O especialista em análise de acidentes e controles de emergência da Coppe-UFRJ, Moacyr Duarte acredita que os pilotos não são preparados para lidar com falhas do sistema eletrônico como a que aconteceu com o voo 447, que caiu no Oceano Atlântico em 2009 quando seguia do Rio para Paris. Segundo Moacyr, a partir do relatório preliminar do Escritório de Investigações e Análises (BEA, na sigla em francês) não é possível se chegar a uma conclusão sobre as causas do acidente, que seriam bastantes complexas. Para Moacyr, os dados ainda vão passar por muitas interpretações até que os investigadores consigam introduzir logicamente a sequência até a queda do avião. De acordo com ele, muitos acidentes só são esclarecidos após uma análise posterior dos dados de voz que captam até sons inaudíveis.
- Estamos agora bem de frente com o que aconteceu, mas não por que aconteceu. Desde o início, sabíamos que era algo de natureza muito complexa, e o relatório também indica isso. Está se subscrevendo o problema em torno do Air Data Inertial Reference Unit (Adiru), que é um equipamento que reúne uma série de informações coletadas pelos sensores do avião, como velocidade, temperatura e pressão e repassa ao sistema do avião para ele interpretar isso. Mesmo uma sequência de dados discordantes só derruba avião se houver uma interpretação errada do sistema. O que o sistema de suporte ao voo faz com as informações geradas é que pode levar a problemas a bordo.
Para o especialista, a sequência de alarmes disparados tornaria impossível para qualquer piloto tomar qualquer atitude, só o sistema eletrônico, que apresentava problemas, poderia processar isso.
Moacyr ressalta que as confusões de interpretação do sistema por conta de dados errados têm que ser revistas no processo de preparação dos pilotos.
Segundo ele, os problemas que ocorreram no voo 447 são muito semelhantes aos de um incidente ocorrido em 2008 com um voo da Qantas (companhia aérea da Austrália). O avião australiano também teve quedas bruscas, mas o piloto conseguiu reverter as quedas, e acabou pousando na base aérea de Learmonth. Tanto no caso da Qantas quanto no da Air France houve problemas no IR (referência inercial), que faz parte do Adiru.
- Na minha visão, ainda falta muito a se esclarecer. As falhas eletrônicas expõem aos condutores da máquina uma complexidade grande. A falha eletrônica é mais difícil de se lidar do que a falha física. Agora, a responsabilidade de qualquer operador circunscreve-se para aquilo que ele foi preparado - afirma Moacyr.
Moacyr relembra que na época do acidente com o avião da TAM, em Congonhas, já se questionava se aqueles pilotos que voavam com um reverso pinado (travado) tinham algum treinamento para atuar nessas condições:
- A pergunta é se os pilotos tinham feito treinamento para essa situação específica e não apenas se eles voaram no simulador. Acidentes têm coisas muitos peculiares, mas as falhas guardam semelhanças - completa Moacyr.
O relatório preliminar, divulgado na manhã desta sexta, fala apenas da sequência de ações dos pilotos até a queda, que durou 3 minutos e 30 segundos. As causas do acidente e as responsabilidades só serão divulgadas pelas autoridades francesas no fim de junho. O documento confirma ainda a informação do semanário alemão "Der Spiegel", de que o comandante da aeronave não estava na cabine no momento que o piloto automático é desativado. ( Confira parte da conversa dos pilotos )
Segundo a BEA, a divulgação dos dados foi antecipada devido à publicação de informações contraditórias publicadas pela imprensa. Na semana passada, um dos responsáveis do BEA disse à imprensa que uma primeira leitura das gravações não havia revelado "disfunções importantes" no avião, um A330 da Airbus .
Na quinta-feira, um grupo de advogados franceses e brasileiros das famílias das vítimas do voo 447 anunciou que intimou a Air France e a Airbus para comparecer com urgência diante da Justiça francesa. Eles questionam o próprio projeto do avião. Um procedimento semelhante, visando investigar a verdade sobre as causas do acidente que deixou 228 mortos e obter depósitos para indenizações, será encaminhado no futuro próximo junto à Justiça brasileira, declarou à Reuters um dos porta-vozes do grupo.
A Air France e a Airbus foram indiciados em março por homicídio culposo pela morte de 228 pessoas que estavam a bordo da aeronave. Há duas semanas, uma reportagem do jornal francês 'Le Figaro' afirmava ainda que eles tinham tido acesso ao conteúdo das caixas-pretas , e que os dados livrariam os fabricantes da Airbus de qualquer culpa.
Resgate de corpos continua
Pelo menos 29 corpos das vítimas do voo 447 já teriam sido resgatados desde o reinício das operações, em 21 de maio. A informação foi passada às famílias das vítimas por autoridades francesas. No início de maio, outros dois corpos já haviam sido retirados do oceano. Ao todo, 82 corpos foram resgatados desde 2009 , e 146 permanecem desaparecidos.
Fonte: Fernanda Baldioti (O Globo)
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