sábado, 4 de novembro de 2023

Aconteceu em 4 de novembro de 1969: O sequestro do voo Varig 863 - O 1º sequestro do "Expresso Cubano"


Em 4 de novembro de 1969, o Boeing 707-345C, prefixo PP-VJX, da Varig, voo RG863 decolou do Rio de Janeiro com destino a Santiago (Chile), com uma escala em Buenos Aires (Argentina). O primeiro trecho ocorreu normalmente. 

Logo após decolar da capital argentina, no entanto, os sequestradores - nove homens e uma mulher armados com pistolas calibre 45 - anunciaram a ação e exigiram que o avião fosse desviado para Havana. O Boeing voava com 89 passageiros e 12 tripulantes.

Segundo relato de um oficial da Força Aérea chilena, que se encontrava de serviço no Aeroporto de Pudahuel, no momento em que desceu o avião, foi ouvida pela torre de comando uma conversa entre o comandante do aparelho sequestrado e os jovens. Da conversa, depreende-se que são sete os sequestradores, e que entre eles existe uma mulher, aparentemente chefiando as ações.

Os sequestradores declararam-se membros do grupo terrorista brasileiro “Frente de Libertação Nacional” e disseram que passariam por treinamento militar em Cuba para formação em técnicas de guerrilha.

Pablo Hamilton, gerente da Varig no Chile, informou aos jornalistas que os sequestradores dominaram o avião 30 minutos depois que este decolou do Aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, rumo a Santiago. A aeronave estava em sua última etapa do voo entre Frankfurt e Santiago, tendo feito escalas em Lisboa, no Rio e na Capital argentina.

A rota do primeiro sequestro do PP-VJX
Segundo o depoimento de Hamilton, "os sequestradores são cinco, quatro homens e uma mulher. Quando se apoderaram do avião o piloto deu ordens para que o almoço fosse servido imediatamente. Os jovens procuraram ser cordiais com os passageiros, pedindo desculpas pelos transtornos que causavam."

Quanto à mulher, Hamilton afirmou que "segundo uma notícia de bordo, ela aparenta ter entre 17 e 18 anos, é bonita, e de vez em quando cantava e brincava com os passageiros".

"Pelo que pude saber ─ concluiu Pablo Hamilton ─, os sequestradores eram argentinos, pois falavam com sotaque argentino."

Como não havia combustível suficiente para chegar a Cuba, o avião seguiu viagem até Santiago, onde aterrissou no Aeroporto Pudahuel, às 15h40m. 

O PP-VJX já no primeiro sequestro, em SCL (Arquivo Marcelo Magalhães)
Já avisado pelo comandante, o operador da torre de comando anunciou: "Por ora, temos poucos detalhes. A única coisa de que sabemos é que os sequestradores não permitem que os passageiros desçam do avião e que é possível que façam nova escala em Lima, antes de desembarcar em Havana."

Em seguida, pelo rádio, os jovens obrigaram as autoridades ao aeroporto a reabastecer o avião, sob ameaça de matar o piloto e o copiloto. Pouco depois, um casal desceu do aparelho sob a mira das armas, e a porta logo se fechou novamente. O casal foi cercado pelos policiais e impedido de falar. Mais tarde, verificou-se que a permissão fora dada aos brasileiros Maurílio Ragnier Menichelli e à esposa, Maria de Lourdes, grávida de sete meses e, passando muito mal dentro do aparelho, teve de ser levada a um hospital. O avião ainda permaneceu no aeroporto durante quase duas horas, estacionado junto à torre de controle, com as portas hermeticamente fechadas. 

Depois de abastecidos os tanques com quase 60 toneladas de combustível, o piloto começou as manobras para a decolagem, anunciando que uma nova escala para reabastecimento poderia ser feita em Lima, no Peru. 

Jornal Correio da Manhã, quarta-feira, 5 de novembro de 1969
Em seguida, às 17h20m, levantou voo, sem ser molestado. Mais tarde, às 20h35m, hora de Brasília, o aeroporto de Lima anunciou que o Boeing sobrevoou a cidade às 20h35m, voando a 10.500 metros de altitude, com destino a Havana. 

