quarta-feira, 19 de agosto de 2009

40 anos depois, 1º presidente diz que não imaginava ver Embraer como líder mundial

Há exatamente 40 anos, nascia a empresa que colocaria o Brasil no mapa da aviação mundial. Criada no dia 19 de agosto de 1969 pelo Decreto-Lei nº 770, a fabricante de aviões Embraer teve como seu primeiro diretor-superintendente (cargo equivalente à presidência) o engenheiro aeronáutico Ozires Silva, líder do grupo que projetou a criação da companhia então estatal. Em entrevista ao Último Segundo, Silva diz que a primeira diretoria não imaginava que a empresa atingiria o atual patamar, como terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo e líder global nos aviões de até 120 passageiros.

Formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Silva dirigiu a Embraer desde a fundação até 1986. Mais tarde, voltou para a cadeira da presidência no período da privatização da empresa, entre 1991 e 1995. “[Após a privatização], a companhia esticou sua musculatura e entrou com força no mercado externo”, avalia.

Ozires Silva (à esq.) e o atual presidente da Embraer, Frederico Curado (dir.) - Foto: Divulgação

Na avaliação de Silva, a crise financeira global atingiu a Embraer ao enxugar a demanda no mercado externo. “Mais de 40% das vendas da Embraer vão para os EUA”, destaca. Para o ex-presidente, a demissão de 4,2 mil funcionários foi uma forma de “reduzir custos”. “A companhia não estava respirando o clima brasileiro e sim o americano, o seu principal mercado.”

Silva também presidiu a Petrobras e a Varig e foi Ministro de Estado da Infra-Estrutura. Atualmente é reitor da Unimonte. Confira a entrevista:

O senhor acompanhou a trajetória da Embraer desde a sua fundação. Em 1969, era possível imaginar que ela se tornaria uma das maiores do mundo no setor?

Não imaginávamos. A Embraer foi criada como uma companhia estatal, porque não conseguimos capitalização privada. Era desejo do governo que ela não fosse estatal, mas ninguém topou financiar uma empresa de fabricação de aviões com projeto nacional.

Durante o período de estatal a empresa conseguiu ir bem, produziu vários aviões, conquistou 40 mercados no mundo. Começou com o Bandeirante [primeiro avião fabricado pela Embraer], passou para o Brasília, e depois tivemos bastante sucesso com o Tucano. Até que chegou o final da década de 80, houve a crise internacional do transporte aéreo, o congelamento das poupanças feito pelo governo Collor, o BNDES interrompeu o financiamento de aviões. A Embraer ficou sem condições de financiar aviões porque avião não se vende à vista. O resultado foi que o governo acabou concordando em privatizar a companhia.

Privatizada, ela ficou mais fácil de dirigir, com menos restrições do que uma estatal e mais competitiva. De qualquer forma a Embraer teve uma trajetória de sucesso, mas não imaginávamos que atingisse esse porte. O clima para investir no Brasil não é favorável, as condições legais são sempre muito complicadas.


“O governo não queria que a Embraer nascesse estatal, mas ninguém topou financiar”


Aviões Bandeirante voam no Rio de Janeiro - Foto:Divulgação

De que modo a privatização influiu na trajetória da Embraer?

As empresas estatais, tais como conhecemos, foram estabelecidas pelo governo da revolução [governo militar]. À medida que o tempo passa, nossa legislação tende a “acarunchar” [ficar velha] e o resultado para a Embraer foi uma crise no final da década de 80, quando o programa de privatização começou. O processo surgiu exatamente porque o governo se enrolou tanto na legislação que as empresas estatais perderam o poder de competição. A Embraer não foi exceção à regra, assim como a Vale do Rio Doce, a Usiminas e outras estatais que não conseguiram sobreviver sob administração governamental.

Ozires Silva (no centro) durante o leilão de privatização da empresa - Foto: Divulgação

Evidentemente, a Embraer teve sucesso como empresa estatal, mas o sucesso foi se arrefecendo, por força de práticas administrativas que restringiam a operação da companhia e a deixavam sem flexibilidade para atuar em um mercado dinâmico como é o internacional. A Embraer tinha tudo para crescer: tecnologia, produtos, equipes competentes, mas era amarrada pela legislação. Com o advento da privatização, a mudança foi da água pro vinho. A companhia esticou sua musculatura e entrou com força no mercado externo.

Hoje, 96% da receita da Embraer vem de exportações. A companhia foi voltada para o mercado externo desde a sua concepção?

