Com uma fração desse valor - menos de US$ 200 milhões, além de aproximadamente US$ 250 milhões por um foguete -, engenheiros da Nasa no Centro Espacial Johnson, em Houston, afirmaram que podem enviar com segurança um robô humanoide à Lua e em menos de três anos.
A ideia, conhecida como Projeto M, é quase um esforço de guerrilha dentro da Nasa, criado há um ano por Stephen J. Altemus, engenheiro-chefe do Centro Johnson. Ele conseguiu verbas excedentes, chamou engenheiros para trabalhar com ele em meio-período e barganhou com empresas e outras unidades da Nasa para se responsabilizar por planejamentos e testes preliminares. "Estamos conseguindo coisas impossíveis com muito pouco dinheiro", afirmou Altemus.
Um hábil robô humanoide - ao menos a metade superior - já existe: o Robonaut 2. Desenvolvido pela Nasa e pela General Motors, foi colocado no ônibus espacial Discovery.
Com destino à ISS (sigla em inglês de Estação Espacial internacional), ele será o primeiro robô humanoide no espaço. Ele deve ajudar em obrigações "domésticas" na estação espacial, enquanto a Nasa aprende como astronautas e robôs trabalham juntos. No final, um Robonaut mais avançado deverá participar de operações no espaço.
O Projeto M também trabalha com outros projetos da Nasa que já estavam sendo conduzidos, incluindo motores de foguetes que queimam oxigênio líquido e metano --uma combinação de combustível barata e não-tóxica-- e um sistema automatizado de pouso que conseguiria evitar rochas, penhascos e outros perigos.
A integração das tecnologias em protótipos funcionais acelerou esse desenvolvimento. "Essa é a mágica", explicou Altemus. "Muitas vezes as tecnologias ficam cozinhando no laboratório, e ali existe um vale da morte onde elas nunca atingem a maturação esperada."
Os planejadores do Projeto M dizem que um robô caminhando na Lua capturaria a imaginação de estudantes, assim como os pousos lunares da Apollo inspiraram uma geração de cientistas e engenheiros há 40 anos.
"Imagino que isso vá acender algumas velas", disse Neil Milburn, vice-presidente da Armadillo Aerospace, uma pequena empresa texana trabalhando no Projeto M. Mas, conforme a atenção da Nasa se afasta da lua --"Já fomos lá, já fizemos isso", declarou o presidente Barack Obama em abril--, as possibilidades de enviar um robô para lá são no mínimo incertas.
O dilema a respeito do Projeto M condensa muitos dos contínuos debates sobre o futuro da agência espacial: o que a Nasa deve fazer quando não há dinheiro para tudo? Qual a melhor forma de incitar avanços em tecnologias espaciais? E, dados os custos e perigos, qual a real importância de enviar pessoas ao espaço?
"A parte delicada é se isso combina com a estrutura da agência para exploração", diz Altemus.
Um ano atrás, uma equipe de notáveis revisava o programa de voos espaciais tripulados da Nasa, em especial um ambicioso projeto chamado Constellation, que enviaria astronautas novamente à lua. Embora a Nasa tivesse gasto US$ 10 bilhões no Constellation, a maior parte do programa será cancelada quando o Congresso americano definir o orçamento para 2011.
Altemus ficou frustrado com as críticas da Nasa que surgiram durante a discussão do Constellation. "Sempre me senti como se nossa organização fosse uma Ferrari, e nós nunca podíamos dirigir pisando fundo no acelerador", disse ele. "Era como se estivéssemos sempre em marcha lenta."
O Projeto M surgiu de uma conversa com o filho à mesa da cozinha. Altemus queria algo que fosse instigante, mas não tão grande que exigisse anos de deliberações. A ideia surgiu em sua mente: um robô caminhando na Lua, um que pudesse enviar imagens em vídeo ao vivo, e fazer isso em cerca de mil dias.
"Eu disse 'vocês me apoiarão se eu colocar isso na organização? Não sei se conseguiremos fazê-lo. Não sei se conseguiremos a verba ou se isso será aprovado, vamos tentar'. E assim nós simplesmente começamos, e a coisa pegou como fogo", lembra.