Escala para reabastecimento nas Bahamas (Arquivo Marcelo Magalhães)
Após um voo de cerca de dez horas de duração, com uma parada para reabastecimento em Nassau, nas Bahamas, o Boeing aterrissou no Aeroporto José Marti à 1h28 da manhã do dia 5 (hora de Brasília). Durante todo o percurso, o comandante Knippling manteve contato via rádio HF com a Diretoria de Operações da Varig no Rio de Janeiro (até a vertical da Cidade do Panamá) e depois com Nova Iorque.

Como os sequestros para Cuba fossem comuns na época, a Varig já tinha colocado em seus voos internacionais tendo como destino os Estados Unidos e países da América Latina, um conjunto de cartas com os procedimentos de aproximação do aeroporto de Havana para o caso de evento semelhante – o que se mostrou providencial naquele fatídico 4 de novembro de 1969.

Em Havana, o ‘VJX ficou retido por quase quinze horas, tendo seus ocupantes sido desembarcados e submetidos a rápido interrogatório pelas autoridades locais. Depois, passageiros e tripulantes foram levados ao Hotel Riviera. A partida de volta para o Rio de Janeiro deu-se às 16h52 do dia 5, com escalas em Nassau, Bahamas, para reabastecimento e em Caracas (Aeroporto Internacional de Maiquetía). 

A parada na capital venezuelana decorreu de decisão tomada pelo Comandante Knippling, que ordenou que fossem desembarcados quatro passageiros que insistiam que o avião voasse diretamente para Santiago do Chile – inclusive um deles ameaçou sequestrar novamente a aeronave se não fosse atendido!

Finalmente, às 18h26 do dia 6, o ‘VJX pousava no Galeão, sendo imediatamente cercado por soldados da Polícia da Aeronáutica, com os passageiros e tripulantes levados ao QG da 3ª Zona Aérea, onde foram interrogados até às 21h30.

Alguns passageiros, no entanto, causaram uma nova confusão, pois queriam seguir para o Chile. Com a possível ameaça de um novo sequestro, quatro passageiros foram obrigados a desembarcar durante uma escala em Caracas (Venezuela), e o avião da Varig finalmente voltou ao Rio de Janeiro.

Entre os 89 passageiros que viajavam a bordo do PP-VJX, figuravam Mario Caraciolli, diretor do jornal chileno El Mercurio, e o adido naval da Embaixada do Chile na Argentina, comandante Hugo Oyarzun. Este último pediu aos sequestradores que o deixassem descer também em Santiago, pois viajava de Buenos Aires para assistir aos funerais de sua mãe, falecida anteontem. A autorização foi negada. Também entre os que viajavam estava o cantor popular uruguaio Gervasio (foto ao lado). Muitas jovens que o esperavam no aeroporto, protestaram ruidosamente contra o sequestro do seu ídolo.

À noite, a Varig divulgou a lista completa de passageiros e tripulantes que estavam a bordo do Boeing. Entre os que embarcaram no Rio figuravam sete brasileiros, nove chilenos, quatro norte-americanos, dois suíços, um colombiano e um italiano. 

Eram os seguintes os passageiros embarcados no Rio: Silvia Magrit Burni, Alfred Burni, Luiz Gonzaga Xavier Pittas, Rosa Maria Isabel Corbett Huddobro, James Anthony Shannon, Isabel Marie Shanon, Maria Isabel Riera Martinez, Lilia dos Santos, Giovanni di Napoli, Uldarícia Constancia Canobra Corbet, Arno Mathias Pesch, Alberto Adilio Alicera Pena, Ruben Clodomiro Soto Cespedes, Helio Edwal de Salles Lopes, Nelson José Olave Pena, José Ernanne Pinheiro, Pamela K. Kappmeyer, Erivan Alves de Araújo, Wilem Antonius Neefjes, Irene Posada Morales, Francisco Javier Munizaga Villavicenci, Duane Ellis Welch, Patricio Cox Urrejola e Margarita Vital Castillo.

