quinta-feira, 4 de junho de 2009

Saiba o que ainda é dúvida sobre o desaparecimento do voo 447

Especialistas explicam o que pode ter ocorrido com o Airbus.

Variação de altitude e velocidade não são problemas de segurança.




O acidente com o voo 447 da Air France, ocorrido após decolar do Rio de Janeiro no domingo (31), segue repleto de dúvidas enquanto autoridades prosseguem com as buscas no Oceano Atlântico. A aeronave transportava 228 pessoas, entre tripulantes e passageiros.

O G1 falou com Jorge Barros, diretor da Nvtec, especialista em segurança de voo; com Newton Claizoni, piloto de jato executivo; com Ronaldo Jenkins, diretor técnico do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias; e com Hamilton Munhoz, piloto de jato executivo e comercial.

Eles falaram sobre procedimentos padrões durante um voo, equipamentos básicos de navegação e legislação específica. Confira a seguir os principais trechos.

O voo AF 447 estava a 35 mil pés e não a 37 mil como previsto. Isso é problema?

Normalmente, quanto mais alto se voa, melhor é a eficiência em relação a combustível. Não tem necessariamente relação com a velocidade, mas com a possibilidade de fazer o mesmo percurso gastando menos combustível. O que acontece é que, quando o avião decola, ele não sobe imediatamente a sua altitude máxima, ou à altitude do plano de voo.

Como o piloto faz essa mudança de altitude?

Isso se chama step climb e é corriqueiro. A maioria dos aviões comerciais atualmente pode ir até 41 mil pés, mas eles sobem aos poucos, dependendo do peso e da quantidade de combustível, pois o computador vai indicando qual o “nível ótimo” para cada situação.

O avião vai mudando de faixa de peso dependendo da queima de combustível, e isso é controlado pelo computador e acompanhado pelo centro de controle. Se o avião estava a 35 mil pés, ele devia estar autorizado para isso e, assim que o computador determinasse, ele entraria em contato e diria que estava pronto para a “altitude final”, que é a determinada pelo plano de voo, e então subiria para esta altitude. É normal isso.

O piloto poderia mudar a altitude e velocidade indicadas na navegação?

Ele poderia variar como achasse relevante. O piloto muda a altitude como recurso para aproveitar melhor os ventos, como se fosse um surfista numa onda. A velocidade varia em função das condições meteorológicas. Se há turbulência, quanto mais lento o avião estiver, melhor, assim como um carro em uma rua esburacada. Os aviões são projetados para velocidades específicas para penetração em turbulência. Se não é possível reduzir o impacto, reduzir a velocidade já pode ajudar.

O que ocorreu primeiro, a pane elétrica ou a despressurização?

É impossível determinar isso com os dados disponíveis agora. Sem os sistemas elétricos, o avião passaria por uma súbita despressurização; por outro lado, a perda de pressão na cabine poderia, em tese, ocorrer sem que os demais sistemas da aeronave fossem danificados.

Como uma aeronave com tantos sistemas de segurança pode desaparecer?

Dificilmente uma única causa - raios, a força da turbulência ou outro problema ao longo da rota - será responsável pelo desaparecimento de uma aeronave. Uma sucessão de eventos e problemas provavelmente concorreu para o que houve com o voo da Air France. Uma das hipóteses é que a forte turbulência tenha interagido com alguma falha estrutural no avião, levando à perda de sua capacidade de voar.

Por que a tripulação não pediu ajuda?

Se a falha no sistema elétrico do avião foi mesmo catastrófica, a julgar pela mensagem automática transmitida para a Air France às 23h14 do dia 31, o mais provável é que os meios usuais de comunicação com o controle aéreo não estivessem mais disponíveis para a tripulação.

A região tem acidentes frequentes?

Apesar da presença de turbulências, não há um índice elevado de acidentes aéreos ali. Além disso, apenas 12% dos acidentes aéreos fatais acontecem em pleno voo, longe da decolagem e da aterrissagem, de acordo com dados da Boeing.

Os aviões têm radar meteorológico?

