Há exato um ano, a vida do consultor de desenvolvimento hoteleiro Maarten Van Sluijs, de 48 anos, mudou radicalmente. No dia 31 de maio de 2009, ele e outras centenas de pessoas perderam parentes na queda do Airbus A330 da Air France, que saiu do Rio do Janeiro com destino a Paris, na França, mas acabou no Oceano Atlântico.
Maarten Vans Sluys mostra foto da irmã (à direita) com o presidente Lula
A rotina de Sluijs hoje pouco se assemelha há de 12 meses. Neste curto período de tempo, viajou nove vezes à França em busca de respostas para a tragédia que tirou a vida da irmã, a jornalista Adriana Francisca Van Sluijs, de 40 anos. Ele, que além de português, já fala outras três línguas, aprendeu também francês para poder entender melhor o que as autoridades lhe falavam.
“Éramos totalmente inexperientes no assunto, entramos de maneira abrupta em tudo isso e tivemos um começo muito conturbado”, lembra ele, que também entrou em contato com pilotos e especialistas.
Sem qualquer tipo de ajuda financeira da companhia aérea, Sluijs calcula ter gasto R$ 200 mil entre as viagens e trabalhos na Associação de Familiares das Vítimas do Voo 447. “A única viagem que nos deram foi essa (para participar das cerimônias de um ano do acidente). Já pedimos apoio para que um representante da associação pudesse ir à França saber das investigações, mas eles negaram”, afirma ele, por telefone, de Paris, ao iG. “Eles não estão dispostos a facilitar em nada e não queremos favor, nem esmola. Nossa discussão é mais ampla, são vidas que se perderam e não têm preço”, afirma.
Com a morte da irmã, Sluijs, que mora em Belo Horizonte (MG), passou a ir semanalmente ao Rio de Janeiro cuidar da mãe, de 70 anos. “Vou dar assistência. Era a Adriana quem estava sempre presente e agora minha mãe perdeu a referência”, lamenta. Ele diz que o trabalho lhe permite horários mais flexíveis, mas ainda assim conta que teve que abrir mão de diversos compromissos para poder viajar e se dedicar à memória da irmã: para que acidentes como o que lhe tiraram a vida não voltem a acontecer. “É uma caminhada árdua. Exorcizei meus próprios demônios, mas ainda me vejo muito abalado”, diz.
Se é possível encontrar algo positivo em meio a dor, Sluijs destaca a solidariedade e apoio que encontrou junto aos outros familiares de vítimas. “A gente descobre na tragédia amizades que vai carregar pela vida. É uma ajuda mútua. Hoje, alguém te empurra; amanhã, você empurra o outro”, afirma.
Corpos
Dos 228 passageiros e tripulantes do Airbus, apenas 50 corpos foram localizados. Adriana está entre as vítimas reconhecidas e Sluijs agradece por isso. “Não ter o corpo para enterrar é muito pior, vemos essa diferença entre as famílias. Eles vivem uma condição ainda mais traumática, é um ciclo que não se fecha”, considera.
Situação essa que é vivida por Nelson Marinho, que não pôde enterrar o filho Nelson Marinho Filho, de 40 anos, mecânico de engrenagens. “Sem o corpo a gente não materializa a morte da pessoa”, afirma ele, que preside a associação dos parentes das vítimas. “Falta um pedaço da gente”.
Investigação e indenização
De acordo com Marinho e Sluijs, a maioria das famílias entrou com pedido de indenização nos Estados Unidos. Acreditam que lá ele deve sair mais rápido. “No Brasil é tudo muito difícil, sabemos que as empresas sempre recorrem das sentenças e esperam chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nos Estados Unidos eles sabem que se recorrerem, geralmente, ela fica ainda mais cara”, afirma Sluijs.
Segundo eles, até o momento, nenhuma família foi indenizada. “Quatro meses depois do acidente a indenização da aeronave já tinha sido paga. A nossa não temos nem previsão”, critica Nelson Marinho, que está na França, mas afirma que não irá participar de nenhuma das homenagens organizadas pela Air France. “Vim aqui para protestar”.
Os dois criticam o “distanciamento estratégico” da companhia aérea e afirmam que interesses econômicos impedem uma investigação mais rigorosa das causas do acidentes. “Quando você faz uma pergunta difícil, eles somem. Sabemos que houve um problema nos sensores de velocidade, mas que sozinho não derrubaria uma aeronave. Houve falhas em outros equipamentos, o que implicaria em mudança em todas as aeronaves”, afirma. “Além do ônus econômico gigantesco, teria impacto no prestígio da empresa de assumir um problema. A verdade é cara, então, é melhor não ser dita”, avalia Sluijs.
“O que eles fazem é criar cortinas de fumaça para desviar a atenção das pessoas que estão sofrendo”, completa Marinho.
Fonte: Lecticia Maggi (iG) - Foto: Fabrício Costa (G1)