Imagem do Rafale; Lula e Sarkozy anunciaram acordo de negociação do caça francês
A transferência de tecnologia da França para o Brasil, prevista no acordo militar firmado entre os dois países, precisa ser abrangente, não se restringindo ao setor aeronáutico brasileiro, segundo Fernando Catalano, coordenador do curso de engenharia Aeronáutica da EESC-USP (Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo).
O analista afirma que o debate não foi aprofundado entre governo e instituições para que haja transposição tecnológica a outros setores. “Universidades como USP, Unicamp e federais teriam amplas condições de adensar e catalisar esses conhecimentos [da França], em conjunto com as entidades do setor aeroespacial”, disse Catalano, em entrevista ao eBand. “A própria Dassault não tem procurado parceiros além das fronteiras de São José dos Campos [sede da Embraer], o que pode ser um erro grave”, afirmou.
No dia 7, os presidentes do Brasil e da França, Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, assinaram o maior acordo militar da história recente do país, no valor de R$ 22,5 bilhões. Na ocasião, os dois anunciaram ainda a abertura de negociação para a compra de 36 caças Rafale, da francesa Dassault. A transferência de tecnologia foi a principal justificativa dada por Lula para a escolha do parceiro francês.
No dia seguinte, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que o processo de licitação dos aviões não está concluído. A Aeronáutica ainda precisa apresentar um relatório técnico sobre os três concorrentes – o francês Rafale, o Gripen, da sueca Saab, e o F-18, da americana Boeing.
Catalano também afirmou que a discussão não deve se limitar a qual modelo de caças é melhor. Segundo o especialista, é determinante o desenvolvimento de um sistema de comunicação para que as aeronaves possam funcionar. “Contar só com os caças não garante um sistema de defesa de superioridade aérea”, disse.
Veja abaixo a íntegra da entrevista na qual Catalano comenta também sobre os aspectos técnicos dos modelos de aeronaves e sua aplicação às necessidades de defesa do território brasileiro.
eBand - Concorrem com o Rafale, o sueco Gripen e o americano F-18. O senhor poderia comparar as características desses três aviões? Qual corresponde às necessidades brasileiras de defesa na Amazônia e nos poços de pré-sal?
Fernando Catalano - Todos os três modelos cumprem as especificações de aviões multi-tarefa de quarta geração exigidas pelo governo brasileiro. Portanto, deverão cumprir várias tarefas como interceptação de médio a longo alcance, com autonomia compatível com o território nacional. Os aviões se equiparam em velocidade máxima, porém o Rafale e o F-18 levam vantagem em relação ao Gripen na carga bélica. Porém, o avião sueco possui um raio de ação maior e é mais barato. A grande desvantagem do Gripen é o fato de utilizar apenas um motor, o que pode diminuir sua sobrevivência em combate e sua operação em porta-aviões também pode ser limitada.
Inicialmente, a venda do F-18 não previa a transferência de tecnologia, porém, a Boeing recentemente anunciou que transferiria tecnologia compatível com o que será transferido pelo programa do Rafale. A capacidade do Rafale e do F-18 de operarem em porta-aviões e abastecimento aéreo os credencia como “protetores” dos campos de petróleo do pré-sal.
No entanto, as principais características dos três modelos são as capacidades eletrônicas cuja eficiência dependerá enormemente de um sistema maior de comunicação de dados, chamado data-link. Contar só com os caças não garante um sistema de defesa de superioridade aérea.
eBand- Qual a relevância da transferência de tecnologia?
Catalano - A transferência de tecnologia deverá ser efetiva e em disciplinas que o Brasil realmente necessita. Nesse sentido, determinar qual tecnologia deverá ser transferida tem que ser muito bem debatido entre governo (Ministérios da Defesa e Ciência e Tecnologia) e os órgãos que desenvolvem ciência e tecnologia.
Um erro que pode ocorrer é a centralização dessa transferência, restringi-la a poucos setores. O Brasil possui institutos de pesquisas e universidades (não necessariamente ou diretamente ligadas ao setor aeroespacial) capazes de assimilar tecnologias de ponta. É imprescindível que se adense a cadeia produtiva aeroespacial para que, a partir de ações desse tipo, o Brasil tenha capacidade de seguir em frente como feito em países como Índia, China e Israel.
