Futuro da área do terminal é incerto. Moradores falam em parque. PBH cogita manter estrutura, que acumula déficit de R$ 23,7 milhões desde 2014.
Estrutura usada para voos de treinamento, inaugurada em 1944, hoje está cercada por áreas residenciais, o que agrava riscos em caso de desastre (Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press) |
Com trajetória recente de mortes, acidentes e insegurança para moradores que residem em seu entorno, o Aeroporto Carlos Prates, no Bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste de Belo Horizonte, conviveu também com um histórico de prejuízos para a União. Nos últimos anos, um déficit de R$ 23,7 milhões aos cofres do governo federal pressiona o Executivo ainda mais para sua desativação, marcada para maio. Segundo relatório divulgado pela Infraero, o déficit do terminal se acentuou desde a pandemia do coronavírus, com valores negativos na casa dos R$ 6,2 milhões desde o começo de 2020. Projeto de transformar o local em parque é defendido na comunidade. A prefeitura fala em reabertura de forma rentável.
As perdas financeiras vêm desde 2014, quando houve redução de 11,5% em sua receita, além da queda de 43,2% na movimentação e aumento acumulado de 9,5% no custo total. Desde sua inauguração, em janeiro de 1944, o terminal tem sua história associada a uma série de tragédias e à preocupação das comunidades próximas, que vivem o medo diário do risco de queda de aeronaves. Entre acidentes registrados em área urbana de Belo Horizonte desde 2008, apenas um não envolveu aeronave que tenha decolado do terminal.
Atualmente, o aeroporto abriga o Aeroclube do Estado de Minas Gerais, dedicado à formação de pilotos, aviação desportiva, manutenção, instrução e construção de aeronaves. A desativação do espaço estava agendada para 31 de dezembro, porém o Ministério da Infraestrutura publicou portaria na véspera de Natal adiando o fim das atividades para 1° de maio próximo.
“Com a desativação do aeroporto, por parte da Infraero, cessam as despesas com pessoal e manutenção envolvida na operação do aeroporto”, diz a Infraero, em comunicado. O terreno que abriga o campo de aviação, de posse do governo federal, será repassado à Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que dará destinação aos 547 mil metros quadrados. Há, na comunidade, defesa da construção de um parque ecológico e de espaço para preservar a memória da aviação. Paralelamente, a Prefeitura de Belo Horizonte, que dá mostras de interesse na área, crê que postergar o fechamento do aeroporto pode ajudar na estruturação de projeto para uma reabertura “eficiente”.
No governo federal, a entrega da área à iniciativa privada, quando aventada, não diz respeito à construção de prédios. Isso é o que garante Diogo Mac Cord, secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia. “Não falamos em lotear aquela área, em transformar aquilo em mais um ‘paliteiro’ de prédios. Falamos em criar um bairro novo que, no fim das contas, traga benefícios à sociedade local, com entrega de equipamentos públicos que são absolutamente necessários àquele entorno.”
Em 2020, a União procurou o governo de Minas e a Prefeitura de BH, que não mostraram interesse em assumir a área. Porém, o quadro mudou e o Executivo municipal cogita manter o aeroporto com patrocínio de entidade vinculada à aviação, que quer o aeródromo como escola de pilotos.
Um dos entusiastas da possibilidade é o vice-prefeito Fuad Noman (PSD). “Não dá para fazer grandes empreendimentos imobiliários lá. Parque, dá. Agora, parques e jardins não geram retornos a um fundo de investimentos que vai aportar lá R$ 300 milhões. Só poderíamos fazer isso (áreas verdes) se tivéssemos os recursos para fazer os serviços públicos e a mobilidade que a região necessita. Como não temos, estamos pensando em fazer o melhor uso do aeroporto como um todo”, disse ele em audiência na Câmara dos Deputados para discutir a destinação do aeroporto.
