal.

Em termos práticos, isso significa que o combustível fluirá entre os tanques por si só se o piloto não empurrar as alavancas de alimentação cruzada até o batente "desligado". Se nenhuma bomba auxiliar estiver ligada, o combustível geralmente fluirá dos tanques 1 e/ou 4 para os tanques 2 e/ou 3 sob a força da gravidade, pois as asas se inclinam para cima em direção à ponta. Se não for controlado por tempo suficiente, isso pode eventualmente fazer com que o combustível nos tanques externos 1 e/ou 4 seja completamente drenado.

Muitos em Stockport expressaram alívio pelo avião não ter atingido os arranha-céus ao fundo (Stop in Stockport)
Mas com que frequência isso realmente acontecia? A resposta, como os investigadores logo descobririam, era — o tempo todo. O primeiro problema era que, dos assentos dos pilotos, não era possível dizer a diferença entre uma alavanca de alimentação cruzada que estava totalmente desligada e uma que estava 10 graus a menos de totalmente desligada, porque as alavancas estavam posicionadas na frente do quadrante do acelerador, onde a visão do piloto delas era frequentemente obstruída pelas alavancas do acelerador. 

Em segundo lugar, se o piloto estivesse usando o cinto de segurança, era muito difícil alcançar o suficiente para ter certeza de que a alavanca estava na posição totalmente desligada. E terceiro, enquanto sentado com o cinto de segurança preso, o capitão não conseguia alcançar as alavancas de alimentação cruzada, nem o primeiro oficial conseguia alcançar as alavancas seletoras da fonte de combustível, dificultando ainda mais qualquer tentativa de verificar suas posições.

Além disso, os pilotos relataram que não havia ruído ou aumento de resistência quando as alavancas de alimentação cruzada eram colocadas totalmente para trás ou totalmente para a frente — apenas na posição central (intermotor). Assim, ao desligar a alimentação cruzada, eles normalmente apenas empurravam a alavanca o máximo possível para a frente, mas se não avançassem o suficiente, ou se acidentalmente puxassem a alavanca ligeiramente para cima novamente, a válvula de alimentação cruzada se abria e o combustível começava a fluir em direções imprevisíveis.

Pertences dos passageiros são recuperados dos destroços, incluindo,
aparentemente, uma boneca de criança (Manchester Evening News)
Apesar de a companhia aérea operar Argonauts desde 1961, ninguém na British Midland havia reconhecido a verdadeira natureza do problema. Casos de transferência inadvertida de combustível foram observados enquanto os Argonauts estavam estacionados durante a noite, mas os engenheiros atribuíram isso ao manuseio incorreto das alavancas de alimentação cruzada, e os pilotos acreditavam que tal transferência inadvertida era impossível em voo.

Na realidade, os engenheiros simplesmente tinham a vantagem de manipular as alavancas de um ângulo mais conveniente, sem o peso de outras tarefas de voo, o que lhes permitia detectar com mais facilidade quando as alavancas de alimentação cruzada estavam ou não totalmente fechadas. Não se percebeu que perceber essa discrepância seria consideravelmente mais difícil em voo, nem os pilotos entendiam que o mecanismo que permitia a transferência inadvertida de combustível entre tanques era tão aplicável no ar quanto em solo.

Uma enorme multidão de curiosos se reuniu no local (Manchester Evening News)
Ao examinar os registros de combustível de voos anteriores, os investigadores descobriram uma série de incidentes suspeitos de transferência inadvertida de combustível em voo, que passaram despercebidos na época. Um desses casos ocorreu no Hotel Golf, a aeronave acidentada, pouco mais de cinco dias antes de sua queda. Em 28 de maio, dois pilotos da British Midland se preparavam para voar no Hotel Golf de Manchester para Palma de Maiorca quando a tripulação anterior os informou que o indicador principal de quantidade de combustível número 4 estava com leitura significativamente abaixo do esperado, enquanto o indicador número 3 estava completamente inoperante. 