Entre os 55 passageiros que embarcaram em Buenos Aires figuram  16 chilenos, 11 brasileiros, nove argentinos, dois peruanos e dois colombianos.

Uma lista fornecida pela Varig em Buenos Aires indica além disso que no aparelho se encontravam quatro norte-americanos, três espanhóis, um britânico, um mexicano, um uruguaio e um venezuelano.

Passageiros embarcados em Buenos Aires: M. Costa, Santacruz, S. Klen, Dujour, J. Casteleiro, Fachette, R. Junqueira Prado, L. Junqueira Prado, M. Menegal, M. Menegal, M. Alanis, H. Ollarsun, M. Duchols, M. Cifuentes, J. Gallay, B. Dubinousky, E. Kleimens, R. Torrealba, N. Rincon, L. Perez, T. Vivanco, P. Iglesias, M. Lewyshon, J. Motles, V. Rallo, E. Aruena, O. Barria, J. Crottogini, R. Burns, D. Burns, M. Kaplan, J. Schteinger, Schteinger, Robertson, V. Elorrieta, V. Constantines, J. Edwards, J. Lamarque, R. Murillo, A. Pizza, F. Samarone, DeSouza, J. Motta, D. Papo, S. Costabal, M. Caraciol, F. Gimenez, C. Campos, P. Pizzoli, L. Sartoriz, K. Zales S. Montes, Valbuj, J. Dimitru, H. Romero, M. de Feltman.

O Comandante do voo 863 Geraldo Werner Knippling
A tripulação do Boeing sequestrado era a seguinte: comandante ─ Geraldo Werner Knippling; 2.º comandante ─ Abel Flores; copiloto ─ Alfredo Sampaio; engenheiro de voo ─ Eiji Tookuni; 1.º comissário ─ Eduardo Enfato; comissários: Valmor Boock Eliezer de Oliveira, Raya Paulo Pereira, Aldo Rodrigues Neto, Antônio Eduardo de Souza; aeromoças: Shirley Wisse e Arlete Marylene Annequim.

O Ministério da Aeronáutica divulgou ontem a seguinte nota oficial sobre o sequestro: "O Serviço de Relações Públicas do Ministério da Aeronáutica comunica que, hoje, a aeronave (Boeing 707) da VARIG, de prefixo PP VJX, voo 863, quando voava de Buenos Aires para Santiago, foi sequestrada por elementos desconhecidos, que obrigaram seus 89 passageiros, inclusive uma criança de colo, a permanecer a bordo, durante o tempo em que esteve em Santiago para reabastecimento, decolando em voo direto para Cuba. Foi permitido apenas o desembarque nesta Capital do sr. Maurício Menichelli e sua esposa grávida. A tripulação é constituída de 13 tripulantes. (Ass.) Tenente-Coronel Aviador Isberty Collis Garcia, Chefe de Relações Públicas".

A VARIG divulgou a seguinte nota oficial: "A VARIG comunica que o seu Boeing 707, prefixo PP-VJX, quando realizava a etapa Buenos Aires-Santiago do Chile, do voo 863, segundo informações recebidas de bordo, foi forçado a desviar sua rota, a partir de Santiago, tomando o rumo de Cuba. Encontravam-se a bordo 101 pessoas, sendo 12 tripulantes e 89 passageiros, dos quais 36 embarcados em Buenos Aires, e os demais no Rio de Janeiro, Europa e Estados Unidos. A Diretoria da VARIG está em contato com as autoridades brasileiras para que seja dada toda a assistência aos passageiros e tripulantes."

Este foi o primeiro sequestro envolvendo esta aeronave, que ficou conhecida como "Expresso Cubano". 

Até aquela data, 128 brasileiros já haviam sido vítimas de sequestro em aviões


Com o sequestro de 89 pessoas que viajavam a bordo do Boeing-707 da Varig, elevou-se a 128 o número de passageiros de aviões brasileiros levados para Cuba, já que o Caravelle, da Cruzeiro do Sul, sequestrado a 8 de outubro de 1969, viajava com 39 passageiros. O sequestro do voo 863 da Varig frz subir a nove o total de aviões sul-americanos desviados em suas rotas nos últimos meses.