Todos os jatos possuem radar meteorológico. O que eles fazem é emitir uma freqüência de ondas que é refletida por água. Se houver uma concentração de água adiante, ele reflete, indicando que pode haver uma nuvem. Normalmente, onde há muita nuvem há mais turbulência, mas há exceções em que se pode ter turbulência sem nuvens ou nuvens sem turbulência – no Recife, por exemplo, quando chove por dois dias seguidos a atmosfera se estabiliza dessa forma, o que não causa mais tanta turbulência. Há radares mais modernos que têm módulos de detectar turbulência a partir da velocidade do vento. Ainda assim a turbulência não pode ser prevista com tanta segurança. Nos Estados Unidos á há tecnologias que permitem voar usando imagens de satélite que podem até funcionar melhor de que radar meteorológio.

Existe um alerta específico para as tempestades em voos sobre oceano?

O comandante tem três opções. Além do aviso da navegação e do radar meteorológico, há uma leitura por códigos de números, que é entendida pelos comandantes. Chama-se TAF, e oferece uma previsão meteorológica por satélite da região que vai ser cruzada. A aeronáutica mostra a fotografia do satélite e oferece um desenho feito à mão por um meteorologista que interpreta ela e transforma e código a ser lido pelos pilotos. Isso é feito até com 36 horas de antecedência de cada voo.

Este material é entregue pelo despachante de voo para o piloto, pois faz parte da pastinha que ele recebe, mostrando o que o piloto espera encontrar durante a viagem. Por ali, ele pode mudar a rota de plano de voo repetitivo que vai pedir, dependendo do quanto está desfavorável aquela rota. Como o planeta é redondo, a rota é em arco, então pode ser alterada mesmo dentro da aerovia. Quando recebe a navegação, o piloto estuda isso na cabine e decide como vai executar aquilo, fazendo contestações se achar que há algum problema.

Quem faz um plano de voo?

Para quem trabalha com aviação, há dois termos diferentes. Um é o plano de voo, que é um documento apresentado às autoridades aeronáuticas explicando qual é a rota a ser voada e tudo o mais, e que pode ser autorizada ou não. O outro, que fora da aviação chama plano de vôo, nós chamamos navegação e é o nosso planejamento aéreo. É o cálculo de combustível, de peso, de tempo, e que muda a cada vez de acordo com as condições, o número de passageiros, a temperatura, a pressão.

Como ele recebe a navegação?

Ele recebe várias folhas de papel mostrando os pontos por onde o avião vai passar, os fixos de posição na rota, uma tabela mostrando o quanto ele vai ter de combustível, qual deve ser a situação do voo. É um documento não muito difícil de ser entendido por um leigo, mas com siglas que talvez soem desconhecidas para quem não trabalha na área.

Quando o piloto recebe a navegação, qual o procedimento adotado?

A rota costuma ser sempre a mesma, e, se houver alguma anormalidade, o DOV informa. A responsabilidade final é do comandante, entretanto, que deve verificar a navegação.

Como as companhias aéreas registram os voos?

No caso de companhias aéreas, há o que se chama de plano de voo repetitivo, que diz o tipo de aeronave que vai fazer determinada rota em determinado horário. Isso é feito para evitar que toda vez um novo plano de voo tenha que ser apresentado à autoridade aeronáutica. O que acontece é que há um profissional chamado Despachante Operacional de Voo (DOV), que atua pelas empresas fazendo os cálculos de navegação, incluindo as condições de voo, a meteorologia, confere tudo e entrega isso ao comandante alguns minutos antes da decolagem.

O piloto precisa de autorização para decolar?

Antes de decolar, o comandante recebe uma autorização de voo que vai até um limite de controle determinado pelo centro de controle aéreo. Quando parte do Rio de Janeiro, por exemplo, ele recebe autorização até a posição limite entre o controle que é feito por Brasília e o que passa a ser feito pelo Recife, quando um novo centro tem que ser contactado. Ele vai recebendo autorizações sucessivas dos diferentes centros de controle, que normalmente são autorizações iguais às solicitadas, a não ser que haja algum conflito.

O comandante faz contato o tempo todo com o controle aéreo?

