segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Aviões que são cópias piratas ou que são inspirados em outros projetos

Alguns projetos aeronáuticos foram claramente 'inspirados' em programas diversos.

Aeronaves inspiradas em projetos existentes são uma realidade no mundo, acima um J-11B cópia do Su-27
A celebre frase “Na televisão, nada se cria, tudo se copia” preferida pelo apresentador Chacrinha pode muito bem ser utilizada na aviação. A indústria aeronáutica possivelmente prefere a versão original, “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, do químico Antoine Lavoisier.

Contudo, não são raros os exemplos de projetos que vão além de uma simples transformação, se tratando de cópias ou aperfeiçoamentos de projetos anteriores, em geral, feitos por terceiros. O caso mais notável é da China, famosa por suas “inspirações” que não raro é de 100% do projeto original. Autoridades do país já definiram que um projeto pirateado deve ser visto como uma honra ao fabricante lesado, pois foi bom o suficiente para desejarem copia-lo. Acredite, eles não estão sozinhos.

Nesher - Parece um Mirage 5


Pode parecer difícil de acreditar, mas os israelenses, conhecidos por sua alta tecnologia e capacidade intelectual acima da média, resolveu um problema internacional 'clonando' o Mirage 5J, o curioso, com aval do fabricante original. 

IAI Nesher foi uma solução industrial para a venda dos Mirage 5 para Israel
Logo após a Guerra dos Seis Dias, o governo francês embargou o envio de 50 Mirage 5J, já pagos, para Israel. Uma solução foi um acordo digno da Guerra Fria, onde a Dassault, fabricante original do Mirage, esteve indiretamente envolvida. Israel adquiriu um novo lote de Mirage 5 através da Rockwell International, que fechou um acordo com a Dassault. 

Como havia um embargo em vigor, as estruturas básicas foram produzidas pela também francesa Aerospatiale, enquanto as asas na Reims-Cessna. A construção ocorreu na Israel Aircraft Industries, criando o IAI Nesher, uma versão local do francês Mirage 5. Em Na sequência, ainda sob embargo francês, a IAI desenvolveu o Kfir, também baseado no Mirage 5.

Mirage 5 foi um dos principais caças dos anos 1960 e sofreu embargo para vendas para Israel

Lavi - Até lembra um F-16, mas não é


Se na década de 1960 os israelenses tinham a desculpa de embargos do General De Gaulle, na década de 1980 não seria muito convincente copiar o F-16, especialmente por ser produzido por seu maior aliado, os Estados Unidos. 

Soluções do Lavi eram próximas do norte-americano F-16
Então a IAI criou o Lavi, que possuía características de voo bastante próximas do modelo americano, mas empregada canards e alguma soluções bem particulares. Apenas três protótipos foram construídos, e hoje estão expostos em Israel. Se olhar de longe e pensar que é um F-16, é apenas impressão sua. O final da história? Israel escolheu o F-16, que era mais barato e já contava com centenas de unidades em serviço.

F-16 é um dos principais caças dos Estados Unidos e continua sendo exportado para diversos aliados

Tu-144 Concordski


Outra inspiração famosa é o Tupolev 144, que é tão similar ao Concorde, que recebeu o apelido nada elogioso de Concordski. Concebido ao mesmo tempo que o supersônico franco-britanico, o Tu-144 saiu na frente ao realizar o primeiro voo meses antes do Concorde. 

Um dos mais famosos casos de 'inspiração' o Tu-144 teve uma curta carreira voando apenas no território soviético
Os soviéticos optaram por uma aeronave ligeiramente maior, utilizando canards. A carreira do Tu-144 foi bastante curta e Moscou nunca aceitou o argumento que ele era uma cópia do Concorde, contudo, nunca também negou.

Esse é o Concorde original, que dispensa maiores apresentações

Buran - Solução soviética ao Space Shuttle


Os soviéticos ainda teriam tempo de tentar mais um plágio, dessa vez para evitar que os norte-americano tivessem pleno domínio do espaço. O programa SST, acrônimo para space transport system, conhecido como ônibus espacial, foi construído pela Nasa sob alegação de oferecer voos espaciais a baixo custo e em uma frequência jamais vista, podendo contar com um lançamento por semana. 

O Buran jamais entrou no espaço
Os soviéticos não acreditaram totalmente nos argumentos da Nasa, alegando inclusive que ele era um programa da força aérea para roubar satélites inimigos. Como dessa vez foi Washington que não se preocupou em desmentir tal alegação, os camaradas iniciaram o programa Buran-Energia. O conceito era idêntico ao norte-americano. 

O colapso da União Soviética levou ao cancelamento do projeto, fazendo que o Buran jamais entrasse em serviço, enquanto, ao menos oficialmente, nenhum ônibus espacial americano roubou algum satélite. O Buran ainda que inspirado no conceito norte-americano, tinha soluções próprias e características dos programas soviéticos.