Sessenta e sete aviões foram sequestrados no ano 1969. Deles 49 foram levados para Cuba. Em 1968, a lista iniciou-se com um DC-8 norte-americano, levado para Havana com 109 passageiros. Em seguida, o noticiário sobre seqüestros registrou, dentre outras, as seguintes ocorrências em 1968:
  • 29 de fevereiro: um táxi aéreo norte-americano.
  • 5 de março: um DC-4 da Avianca.
  • 12 de março: um DC-8 norte-americano. Voava de Miami para São Francisco.
  • 29 de julho: um aparelho da Southeast Airlines. Ia para Miami.
  • 7 de outubro: um avião mexicano com 13 passageiros.
  • 23 de outubro: mais um táxi aéreo norte-americano.
  • 7 de novembro: piratas aéreos apoderaram-se de um bimotor das Linhas Aéreas Filipinas. A intenção era o roubo aos passageiros.
  • 3 de dezembro: um Boeing norte-americano. Fazia a rota de Miami.
Em 1969, a primeira operação levada a efeito ocorreu a 2 de janeiro, e o aparelho não foi levado para Cuba. Era um DC-6 da Olimpic Airway, de propriedade de Aristóteles Onassis, que pousou no Cairo. Outros registros de 1969:
  • 8 de janeiro: um DC-4 da Companhia Aérea Colombiana Avianca. Vinha de Bogotá.
  • 20 de janeiro: um DC-8 da Airlines e também um jato da Liñas Equatorianas, ambos levados para Cuba.
  • 31 de janeiro: um DC-8 da National Airlines. O avião ia para a Flórida.
  • 11 de fevereiro: um jato da Companhia Aeropostal Venezuelana.
  • 25 de fevereiro: um avião da Eastern Line, quando voava de Atlanta para San Juan de Porto Rico.
  • 5 de março: um Boeing-707, com 26 pessoas a bordo.
  • 5 de maio: um aparelho da National Airlines, com 75 passageiros. Ia com destino a Miami.
  • 27 de maio: um avião da Northeast Airlines. Também ia para Miami.
  • 25 de junho: um aparelho da Eastern Airlines, com 104 passageiros.
  • 28 de junho: um avião da United Airlines. Voava de Los Angeles para Nova York.
  • 4 de agosto: um avião comercial colombiano é levado para Havana.
  • 14 de agosto: foi a vez de um jato da Comercial Northeast, quando voava de Boston para Miami.
  • 16 de agosto: mais um aparelho da companhia Aérea de Aristóteles Onassis é sequestrado em pleno voo. Desta vez, o avião foi forçado a pousar na Albânia.
  • 17 de agosto: um avião da Northeast, com 52 passageiros, foi levado para Cuba. Fazia a rota Boston-Miami.
  • 23 de agosto: um avião da Aerolineas Colombianas foi desviado para Havana.
  • 29 de agosto: um avião norte-americano é sequestrado quando voava entre Roma e Atenas. No mesmo dia, um aparelho da National Airlines foi obrigado a pousar em Cuba.
  • 6 de setembro: 13 homens armados de metralhadoras sequestraram um DC-3 da Força Aérea do Equador.
  • 8 de outubro: é sequestrado o Caravelle da Cruzeiro do Sul, quando fazia a rota Belém-Manaus. No mesmo dia, ocorreu o sequestro do Boeing-707 da Aerolineas Argentinas, quando voava entre Buenos Aires e Miami. Ambos foram levados para Cuba.
  • 9 de outubro: um DC-8 da linha Los Angeles-Miami também é levado para Cuba, com 70 pessoas a bordo.
  • 1 de novembro: um fuzileiro naval norte-americano sequestrou um avião quanto este voava entre São Francisco e Los Angeles, levando-o para Roma.
Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com Todos a Bordo e velhasreportagens.blogspot.com

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