Durante o voo, os pilotos notaram que esse era realmente o caso — de fato, a cerca de uma hora de distância de seu destino, o indicador mostrava que o tanque principal número 4 tinha muito menos combustível do que deveria, enquanto o indicador principal de quantidade de combustível número 3 mostrava um valor excessivamente alto. O capitão concluiu que esse era o problema de indicação descrito pela tripulação anterior, mas o primeiro oficial não estava totalmente convencido, então ele e o engenheiro de solo decidiram monitorar o fluxo de combustível para o motor número 4 em busca de qualquer sinal de que ele pudesse estar com nível baixo.

À medida que o avião se aproximava de Palma de Maiorca, o primeiro oficial viu uma queda notável no fluxo de combustível para o motor número 4 e respondeu imediatamente abrindo a alimentação cruzada entre motores direita para abastecer o motor com combustível do tanque principal número 3. O avião pousou alguns minutos depois sem incidentes. 

Posteriormente, o primeiro oficial e o engenheiro de solo registraram a quantidade de combustível que precisava ser colocada de volta em cada um dos tanques principais para enchê-los para a viagem de volta. Para sua surpresa, eles calcularam que devia haver apenas 14 galões (64 litros) de combustível restantes no tanque principal número quatro na chegada — ou seja, estava praticamente vazio. No entanto, esse resultado foi tão inesperado e bizarro que a dupla concluiu que devia ter cometido um erro de cálculo e decidiu não relatar os detalhes do incidente à companhia aérea. Se tivessem feito isso, os pilotos do voo 542 poderiam ter sido avisados ​​do perigo.

Investigadores examinam os destroços na ravina (I Love Stockport no Facebook)
Considerando essas evidências, uma sequência plausível de eventos a bordo do voo 542 começou a emergir. De acordo com os registros de abastecimento, os quatro tanques principais do Argonaut foram abastecidos até a capacidade máxima em Mallorca, enquanto 100 galões (455 litros) foram colocados nos tanques auxiliares número 1 e número 4. Uma vez no ar, os pilotos seguiram uma sequência padrão de configurações do sistema de combustível. 

Durante a subida inicial, eles acionaram todos os quatro motores a partir de seus tanques principais. Então, durante a primeira parte da fase de cruzeiro, eles acionaram todos os quatro motores a partir dos dois tanques auxiliares, o que exigiu a abertura de ambas as alavancas de alimentação cruzada para a posição entre motores. Uma vez que esses tanques estivessem com pouca carga, os pilotos teriam trocado todos os motores de volta para seus tanques principais e fechado as alavancas de alimentação cruzada. Foi nesse ponto que pelo menos a alavanca de alimentação cruzada direita foi acidentalmente deixada alguns graus aquém de totalmente fechada.

Com a válvula de alimentação cruzada direita aberta, o combustível começou a fluir morro abaixo do tanque principal número 4 para o tanque principal número 3. Cálculos baseados nos registros de consumo de combustível mantidos pela tripulação do voo 542 sugeriram que o tanque principal número 4 teria ficado completamente sem combustível cerca de 44 minutos antes do acidente. No entanto, o motor número quatro não falhou neste ponto, nem mostrou qualquer sinal de desempenho ruim. De fato, quando não havia mais combustível para fluir morro abaixo do tanque principal 4 para o tanque principal 3, a bomba de combustível que alimentava o motor 4 começou a sugar o combustível de volta na outra direção, puxando do tanque 3 para manter o motor 4 funcionando.

A polícia trabalha no local do acidente (Manchester Evening News)
O voo 542 provavelmente voou nesse estado por mais de 30 minutos sem que ninguém percebesse. Embora o indicador de quantidade de combustível número 4 indicasse "vazio", isso não fazia parte da varredura normal dos instrumentos dos pilotos, pois os medidores de combustível do Argonaut eram amplamente considerados não confiáveis. Em vez disso, os pilotos confiavam principalmente nas leituras de fluxo de combustível para determinar se estavam queimando combustível na taxa esperada ou não. E como o combustível ainda estava fluindo para o motor 4 através da alimentação cruzada do motor 3, os medidores de fluxo de combustível não indicavam nenhum problema, e os pilotos permaneceram, felizmente, sem saber que um de seus tanques estava, na verdade, vazio.

