O Aeroporto na Zona Sul da capital paulista foi por décadas a principal fortaleza e base de operações da VASP, com hangares, oficinas de manutenção e sua vistosa sede. Em suas instalações passaram quase todos os modelos que a empresa paulista utilizou.
Boeing 737-200 da VASP em Congonhas (Aero Icarus) |
As histórias do Aeroporto de Congonhas e da VASP estão intrinsecamente ligadas. O primeiro surgiu devido a necessidade da novata companhia aérea em ter um aeroporto que não fosse afetado pelas chuvas, como ocorria no Campo de Marte nos anos 1930. Os prejuízos eram tantos que a empresa pediu subvenção ao governo paulista e este preferiu estatizar a empresa em 10 de março de 1935. Até então, a transportadora possuía três aeronaves: dois General Aviation Monospar (PP-SPA e SPB) e um de Havilland DH.89 Dragon Rapide (PP-SPC).
Dragon Rapide (Domínio Público) |
Em abril de 1936 chegou o primeiro trimotor Junkers JU-52 (PP-SPD), um dos maiores sucessos da indústria aeronáutica alemã do período. Batizado de “Cidade de São Paulo”, o PP-SPD realizou dois marcos históricos simultâneos: a inauguração do Aeroporto de Congonhas, em 05 de agosto de 1936, e ligar São Paulo com Rio de Janeiro na mesma data, sendo o embrião da Ponte Aérea Rio-São Paulo, uma das mais movimentadas ligações aéreas entre duas cidades no mundo.
Ao mesmo tempo que o PP-SPD decolava rumo ao Rio de Janeiro, o PP-SPE, batizado Rio de Janeiro, saía da então capital federal para São Paulo, ambos os voos com presença de autoridades municipais, estaduais e federais. Os voos especiais foram um sucesso e no retorno de cada avião para sua base, ambos sofreram incidentes que inviabilizaram suas operações por um período: o primeiro Ju-52 da VASP bateu com máquinas que trabalhavam na movimentação de terra em Congonhas, e o segundo trimotor com flutuadores no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
O Monospar, primeiro avião da VASP (Domínio Público) |
A dupla alemã ficou em reparos e a diretoria da VASP esperou que ambos os aeroportos estivessem com as obras concluídas para operar regularmente na rota, fato possível a partir de 30 de novembro do mesmo ano, inaugurado pelo mesmo PP-SPD.
Informalmente Congonhas era conhecido como “Campo da VASP”, pois a criação do aeroporto foi um dos investimentos do governo estadual para viabilizar a empresa. Em julho de 1940, com dois Monospar e dois Junkers JU-52, a companhia operava dois voos diários (exceto aos domingos) para o Rio de Janeiro, dois semanais para Curitiba, sendo um deles indo até Florianópolis e um semanal para Goiânia via Ribeirão Preto e Uberaba. Era a maior operadora do terminal aéreo na zona sul de São Paulo, com 15 voos semanais, contra oito voos da Condor, quatro da Panair do Brasil e dois da Pan American World Airways.
Junkers JU-52 |
Em 1941, com mais dois Junkers JU-52, a VASP aumentava para três voos diários para o Rio de Janeiro, estendia a rota de Florianópolis até Porto Alegre e inaugurava um voo semanal para São José do Rio Preto via São Carlos.
No mesmo período, a Segunda Guerra Mundial restringia a obtenção de peças para a manutenção dos Junkers, impedindo não só a VASP, mas congêneres que operavam aeronaves alemãs, de expandirem suas operações. Os aviões eram retirados de operação e alguns até serviam de peças de reposição para a frota ativa.