É importante o comandante sempre manter pelo menos um rádio sintonizado o tempo todo com o órgão de controle a que se está sujeito no momento, porque ela pode a qualquer momento fazer uma chamada para ele [no caso do voo AF447, a autoridade no momento do desaparecimento era a de Recife]. Dentro das aerovias, há uma série de posições chamadas “fixos”, que são batizadas dentro da carta. Alguns desses pontos têm notificação compulsória, e a tripulação precisa reportar por rádio, sempre que passar por essas posições, mas algumas não são compulsórias. Meia hora após decolar, o piloto faz um primeiro contato com o centro de controle e, em seguida, a cada hora.

No caso de uma travessia de oceano, é mais provável que se trabalhe com tempo, já que as referências geográficas são mais irrelevantes. Tanto que o que foi relatado pelas autoridades é que o avião deveria ter feito contato num determinado horário, mas não entrou em contato.

O que acontece quando o piloto não faz o contato esperado?

O controlador de voo tem que tentar entrar em contato com ele. É importante dizer que há uma margem de tolerância para o contato, quando se está numa região de baixa qualidade de sinal. No meio do oceano, nem mesmo o rádio funciona tão perfeitamente. O alarme não é imediato, caso o contato não exista no momento acertado. Existe uma margem de espera, assim como regras para isso, como a fase de incerteza; fase de alerta e fase de perigo. O acionamento dessas fases é de responsabilidade do serviço de tráfego aéreo.

Qual a prioridade do piloto durante o voo?

Como regra geral, os pilotos têm três prioridades em relação a um voo. A primeira é voar a aeronave e controlá-la. A segunda é navegar, ou seja, além de manter o controle, saber qual sua posição. Em terceiro lugar vem a comunicação. Se não der tempo de fazer as três, o mais importante sempre é voar e controlar. Isso está no treinamento de todo piloto. Sempre se treina isso no simulador, inclusive em situações meteorológicas adversas. Isso é importante porque, às vezes, é necessária uma concentração muito grande no controle da aeronave, e se torna humanamente impossível fazer tudo, o que deixa a comunicação para depois.

É possível saber o que aconteceu sem acesso à caixa-preta?

Sim. Os aviões dessa geração têm um equipamento chamado Acars (Automatic Comunication And Reporting System), que é um pequeno computador que manda comunicações via satélite linkando o avião com a companhia aérea e o fabricante. Ele não coleta tantos parâmetros de voo quanto a caixa-preta –são 10 a 20, contra 580 - , mas são suficientes para que a companhia saiba se a aeronave teve algum defeito. Parte do que aconteceu com o voo, a companhia tem como saber mesmo sem a caixa-preta. Com esse equipamento, cerca de 60% das informações sobre um acidente é enviado para a companhia aérea e para o fabricante da aeronave.

O avião é acompanhando pelos controladores quando cruza o oceano?

Não. É impossível acompanhar o voo por radar durante uma travessia de oceano, a não ser que houvesse radares boiando no oceano. O último que há na costa brasileira é em Fernando de Noronha, e ele não tem alcance por todo o oceano. Até chegar nos radares da Europa ou da África ele se reporta apenas por rádio. Uma nova tecnologia está sendo implementada, CNS/ATM, que vai fazer com que os aviões mandem mensagens por satélite informando sua localização. No futuro esta vai ser a forma de controle, e não os radares, mas isso ainda não existe. Na travessia do oceano, o acompanhamento é feito exclusivamente por rádio.

O controlador precisa avisar o piloto sobre algum obstáculo no voo?

É preciso entender que o interesse do controle de tráfego aéreo é somente evitar que dois aviões colidam entre si. Não cabe ao controle de tráfego aéreo separar os aviões nem de tempo ruim nem de montanha. O comandante é que tem que ter outras preocupações, incluindo outras aeronaves, mau tempo e montanhas.

Ele pode ter tido problema antes de entrar na tempestade, mas é uma situação mais rara em que ele teria problema em todos os equipamentos ao mesmo tempo.

Fonte: Daniel Buarque e Glauco Araújo (G1)

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