Nas décadas de 30, 40, 50 e até mesmo nos anos 60, a inflação era um negócio sério e o Brasil não era um país competitivo. Todas as empresas que surgiam se dedicavam prioritariamente ao mercado interno. Não tínhamos a menor condição de competir lá fora com a desenvoltura com que atuavam sobretudo as empresas francesas e americanas.

O caso da Embraer, no entanto, foi diferente, porque montamos o programa mercadológico de uma companhia internacional, conscientes de que a demanda brasileira não seria suficiente para justificar uma produção de aviões no Brasil. Precisávamos da demanda externa também. Foi por essa razão que nós não fizemos nenhum avião sob licença, produzimos aeronaves com tecnologia nacional.


“A demanda interna não justificava a produção de aviões no Brasil. A demanda externa era necessária”


Nas crises de 1990 e de 2009 a empresa recorreu às demissões para se reestruturar – 4 mil pessoas no primeiro caso e mais 4,2 mil no mais recente. Há semelhanças entre esse dois momentos?

A semelhança existe. Nos dois casos a queda da demanda de aviões causou a crise. No caso da crise de 90, nós tivemos o crescimento da prática do terrorismo internacional nos aviões. Os aeroportos não estavam preparados para o nível de segurança que temos hoje. Houve uma quantidade enorme de ações terroristas, o que atemorizou os passageiros e, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o tráfico aéreo internacional e doméstico foi derrubado. Com a demanda sumindo, o número de aviões comprados caiu e as fabricantes se viram em dificuldades.

Acima, jatos comerciais 195 e 190; abaixo o Phenon 300 e os Super Tucanos militares - Fonte: Divulgação

Na década de 90, só a Boeing demitiu 70 mil pessoas. Foi uma crise muito séria. Aqui no Brasil não foi diferente, porque as vendas da Embraer caíram, e ainda tivemos agravantes: o governo Collor decretou o congelamento da poupança. Fez também uma reestruturação no sistema de financiamento à exportação que demorou três anos para ser concluído, e a Embraer ficou sem financiamento para vender lá fora. A Embraer passou o começo dos anos 90 numa dificuldade enorme.

Em 2008, a crise financeira mundial começou nos EUA. Mais de 40% das vendas da Embraer vão para os EUA. A companhia não estava respirando o clima brasileiro e sim o americano, o seu principal mercado. Essa influência vez com que ela tivesse que se ajustar, cortar custos. Entre o corte de custos, a companhia lamenta muito, mas precisou fazer corte de pessoal.


“Mais de 40% das vendas da Embraer vão para os EUA, um dos países mais atingidos pela crise”


A aviação regional no Brasil ainda está em um patamar muito reduzido. Existe campo para desenvolvimento desse mercado por aqui?

O Brasil tem a mesma idade dos EUA, a mesma dimensão, e voa muito menos. No ano passado, nos EUA, o transporte aéreo transportou quase 900 milhões de passageiros. Nós transportamos 50 milhões de pessoas. Os EUA têm 280 mil aviões registrados. Aqui, temos 11 mil. Os números são muito díspares. Eu diria que o Brasil tem uma aviação muito menor do que a que ele precisa.

Por quê?

Atribuo esse fato às restrições governamentais. Nós não temos nenhuma lei que permita aeroportos públicos de administração privada. O setor privado não pode construir aeroportos. São Paulo precisa de um terceiro aeroporto e a iniciativa privada não pode construí-lo se quiser. Precisamos de uma desregulamentação do setor e admitir que a administração possa ser privada.

A Infraero não tem monopólio, administra 67 aeroportos. Mas os outros, em geral, são operados por prefeituras, e os privados são extremamente restritos. Nos EUA e na Europa é comum ter aeroportos privados. Não vejo por que o governo quer ficar em cima disso. Estamos diante de uma oportunidade incrível de crescimento. O avião é absolutamente necessário e traz de volta coisas muito importantes como tempo, segurança e conforto.

Raio X: Embraer 40 anos
Nome: Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.
Data de fundação: 19 de agosto de 1969
Número de empregados: 17.237 empregados (julho de 2009)
Produção em 2008: 204 jatos
Lucro líquido em 2008: US$ 388,7 milhões
Receita líquida em 2008: US$ 6,335 bilhões
Passageiros transportados: 445 milhões (aviação comercial)
Posição no mercado: Líder brasileira e 3ª maior fabricante de jatos comerciais do mundo

Fonte: Último Segundo (IG)

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