Esses países possuem programas próprios de desenvolvimento em aeronaves desse tipo, e esse conhecimento gera uma maior capacitação na hora da compra de aviões de defesa.
Alguns tópicos de transferência tecnológica foram anunciados, tais como materiais compósitos, nanotecnologia, sistemas de controle tipo fly-by-wire etc. No entanto, não houve um debate profundo sobre esse aspecto.
A própria Dassault não tem procurado parceiros além das fronteiras de São José dos Campos [sede da Embraer], o que pode ser um erro grave. Universidades como a USP a Unicamp e as Federais teriam amplas condições de adensar e catalisar esses conhecimentos em conjunto com as entidades do setor aeroespacial. A formação de uma rede de desenvolvimento e pesquisas é fundamental para o desenvolvimento de tecnologias críticas. A Dassault interage com mais de 100 universidades no mundo, porque aqui seria diferente?
eBand -O Brasil acordou com a França a intenção de comprar 36 aviões de combate Rafale, que equipa a Marinha francesa há cinco anos. É muito cedo para confiar na eficiência desse modelo de avião?
Catalano - Apesar da confirmação pública da intenção da compra do Rafale, ainda é possível que ocorram mais rodadas de negociações entre o governo e os concorrentes, principalmente com a Boeing, fabricante do F-18, que concordou na transferência de tecnologia. Quanto à eficiência do Rafale, ela já está comprovada pois é um dos finalistas na disputa tendo sido testado por pilotos brasileiros.
eBand - O presidente Lula justificou a compra dos aviões com a necessidade de defender os poços da camada pré-sal. O Rafale é o melhor modelo de avião para esse tipo de defesa?
Catalano - Todos os três aviões possuem capacidades multifuncionais para cumprirem essa missão, mas o Brasil não necessita desses caças somente para o caso do pré-sal, mas para todo o território nacional, Amazônia, fronteiras etc. É importante lembrar que vizinhos brasileiros possuem aviões avançados e, mesmo que um conflito seja improvável, a equivalência de forças deve existir principalmente do ponto de vista de defesa.
eBand - O acordo também prevê a aquisição de 10 unidades pela França da futura aeronave de transporte militar KC-390 que será produzida pela Embraer. Qual a importância dessa aquisição?
Catalano - Os estudos de mercado do KC-390 feitos pela Embraer previram a existência de um mercado potencial de reposição do Hercules C-130, para a venda de 700 aviões em 77 países nos próximos anos.
A possível compra e parceria no projeto dessa aeronave pela França ajudariam ainda mais a conquista desse mercado. Seu projeto é fruto de intensa análise das características requisitadas pelos clientes e deverá cumprir esses requisitos sem muitos sustos no projeto final dada a experiência da Embraer.
O KC-390 possuirá capacidade de transportar 19 toneladas de carga, o que permitiria levar blindados, tropas, equipamentos, cargas paletizadas e contêineres. Seu alcance pode ultrapassar 6.000 km, com capacidade de reabastecimento em voo. Outra característica atrativa do KC-390 é sua cabine pressurizada e banheiros. Seu preço variará entre US$ 30 a 50 milhões dependendo da versão.
A participação da França nesse projeto é estratégica tanto para a Embraer, pois viabilizará o mercado do KC-390, quanto para a França, que desenvolve o A-400m pela EADS [Companhia Européia de Aeronáutica, Espaço e Defesa]. O acordo frearia uma possível parceria da Embraer e a Lockheed no desenvolvimento do KC-380, competidor direto do A-400M.
eBand - No acordo, o Brasil comprou helicópteros de transporte EC-725. Quais suas características e importância para defesa do país?
Catalano - Esse é um projeto já em desenvolvimento entre a Eurocopter (Companhia de helicópteros militares da EADS) e o governo brasileiro na compra de 50 helicópteros para as Forças Armadas do Brasil. Esses helicópteros serão montados pela Helibras [Helicópteros do Brasil S.A] cuja fábrica em Itajubá será ampliada. È previsto, no acordo, transferência de tecnologia na construção de helicópteros primeiramente de 5% nos primeiros anos, podendo chegar a 50% ate o final da produção.
A partir disso, a Helibras poderá produzir e fornecer helicópteros EC-725 para o mercado mundial. Esse modelo possui autonomia suficiente para operar nas fronteiras das futuras plataformas do pré-sal sendo, portanto, um possível modelo a ser usado para atividades não militares pela Petrobras, por exemplo.