Esse fato só os atingiu após o início da descida para Manchester, quando os pilotos iniciaram a lista de verificação de aproximação. Um dos itens da lista de verificação de aproximação era verificar se todas as válvulas de alimentação cruzada estavam fechadas. Se o Primeiro Oficial Pollard tivesse seguido o procedimento corretamente, ele teria se esticado e pressionado as alavancas de alimentação cruzada para se certificar de que estavam totalmente fechadas. Isso teria finalmente fechado a válvula de alimentação cruzada, interrompendo o fluxo de combustível para o motor 4, que então parou imediatamente.

O que restou da ala esquerda pode ser visto em meio aos escombros do prédio
com o qual colidiu (I Love Stockport no Facebook)
Mas aqui os investigadores se depararam com um problema desconcertante: por que o motor 3 também falhou 15 segundos depois, como deve ter ocorrido, de acordo com o gravador de dados de voo? No final, eles chegariam a duas teorias plausíveis, nenhuma das quais pôde ser confirmada.

A primeira teoria era mais ou menos assim. Como as alavancas seletoras da fonte de combustível tinham o mesmo design das alavancas de alimentação cruzada, também era possível abrir inadvertidamente a válvula, permitindo que o combustível se movesse entre o tanque principal e o tanque auxiliar de um motor exatamente da mesma maneira descrita anteriormente com o sistema de alimentação cruzada. Se a válvula seletora da fonte de combustível número três fosse aberta ao mesmo tempo que a válvula de alimentação cruzada direita, o combustível dos tanques principal 4 e principal 3 teria fluído para o tanque auxiliar número 3, onde teria se acumulado durante o voo. 

Como resultado, o tanque principal 3 teria ficado com o mesmo nível de combustível do tanque principal 4 e, portanto, o motor 3, usando seu tanque principal, também ficou sem combustível quando o voo 542 se aproximou de Manchester. Se os pilotos não tivessem descoberto que todo o combustível da asa direita havia fluído para o tanque auxiliar número 3, eles não teriam conseguido religar nenhum dos motores.

Algumas pequenas chamas ainda queimavam no local do acidente muitas horas após o acidente
(I Love Stockport no Facebook)
No entanto, havia alguns pontos que lançavam dúvidas sobre essa teoria, mesmo que não pudessem descartá-la completamente. Um deles era que o último registro no registro de consumo de combustível do voo não mostrava nenhum combustível faltando no tanque principal número 3, embora deva ser observado que esse registro foi feito mais de duas horas antes do acidente e muita coisa pode ter mudado durante esse período. O outro problema com a teoria era que ela não explicava por que a hélice número 4 estava embandeirada e a número 3 não.

A segunda teoria tentou retificar ambos os problemas, mas baseou-se em um grau ainda maior de especulação. De acordo com essa teoria, o motor 3 tinha bastante combustível, mas quando o motor 4 falhou, os pilotos o identificaram erroneamente como motor 3. Isso era inteiramente plausível, já que o Argonaut era anterior à introdução de avisos de falha do motor, e o medidor de RPM da hélice não teria utilidade, já que o Argonaut usava hélices de velocidade constante, nas quais um regulador de velocidade mecânico mantinha a hélice girando na mesma velocidade comandada pelos pilotos, mesmo que não houvesse combustível fluindo para o motor. Assim, a única maneira confiável de dizer qual motor havia falhado era olhar os medidores de fluxo de combustível. 

No entanto, esses eram medidores antiquados de ponteiro duplo, onde um ponteiro mostrava o fluxo de combustível para o motor 4 e um segundo mostrava o fluxo de combustível para o motor 3 no mesmo mostrador, tornando fácil confundir um ponteiro com o outro à primeira vista. Se isso tivesse ocorrido, o Capitão Marlow poderia ter desligado o motor 3 e acionado a hélice, pensando que esse motor era o que havia falhado.