Em novembro, a PBH remeteu ofício ao Ministério da Infraestrutura detalhando as intenções. De parte a parte, em Belo Horizonte, a avaliação é que a construção de prédios não é viável. A mudança de opinião da prefeitura sobre a destinação, no entanto, surpreendeu moradores e defensores da possibilidade de transformar as terras em um espaço ecológico.
“É uma postura antipopular da prefeitura. A comunidade está disposta a dialogar com a prefeitura, a fim de mostrar que o melhor caminho é a desativação do aeroporto e transformar a área em um grande parque ecológico”, sustenta, ao Estado de Minas, a vereadora Duda Salabert (PDT). A parlamentar, presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana na Câmara Municipal de BH, já se reuniu com o prefeito Alexandre Kalil (PSD) a fim de debater as formas de uso do espaço.
O Coletivo Cultural Noroeste BH abriu espaço para envio de sugestões sobre a destinação. A maior parte das hipóteses está ligada à implantação de áreas verdes, destinadas à preservação e à prática esportiva. Oitenta e quatro por cento dos participantes da pesquisa pública são favoráveis à municipalização do terreno.
Representante do coletivo, Thaís Novaes destaca que os moradores da região sentem a necessidade de um projeto de reflorestamento no espaço, já que a regional tem menos de 2% de cobertura vegetal, segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte.
Um contrato entre o município e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) viabilizou a construção de um parque ecológico nas proximidades do aeroporto. O término do acordo, no entanto, gerou o abandono do equipamento.
Reparação
“O que a gente gostaria é que aquelas construções que existem ali, nos hangares, fossem aproveitadas para construir um Museu da Aeronáutica e Aeroespacial, que contasse a história da aventura do homem no espaço. Seria um local de educação, onde as escolas poderiam levar as crianças. Uma área que pudesse ser usada para entretenimento, como caminhada, bicicleta, skate e futebol, além da área verde, para melhorar a qualidade de vida da cidade”, enumera Thaís, que defende a manutenção da pista do aeroporto como patrimônio.
A ideia de um museu consta, também, nos planos da prefeitura. Para Duda Salabert, a substituição do aeródromo por um parque ecológico representaria “reparação” à comunidade pelos impactos causados pelos aviões que riscam o céu. “Primeiro, uma reparação em relação aos acidentes que ocorreram e traumatizaram a comunidade, à poluição sonora e ao transtorno. Reparação, também, porque a Região Noroeste é a área menos arborizada de BH.”
O adiamento do fechamento dos portões, contudo, dá esperanças à PBH para detalhar os planos para o aeroporto. “É um projeto em que o aeroporto passa a ser rentável, a ter serviços públicos, Corpo de Bombeiros — uma série de outros benefícios à comunidade — e permanecem as atividades que lá estão”, observou Fuad.
Apesar dos desejos da gestão municipal, Duda Salabert confia na reversão do cenário. “Vamos estabelecer um diálogo e mostrar como esse aeroporto é um dos maiores problemas da Regional Noroeste. Temos certeza de que, a partir dessa conversa, o vice-prefeito vai mudar de ideia”, crê. “Se a prefeitura tomar outro rumo, sou moradora do bairro e acredito que haverá um grande levante popular, uma manifestação como há muito tempo não se vê em BH.”
Sequência de perdas
Os prejuízos do Aeroporto Carlos Prates ano a ano (em R$):
» 2014 - 1.634.888,30
» 2015 - 2.743.441,59
» 2016 - 3.323.465,94
» 2017 - 2.390.556,44
» 2018 - 3.753.825,62
» 2019 - 3.678.967,26
» 2020 - 4.454.596,02
» 2021* - 1.769.249,68
» Total - 23.748.987
*Até novembro
Vizinhos dizem viver com medo de quedas
Da janela de seu apartamento, a professora Soraya Batista avista a pista do terminal: "Fico pensando o perigo que estamos correndo. Imagina uma pane?" (Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press) |
“Sensação de alívio e felicidade.” Foi assim que a professora Soraya Barbosa Batista, de 50 anos, recebeu a notícia inicial de que o Aeroporto Carlos Prates, com 15 mil pousos e decolagens entre janeiro e outubro de 2021, seria desativado. Soraya mora no Bairro Monsenhor Messias e sempre foi vizinha do terminal. Da janela de seu apartamento, vê a cabeceira da pista, onde um avião já se acidentou ao cair do barranco.