A versatilidade da pioneira Columbia causou pavor em Moscou e foi considerado uma arma de guerra espacial

Tu-4 - Usamos nas cores soviéticas?


Outro caso notório foi a criação do Tupolev Tu-4, um bombardeiro estratégico soviético construído a partir de engenharia reversa no B-29 Superfrotress. Neste caso, os soviéticos não se preocuparam em negar a cópia, simplesmente ignorando as declarações e reclamações norte-americanas. No final da Segunda Guerra, os soviéticos tentaram adquirir alguns B-29 através de lend lease ou mesmo produção licenciada, como ocorreu com o DC-3, por exemplo. 

Com a evidente negativa de Washington, afinal, se tratava do principal bombardeiro do país, a solução veio quando quatro B-29 pousaram em emergência em território soviético. Sob alegação de que a União Soviética se mantinha neutra na Guerra do Pacífico, Moscou se negou entregar os aviões. 

Olhando rapidamente qualquer um diria se tratar de um B-29
Em seguida os três aviões que estavam em bom estado foram enviados para a Tupolev OKB, sob expressa ordem de Stálin, o tirano que comandava a União Soviética com mãos de ferro, que as cópias fossem exatamente idênticas aos originais. Conhecendo o histórico do ditador, os engenheiros da Tupolev não tiveram dúvidas em tentar ser o mais fiel possível nos primeiros exemplares. Ao ponto de as aeronaves terem um inexplicável furo em uma das asas. 

Um dos aviões originais contava com um furo sem sentido, feito por uma perfuratriz. Sem saber o motivo, possivelmente uma falha na linha de montagem, os engenheiros temiam que em uma vistoria Stálin notasse o detalhe. Pelo sim, pelo não, os aviões soviéticos ganharam um furo inútil. A pintura das baias de bombas também seguiu um padrão irregular, com apenas metade pintado, como existente em um dos aviões originais. Como curiosidade adicional, o Tu-4A lançou a primeira bomba nuclear nuclar soviética, a RDS-1.

Nota: O autor do texto durante uma visita ao museu de Monino, nos arredores de Moscou, escutou de um responsáveis pelo acervo que ao final dos trabalhos, Andrei Tupolev em contato direto com Stálin havia perguntado em tom descontraído sem deveriam pintar nas cores soviéticas ou norte-americanas. O temor de parar em um campo de trabalhos forçado, ou ser executado, era tanto que era bom confirmar se a cópia fiel incluía as cores no rival. Todavia, essa história nunca foi confirmada pela literatura disponível.

Esse é o B-29 original, note a extrema semelhança com o Tupolev Tu-4

J-11B - Parecido, mas completamente diferente


Já os chineses não têm pudores em dizer que copiaram algo. Ainda assim, a China não gostou quando os russos afirmaram que o J-11B, um caça embarcado idêntico ao Su-27SK era uma versão pirata. 

Sem as marcas chinesas, você seria capaz de dizer que não é um Su-27?
Nos anos 1990 a China formalizou um acordo para produzir 200 Su-27SK no país, sob designação J-11A, duas décadas depois o J-11B surgiu como uma evolução do modelo produzido sob licença. O governo chinês refutou a alegação de cópia e disse que os dois aviões até são parecidos, mas são completamente diferentes!

A fonte de inspiração do J-11B foi o Sukhoi Su-27

ARJ-21 - Usou ferramental do MD-80


Em outros casos os chineses não se preocupam muito com críticas, como o caso do ARJ-21, que é quase idêntico a série MD-80. Nos anos 1980 a McDonnell Douglas montou na China uma planta para produzir a seção dianteira da família MD-80, enviando ferramental e projetos ao então gigante e inexpressivo país asiático. 

Os engenheiros do MD-80 deveriam estar orgulhosos pela inspiração do ARJ-21
Apenas a mão-de-obra barata era atraente naquele momento. Décadas depois os chineses responderam criando um avião que utiliza o mainframe do MD-80. Curiosamente como não tinham projeto e ferramental do restante do avião, eles criaram o que faltava. Assim, é um avião 100% chinês.

Note as claras semelhanças entre o MD-80 e o ARJ-21

Shanghai Y-10 - Novas e estranhas janelas


O caso mais bizarro de cópia chinesa foi o Shanghai Y-10, que voou pela primeira vez em 1980. Excluindo as estranhas janelas do cockpit, todo o resto era um 707-320C. 

A inteligência norte-americana afirma que o Y-10 não passa de um 707 com novas janelas
Na ocasião os norte-americanos afirmaram que o Y-10 não era sequer uma engenharia reversa do 707, mas apenas um Boeing com janelas substituídas. Ou seja, nem podia ser oficialmente chamado de um 707 pirata, talvez fosse ideal algum termo como “modificado” ou “mexido”.

Por Edmundo Ubiratan (AeroMagazine)

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