Trabalhadores usam um guindaste para recuperar a cauda da ravina
(Greater Manchester Transport Society)
No entanto, ele logo teria percebido que o embandeiramento da hélice do motor 3 para reduzir o arrasto não havia melhorado a dirigibilidade do avião como ele esperava (o motivo era que, na verdade, era a hélice 4 que estava causando o arrasto). Depois de se esforçar para manter o avião reto e nivelado, ele ou seu primeiro oficial poderiam ter notado que o motor 4 era o que havia parado. Os pilotos, naquele momento, poderiam ter embandeirado a hélice 4 e, em seguida, desembandeirado a hélice 3, preparando-se para religá-la, apenas para ficarem sem tempo e altitude.

Em princípio, os oito ou nove minutos entre a primeira falha do motor e o acidente deveriam ter sido suficientes para que os pilotos desligassem o motor errado, percebessem o erro, desligassem o motor correto e ligassem o outro motor novamente, evitando o acidente. No entanto, realizar essas etapas teria sido consideravelmente mais difícil pelo fato de o Capitão Marlow ter que aplicar toda a sua concentração mental e força física apenas para controlar o avião. Executar as etapas necessárias caberia ao Primeiro Oficial Pollard, de 21 anos, juntamente com literalmente todas as outras tarefas além de manipular os controles, uma carga de trabalho que os investigadores consideraram alta demais para uma única pessoa. Nessas circunstâncias, era plausível que os pilotos não tivessem conseguido religar o motor 3 antes que o avião atingisse o solo.

Outra vista da cena do outro lado da ravina (Gordon Austin Griffin)
A única evidência direta para esse cenário veio do próprio Capitão Marlow, que, sob forte sedação no hospital, proferiu as palavras: "Qual motor era?". Essa pergunta implicava que havia confusão sobre qual motor havia falhado, embora fosse impossível verificar sua intenção ao perguntar, pois ele já havia esquecido tudo quando recobrou os sentidos. Caso contrário, o cenário era pura especulação, assim como a alternativa. Incapazes de descartar qualquer uma das duas possíveis explicações para a falha do motor 3, os investigadores deixaram o assunto indeterminado.

No entanto, olhando para trás, de uma perspectiva de 55 anos no futuro, parece prudente adicionar a possível influência da fadiga do piloto como um fator que sustenta o cenário de identificação incorreta. No momento do acidente, os pilotos estavam em serviço há quase 13 horas — dentro dos limites de tempo de serviço britânicos em vigor em 1967, mas um pouco fora do novo conjunto de limites que entrou em vigor em 1968 e muito além dos limites que existem hoje. 

Grande parte do avião foi reduzida a pedaços de alumínio derretido (I Love Stockport no Facebook)
Além disso, esse turno de 13 horas ocorreu durante a noite, e o Capitão Marlow estava acordado continuamente desde as 18h do dia anterior. Embora os investigadores tenham afirmado que não havia evidências de que os pilotos estivessem "excessivamente cansados", a ciência moderna nos ensinou que a fadiga é quase uma certeza ao trabalhar em tal horário, mesmo que não se manifeste externamente. Assim, se o acidente acontecesse hoje, e se fosse descoberto que os pilotos de fato desligaram o motor errado, a fadiga quase certamente seria apontada como um fator contribuinte.

Por fim, os investigadores dedicaram-se a apontar alguns problemas sistêmicos na indústria da aviação que contribuíram para o acidente. Como se constatou, embora a British Midland Airways não soubesse da possibilidade de transferência inadvertida de combustível, vários outros operadores atuais e antigos do Argonaut/North Star sabiam, incluindo a Aer Lingus, a Invicta e a BOAC, esta última tendo descoberto o problema já em 1953. 

Outra vista da cabine. Considerando os danos, é notável que o Capitão Marlow tenha sobrevivido
(I Love Stockport no Facebook)
A BOAC havia informado a Canadair sobre o problema, e o fabricante e o operador concordaram que a melhor solução era simplesmente informar aos pilotos que a transferência de combustível poderia ocorrer. No entanto, naquela época, não existia nenhum mecanismo pelo qual essa informação pudesse ser disseminada para outros operadores do Argonaut/North Star, e quando a British Midland adquiriu três Argonauts da BOAC em 1961, o conhecimento foi perdido durante a transferência.

