quarta-feira, 21 de março de 2012

Lembra os tempos da ditadura: Projeto quer tornar sigilosa apuração de desastre aéreo

Texto pode impedir o uso de investigação da Aeronáutica em ação criminal

Parentes de vítimas de acidentes entendem que, se aprovada pela Câmara, proposta deve engessar o trabalho da polícia

Um projeto de lei federal pretende tornar secretas as investigações de acidentes aéreos conduzidas pelo Cenipa, órgão da Aeronáutica incumbido da tarefa no Brasil.

A intenção é impedir que detalhes da apuração sejam usados na Justiça pela polícia ou pelo Ministério Público em inquéritos ou processos criminais contra suspeitos de causar os acidentes.

Elaborado pelo próprio Cenipa, o texto está na Câmara, à espera de votação. Um dos responsáveis pelo projeto, o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), diz que isso deve ocorrer já neste semestre.

A "criminalização" das investigações da Aeronáutica é danosa e crescente, avalia o órgão. O objetivo, diz, é descobrir elementos que previnam novos acidentes -não é punir quem os causou.

A diretriz de prevenir/não punir é referendada por convenção da Organização Internacional de Aviação Civil, da qual o Brasil é signatário.

Para a Aeronáutica, encontrar culpados cabe à polícia; por isso, a investigação policial deve caminhar separada.

Críticos da proposta entendem que, se aprovada, ela engessará o trabalho da polícia, que terá mais dificuldade para achar culpados; a impunidade, entendem, aumentará. Entre os opositores há parentes de vítimas de desastres.

COMO É ATUALMENTE

Hoje, as autoridades pedem via Justiça dados da apuração militar ou se fiam nos relatórios finais (públicos) para subsidiar ações penais.

Estão sendo processados assim Joseph Lepore e Jan Paladino, que pilotavam o jato Legacy que se chocou contra um Boeing da Gol em 2006.

Pelo projeto, quem colaborar com a investigação ficará sob sigilo. Ainda que venha a público, o depoimento não poderá ser usado no tribunal.

A intenção é que essa pessoa ajude por estar a salvo de incriminação, mesmo se um erro seu tiver contribuído para a tragédia. Se não houver o sigilo, o temor é que o colaborador se iniba e não ajude.

Há precedentes: no acidente da Gol, controladores se recusaram a ajudar a Aeronáutica por medo de punição.

O projeto dá aval à Aeronáutica para não fornecer análise da caixa preta às autoridades. Isso significa que a polícia terá que fazer a sua análise, o que pode levar tempo, a considerar que policiais não são especialistas em acidentes; será possível pedir ajuda à Aeronáutica para tal.

O texto também define que a Aeronáutica mandará na cena do acidente, o que lhe dá poder de barrar autoridades ou vetar retirada de destroços. O relatório final continuará a ser publicado.

Fonte: Ricardo Gallo (jornal Folha de S. Paulo)

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