Enviar um robô à Lua é muito mais fácil que enviar um ser humano. Para começar, um robô não precisa de oxigênio ou comida. E não existe viagem de volta.
O prazo de mil dias era arbitrário, explica o gerente do Projeto M, Matthew Ondler. "Isso cria uma sensação de urgência. A Nasa funciona melhor quando tem pouco tempo para descobrir as coisas. Se temos seis ou sete anos para pensar em algo, não somos tão bons. As administrações trocam e as prioridades do país mudam, e fica difícil manter as coisas rodando por tanto tempo."
Com a finalidade de auxiliar a educação científica, mil dias cabem facilmente nos quatro anos que um estudante passa na faculdade. Em comparação, mesmo se a Nasa cumprisse a meta definida por Obama de enviar astronautas a um asteroide até 2025, uma criança de sete anos já teria um diploma universitário.
Para conseguir as peças de que precisavam, Altemus e Ondler recorreram à permuta. A empresa Boston Power deu um protótipo de US$ 300 mil de uma avançada bateria de lítio, em troca de ajuda de engenharia em questões de gerenciamento de baterias.
"Era uma troca fácil, então fizemos muitos acordos como esse", disse Ondler.
A Armadillo forneceu um protótipo que havia construído para uma competição de módulos lunares, e a Nasa contribuiu com tecnologia de motores e acesso a instalações de testes.
A Nasa também pagou cerca de US$ 1 milhão à Armadillo, mas os tradicionais processos de desenvolvimento da agência teriam custado mais e levado mais tempo. Em seis meses, o módulo lunar voou 18 vezes com cabos e duas vezes em voo livre.
Nem todos os voos foram perfeitos, o que era o objetivo. "Não tem problema abrir um buraco no chão de vez em quando", disse Ondler. "Não tem problema vermos chamas saindo do lado errado do motor de vez em quando, contanto que estejamos aprendendo rapidamente, construindo e repetindo."
Ondler contou a história de um engenheiro que foi a uma loja de materiais de construção para comprar cerca de 80 dólares em materiais, para testar se o borrifo do combustível nos tanques poderia desestabilizar o módulo durante a descida. "A partir disso, fomos capazes de confirmar nossos modelos matemáticos e projetar o teste em escala natural", explicou ele, tudo em duas semanas.
O Projeto M passou por baixo do radar de todos da Nasa, incluindo seu administrador, o major general Charles F. Bolden Jr. Em fevereiro, em resposta a uma pergunta sobre projetos que a Nasa poderia empreender junto a outros países, Bolden citou um robô bípede que a agência espacial japonesa pretende enviar à lua até 2020.
"Se eu acho que consigo fazer isso?" disse Bolden. "Provavelmente não."
Naquela ocasião, a equipe do Projeto M estava esperando obter um sinal verde para iniciar em março, e realizar um pouso lunar robótico no final de 2012.
Apesar da sofisticação do projeto, as capacidades do robô seriam pequenas perto do que um humano poderia fazer na superfície da lua. O Projeto M foi concebido como uma demonstração de tecnologia, não uma missão científica.
Uma das principais tarefas pretendidas para o robô seria simplesmente levantar uma pedra e soltá-la, como parte de uma transmissão educacional para escolas. Os alunos poderiam fazer o mesmo e comparar a gravidade relativa da Terra.
O trabalho continua no Projeto M, com um custo de aproximadamente US$ 9 milhões até agora. A Armadillo está construindo um segundo protótipo de módulo, mas não há dinheiro para outros aspectos, como finalizar as pernas do Robonaut. A visão de Obama para a Nasa propunha um investimento de US$ 16 bilhões ao longo de cinco anos para tecnologias espaciais, mas o projeto de compromisso do congresso encaminha a maior parte da verba para um foguete pesado.
O projeto gerou interesse entre os gerentes da ISS, que é o motivo pelo qual o Robonaut está sendo enviado para lá. "Estou animado para ver como podemos evoluir a tecnologia no espaço e realmente ter um par de mãos e um robô humanoide na estação espacial", disse Altemus. "Isso é um grande passo para a agência".
Por enquanto, porém, os planos de enviar um deles ao espaço estão suspensos.
Fonte: Kenneth Chang (The New York Times) via Folha.com - Imagens: NASA / John Raoux (AP)