Em 1967, um sistema para disseminar informações importantes de segurança aos operadores já havia sido criado, mas, como resultado do acidente, ele passou por mais melhorias, principalmente por meio da criação de uma linha direta telefônica dos escritórios do Comitê de Segurança de Voo do Reino Unido diretamente para o pessoal designado em cada companhia aérea do Reino Unido.


No final, os investigadores emitiram apenas uma recomendação oficial: que todos os pilotos de aeronaves Argonaut/North Star, DC-4 e aeronaves relacionadas com sistemas de combustível semelhantes fossem informados sobre a possibilidade de transferência inadvertida de combustível, tanto por meio de um aviso especial quanto pela incorporação de um alerta no manual. O simples conhecimento da possibilidade e a observação dos sintomas foram considerados suficientes para evitar a repetição de um acidente, e, de fato, nenhum acidente semelhante jamais ocorreu.

A queda do voo 542 da British Midland evidenciou um grande problema que afetava a segurança de voo na década de 1960: o uso contínuo de aviões comerciais da Segunda Guerra Mundial, que estavam muito aquém dos padrões de segurança modernos. Investigadores observaram que nem o sistema de combustível do Argonaut nem suas características de pilotagem com os dois motores desligados atenderiam aos requisitos de certificação de aeronaves de 1967, que haviam mudado significativamente em relação aos requisitos em vigor quando o avião foi projetado em 1946. 

Os dois memoriais no local do acidente em Stockport
O fato de uma sequência tão bizarra de eventos poder resultar de uma diferença de apenas alguns milímetros no posicionamento de uma alavanca da cabine era um artefato dessa época anterior, quando a ciência do projeto de aeronaves não era tão avançada e os padrões de fabricação não eram tão precisos. Essas aeronaves exigiam vigilância extraordinária por parte dos pilotos para garantir que todos os sistemas operassem como deveriam. Diante desse fato, e do papel da complexidade e da falta de confiabilidade do Argonaut na luta dos pilotos para lidar com a emergência, as autoridades britânicas aumentaram o requisito mínimo de tripulação do modelo de dois para três, adicionando um engenheiro de voo.

Uma das várias placas memoriais erguidas em um parque em Stockport (I Love Stockport no Facebook)
Hoje, exceto em bolsões isolados no Ártico, esses antigos aviões a pistão já não existem mais. O legado do acidente é sentido com mais intensidade na cidade de Stockport, que continua a abrigar memoriais e homenagear as vítimas mesmo 55 anos depois. O capitão Harry Marlow, que lutou arduamente para salvar seu avião, também foi homenageado pela comunidade local. Seus ferimentos o impediram de receber alta médica e ele nunca mais voou, mas seus feitos não foram esquecidos, pois Stockport lhe concedeu uma medalha em 2007, dois anos antes de sua morte em 2009. E a cada poucos anos, os sobreviventes — vários deles, de fato, ainda estão vivos — contam suas histórias novamente para outra geração. 

Outra placa dedicada aos socorristas (I Love Stockport no Facebook)
À maneira tipicamente britânica, eles não deixaram o acidente assombrá-los. A sobrevivente Vivienne Thornber, que quase perdeu uma perna no acidente, voltou a bordo de um avião dois anos depois, rumo a Palma de Maiorca. Como se desafiasse o acidente que quase a matou, ela já voltou mais 14 vezes desde então. Ela pode ter suas próprias razões, mas gostaríamos de imaginar que sua peregrinação repetida fala das grandes melhorias que foram feitas na segurança da aviação ao longo das décadas, à medida que tanto o desastre aéreo de Stockport quanto a própria década de 1960 continuam a desaparecer de nossa memória coletiva.

Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (SIte Desastres Aéreos) com Admiral Cloudberg