Fonte: Martina Cavalcanti (eBand) - Foto: Dassault
O analista afirma que o debate não foi aprofundado entre governo e instituições para que haja transposição tecnológica a outros setores. “Universidades como USP, Unicamp e federais teriam amplas condições de adensar e catalisar esses conhecimentos [da França], em conjunto com as entidades do setor aeroespacial”, disse Catalano, em entrevista ao eBand. “A própria Dassault não tem procurado parceiros além das fronteiras de São José dos Campos [sede da Embraer], o que pode ser um erro grave”, afirmou.
No dia 7, os presidentes do Brasil e da França, Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, assinaram o maior acordo militar da história recente do país, no valor de R$ 22,5 bilhões. Na ocasião, os dois anunciaram ainda a abertura de negociação para a compra de 36 caças Rafale, da francesa Dassault. A transferência de tecnologia foi a principal justificativa dada por Lula para a escolha do parceiro francês.
No dia seguinte, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que o processo de licitação dos aviões não está concluído. A Aeronáutica ainda precisa apresentar um relatório técnico sobre os três concorrentes – o francês Rafale, o Gripen, da sueca Saab, e o F-18, da americana Boeing.
Catalano também afirmou que a discussão não deve se limitar a qual modelo de caças é melhor. Segundo o especialista, é determinante o desenvolvimento de um sistema de comunicação para que as aeronaves possam funcionar. “Contar só com os caças não garante um sistema de defesa de superioridade aérea”, disse.
Veja abaixo a íntegra da entrevista na qual Catalano comenta também sobre os aspectos técnicos dos modelos de aeronaves e sua aplicação às necessidades de defesa do território brasileiro.
eBand - Concorrem com o Rafale, o sueco Gripen e o americano F-18. O senhor poderia comparar as características desses três aviões? Qual corresponde às necessidades brasileiras de defesa na Amazônia e nos poços de pré-sal?
Fernando Catalano - Todos os três modelos cumprem as especificações de aviões multi-tarefa de quarta geração exigidas pelo governo brasileiro. Portanto, deverão cumprir várias tarefas como interceptação de médio a longo alcance, com autonomia compatível com o território nacional. Os aviões se equiparam em velocidade máxima, porém o Rafale e o F-18 levam vantagem em relação ao Gripen na carga bélica. Porém, o avião sueco possui um raio de ação maior e é mais barato. A grande desvantagem do Gripen é o fato de utilizar apenas um motor, o que pode diminuir sua sobrevivência em combate e sua operação em porta-aviões também pode ser limitada.
Inicialmente, a venda do F-18 não previa a transferência de tecnologia, porém, a Boeing recentemente anunciou que transferiria tecnologia compatível com o que será transferido pelo programa do Rafale. A capacidade do Rafale e do F-18 de operarem em porta-aviões e abastecimento aéreo os credencia como “protetores” dos campos de petróleo do pré-sal.
No entanto, as principais características dos três modelos são as capacidades eletrônicas cuja eficiência dependerá enormemente de um sistema maior de comunicação de dados, chamado data-link. Contar só com os caças não garante um sistema de defesa de superioridade aérea.
eBand- Qual a relevância da transferência de tecnologia?
Catalano - A transferência de tecnologia deverá ser efetiva e em disciplinas que o Brasil realmente necessita. Nesse sentido, determinar qual tecnologia deverá ser transferida tem que ser muito bem debatido entre governo (Ministérios da Defesa e Ciência e Tecnologia) e os órgãos que desenvolvem ciência e tecnologia.
Um erro que pode ocorrer é a centralização dessa transferência, restringi-la a poucos setores. O Brasil possui institutos de pesquisas e universidades (não necessariamente ou diretamente ligadas ao setor aeroespacial) capazes de assimilar tecnologias de ponta. É imprescindível que se adense a cadeia produtiva aeroespacial para que, a partir de ações desse tipo, o Brasil tenha capacidade de seguir em frente como feito em países como Índia, China e Israel.
Esses países possuem programas próprios de desenvolvimento em aeronaves desse tipo, e esse conhecimento gera uma maior capacitação na hora da compra de aviões de defesa.
