segunda-feira, 15 de junho de 2009

Radar pode enganar piloto sobre tempestade, mostra manual da Airbus

Segundo manual da Airbus, chuva forte às vezes esconde do radar meteorológico uma região mais turbulenta à frente

Situação pode ajudar a explicar por que avião que fazia o voo AF 447 entrou em área com condições de tempo tão adversas

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Além do cipoal de dúvidas técnicas sobre o acidente com o voo AF 447 da Air France, uma pergunta central talvez nunca seja respondida: por que o avião aparentemente entrou em uma região com condições meteorológicas tão adversas no trajeto entre o Rio e Paris?

Se não responde, a leitura do manual de operação do radar da Airbus -fabricante da aeronave que caiu com 228 pessoas a bordo na noite do último dia 31- joga luz sobre a questão.

Lá está indicado que chuva forte pode enganar o instrumento, escondendo regiões com violentas tempestades mais à frente. E que pilotos tendem a enfrentar nuvens quando estão com mais de 15 minutos de atraso, como poderia ser o caso, e quando é noite -como era no momento do acidente.

A seção de uso de radar meteorológico do manual tem 17 páginas e é escrita em linguagem direta para pilotos de toda a família Airbus, inclusive o A-330/200 que caiu. Ensina operações básicas do equipamento, erros comuns e como se precaver em várias situações.

Quando o piloto enfrenta uma grande tempestade, o feixe do radar tende a refletir as grandes gotas de chuva, que funcionam como uma parede, escondendo tempo mais turbulento à frente. À noite, segundo pilotos, isso é mais perigoso.

A avaliação meteorológica na rota do AF 447 indica grande atividade de CBs, os cumulus nimbus, nuvens gigantes cujo topo no domingo do acidente estava acima da altitude presumida do avião. Dentro delas, há fluxos turbulentos violentos, rajadas de vento, granizo e raios potentes. A chuva forte pode, hipoteticamente, ter criado uma barreira para o radar do avião e ocultado perigos.

Antes de decolar, o piloto recebe as cartas meteorológicas da região, e elas já apontavam tempestade. Um Airbus-340 da Iberia, que voou atrás do AF 447, teria previsto mais combustível para fazer desvios em seu trajeto, segundo relato da imprensa espanhola. Não se sabe o que os franceses fizeram.

Aliás, não se sabe se eles efetivamente tentaram desviar da tempestade -decisão que tem de ser tomada, segundo a Airbus, a até 74 km da tempestade. O radar tem alcance máximo de 596 km, mas nas condições em que voava provavelmente usava um alcance menor, de 148 km, porém com mais potência.

Modo manual

Segundo pilotos comerciais ouvidos, uma prática comum pode também ter afetado a leitura de radar na região. Enquanto os aviões estão subindo, os pilotos costumam ajustar manualmente a direção da antena, "escaneando" o caminho à frente no ângulo desejado.

Em nível de cruzeiro, contudo, a praxe é manter o radar em modo automático, exceto se houver uma formação que mereça ser estudada à frente.

Se a tripulação deixou o radar em modo manual com um ângulo de varredura incorreto (e isso é mera especulação), pode ter havido sinais fracos. A prática orientada de elevar a potência do radar em alta altitude para detectar o máximo de granizo, que nessa região é menos reflexivo por ser mais seco, também pode gerar confusões.

Outro ponto abordado no manual da Airbus é que pilotos costumam enfrentar nuvens mesmo com os avisos do radar em algumas circunstâncias.

A fabricante condena tal procedimento. Entre as circunstâncias citadas estão a noite, caso do AF 447, e o atraso superior a 15 minutos. Não está dito, mas é uma referência à política das empresas de fazer a rota pelo menor caminho e economizando o máximo de combustível. Por outro lado, nenhum piloto arriscaria a própria vida.

Dito isso, pelo plano de voo original, a previsão era que o Airbus passasse pelo ponto da carta aeronáutica conhecido como Intol (565 km de Natal) às 22h09. Mas o comandante reportou sua passagem por rádio ao controle de Fernando de Noronha às 22h33, um atraso normal de todo modo e que poderia ser compensado.

Fonte: jornal Folha de S.Paulo

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