“Fico pensando o perigo que estamos correndo no prédio. Imagina uma pane que aconteça? A quantidade de moradores aqui. Vi que foi no barranco. E se fosse aqui? A gente fica à mercê da sorte. É Deus cuidando”, descreve.
Soraya também contou que no último acidente registrado, em outubro de 2019 (leia ao lado), sua filha estava dentro de um ônibus que passava próximo à Rua Minerva, onde aconteceu a tragédia, deixando quatro mortos e dois feridos. “Ela tinha acabado de passar e ouviu um estrondo. A gente convive com esse medo de cair, com o barulho insuportável. Atrapalha reuniões, aulas. Principalmente durante a pandemia”, completa.
A também professora Fátima Porto, de 67, mora no Bairro Jardim Montanhês. Assim como Soraya, reclama do ruído das aeronaves, que passam a baixa altitude sobre sua casa. “É muito preocupante, porque como moramos perto, os aviões passam muito baixo. Toda hora em que passa um, a gente começa a tremer. Até a parede treme”.
A tendência é que as operações do Carlos Prates sejam transferidas para o aeroporto da Pampulha, também em BH, e para Pará de Minas, no Centro-Oeste do estado. Thaís Novaes reconhece a importância das escolas de aviação, mas defende que elas sejam instaladas em outros locais. “Entendo a necessidade de as escolas terem um aeroporto que possa ser usado para ensinar os aviadores. Acontece que esse aeroporto tem que oferecer segurança para alunos, instrutores e moradores do entorno. Que não seja nesse local, mas, sim, em um aeroporto adequado.”
Histórico de acidentes com pequenos aviões
Avião de pequeno porte em chamas na Rua Minerva, onde apenas em 2019 houve duas quedas com mortes (Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação - 13/04/2019) |
Em 2019, duas aeronaves de pequeno porte caíram na Rua Minerva, no Bairro Caiçara. No primeiro acidente, em abril, um avião colidiu com um poste em meio a dezenas de moradias. O piloto morreu na hora. Uma testemunha disse que o aviador conseguiu desviar a aeronave de um prédio antes de ir ao solo. Já em outubro, quatro pessoas perderam a vida e outras duas ficaram feridas após a queda do avião de prefixo PR-ETJ, que saiu do Carlos Prates e seguia com destino a Ilhéus (BA).
Outras duas quedas foram registradas em 2014. Em uma delas, um monomotor atingiu o telhado de uma casa próximo à Avenida Pedro II e feriu duas pessoas. Em outra, o avião atingiu um muro na marginal do Anel Rodoviário. Neste último caso, o piloto foi socorrido com trauma de tórax e escoriações no rosto. A aeronave faria um pouso de emergência no Carlos Prates, uma vez que o plano original era ir ao aeroporto da Pampulha. No entanto, o aparelho não chegou até a pista.
Em outras situações, os aviões pararam em um barranco, no fim da pista do aeroporto. Em maio do ano passado, uma pane mecânica fez um Cessna escorregar até uma área de vegetação próxima de casas. As duas pessoas que estavam no avião não se feriram. Em 2012, outra aeronave caiu no barranco. O piloto, único ocupante do equipamento, saiu ileso.
Já em setembro de 2008, um avião de pequeno porte caiu no telhado de um depósito de materiais no Jardim Montanhês, instantes depois de decolar do Aeroporto Carlos Prates. O galpão pegou fogo após o impacto. Três pessoas ficaram feridas.
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