Alguns tópicos de transferência tecnológica foram anunciados, tais como materiais compósitos, nanotecnologia, sistemas de controle tipo fly-by-wire etc. No entanto, não houve um debate profundo sobre esse aspecto.
A própria Dassault não tem procurado parceiros além das fronteiras de São José dos Campos [sede da Embraer], o que pode ser um erro grave. Universidades como a USP a Unicamp e as Federais teriam amplas condições de adensar e catalisar esses conhecimentos em conjunto com as entidades do setor aeroespacial. A formação de uma rede de desenvolvimento e pesquisas é fundamental para o desenvolvimento de tecnologias críticas. A Dassault interage com mais de 100 universidades no mundo, porque aqui seria diferente?
eBand -O Brasil acordou com a França a intenção de comprar 36 aviões de combate Rafale, que equipa a Marinha francesa há cinco anos. É muito cedo para confiar na eficiência desse modelo de avião?
Catalano - Apesar da confirmação pública da intenção da compra do Rafale, ainda é possível que ocorram mais rodadas de negociações entre o governo e os concorrentes, principalmente com a Boeing, fabricante do F-18, que concordou na transferência de tecnologia. Quanto à eficiência do Rafale, ela já está comprovada pois é um dos finalistas na disputa tendo sido testado por pilotos brasileiros.
eBand - O presidente Lula justificou a compra dos aviões com a necessidade de defender os poços da camada pré-sal. O Rafale é o melhor modelo de avião para esse tipo de defesa?
Catalano - Todos os três aviões possuem capacidades multifuncionais para cumprirem essa missão, mas o Brasil não necessita desses caças somente para o caso do pré-sal, mas para todo o território nacional, Amazônia, fronteiras etc. É importante lembrar que vizinhos brasileiros possuem aviões avançados e, mesmo que um conflito seja improvável, a equivalência de forças deve existir principalmente do ponto de vista de defesa.
eBand - O acordo também prevê a aquisição de 10 unidades pela França da futura aeronave de transporte militar KC-390 que será produzida pela Embraer. Qual a importância dessa aquisição?
Catalano - Os estudos de mercado do KC-390 feitos pela Embraer previram a existência de um mercado potencial de reposição do Hercules C-130, para a venda de 700 aviões em 77 países nos próximos anos.
A possível compra e parceria no projeto dessa aeronave pela França ajudariam ainda mais a conquista desse mercado. Seu projeto é fruto de intensa análise das características requisitadas pelos clientes e deverá cumprir esses requisitos sem muitos sustos no projeto final dada a experiência da Embraer.
O KC-390 possuirá capacidade de transportar 19 toneladas de carga, o que permitiria levar blindados, tropas, equipamentos, cargas paletizadas e contêineres. Seu alcance pode ultrapassar 6.000 km, com capacidade de reabastecimento em voo. Outra característica atrativa do KC-390 é sua cabine pressurizada e banheiros. Seu preço variará entre US$ 30 a 50 milhões dependendo da versão.
A participação da França nesse projeto é estratégica tanto para a Embraer, pois viabilizará o mercado do KC-390, quanto para a França, que desenvolve o A-400m pela EADS [Companhia Européia de Aeronáutica, Espaço e Defesa]. O acordo frearia uma possível parceria da Embraer e a Lockheed no desenvolvimento do KC-380, competidor direto do A-400M.
eBand - No acordo, o Brasil comprou helicópteros de transporte EC-725. Quais suas características e importância para defesa do país?
Catalano - Esse é um projeto já em desenvolvimento entre a Eurocopter (Companhia de helicópteros militares da EADS) e o governo brasileiro na compra de 50 helicópteros para as Forças Armadas do Brasil. Esses helicópteros serão montados pela Helibras [Helicópteros do Brasil S.A] cuja fábrica em Itajubá será ampliada. È previsto, no acordo, transferência de tecnologia na construção de helicópteros primeiramente de 5% nos primeiros anos, podendo chegar a 50% ate o final da produção.
A partir disso, a Helibras poderá produzir e fornecer helicópteros EC-725 para o mercado mundial. Esse modelo possui autonomia suficiente para operar nas fronteiras das futuras plataformas do pré-sal sendo, portanto, um possível modelo a ser usado para atividades não militares pela Petrobras, por exemplo.
Fonte: Martina Cavalcanti (eBand) - Foto: Dassault
Nenhum comentário:
Postar um comentário