O raro avião sueco Scandia
Com o término da guerra, diversos C-47/DC-3 utilizados no conflito estavam disponíveis por preços acessíveis e passaram a ser espinha da frota mundial no pós-guerra. Na VASP não foi diferente e em janeiro de 1946 chegou o primeiro avião. Robusto, fácil manutenção e confiável, o DC-3 operou na VASP por 28 anos, até 1974. A partir de Congonhas, a VASP usou o bimotor da Douglas para crescer no interior paulista, Minas Gerais, Norte do Paraná e Centro-Oeste. Em 1947, a VASP aposentou os Junkers JU-52 e por três anos (1947-1950) o Douglas DC-3 reinou sozinho no transporte de passageiros na empresa.
O Viscount, com 4 motores, foi um dos aviões usados na ponte aérea |
O reinado do DC-3 na VASP se encerrou com a chegada do Saab 90 Scandia, bimotor sueco projetado para substituir o venerável Douglas. Apesar das excelentes qualidades, o Scandia foi operado por apenas duas empresas, a VASP e a Scandinavian Airlines System (SAS). A VASP recebeu os Scandia encomendados pela Aerovias Brasil, empresa que pertenceu brevemente ao Estado de São Paulo. Em meados da década de 1950, a VASP comprou os Scandias da SAS e tornou-se a única operadora mundial do modelo.
No 15º aniversário de Congonhas, o aeroporto era o terceiro mais movimentado do mundo, com 7.000 operações e mais de 100.000 passageiros circulando por mês no local. A VASP era uma das líderes deste crescimento, mas dividia o seu “campo” com outras operadoras, como a VARIG, REAL e as diversas empresas surgidas no pós-guerra.
Em 1958, a VASP realizava mais um pioneirismo: era a primeira empresa aérea do Brasil a operar turboélices ou, como propagavam na época, os “jatos-hélices”. Os Vickers Viscount 827 colocavam a VASP à frente da concorrência doméstica e permitiram que a empresa operasse novos voos saindo de Congonhas, rumo à Porto Alegre e Nordeste. Para uma empresa que operava com os versáteis DC-3 e Scandia, a chegada de uma aeronave nova representava um salto tecnológico poucas vezes visto na aviação comercial brasileira.
O sueco Scandia (Farnborough Air Sciences) |
Em 06 de julho de 1959, o Scandia PP-SQU inaugurava a Ponte Aérea Rio-São Paulo, um serviço concebido em conjunto pela VASP, VARIG e Cruzeiro do Sul para concorrer com a REAL nos voos para o Rio de Janeiro. De forma inédita, as três empresas ajustavam as partidas a cada trinta minutos de cada cidade e um passageiro com o bilhete da VARIG poderia embarcar no primeiro voo disponível, seja da própria empresa quanto da VASP ou Cruzeiro do Sul, e a compensação era feita à noite.
Em 05 de janeiro de 1962, a VASP comprou o Lóide Aéreo Nacional, passando de uma empresa regional com forte atuação em São Paulo e estados limítrofes para uma nacional, com 25% do mercado de passageiros.
Nesta compra vieram aeronaves que a VASP nunca operou até então: Douglas DC-4, DC-6 e Curtiss Commando/C-46. Estas aeronaves não eram visitantes frequentes em Congonhas, com operações pontuais ou por conta de manutenção nas oficinas da empresa. Só no final da década de 1960 os DC-6 passaram a operar mais em Congonhas quando foram convertidos em cargueiros.
A fusão com o Lóide Aéreo Nacional reverteu os resultados operacionais dos anos anteriores para prejuízos e, diante desta situação, a VASP comprou 10 Viscount 701 da British European Airways (BEA) para operar em rotas em que competiam com os Caravelle da VARIG, Cruzeiro do Sul e Panair do Brasil. O modelo 701 substituiu o Scandia na Ponte Aérea e sua operação durou até 1969, quando o custo de fazer reforços estruturais nas asas devido ao período de ciclo de operação estar próximo do fim.
Dois One-Eleven marcam a entrada na era do jato
One-Eleven da VASP na Inglaterra (Divulgação) |
A década de 1960 foi o alvorecer dos jatos na aviação mundial e, no Brasil, a VASP estava atrás das concorrentes em operar estes modelos. A tentativa de contar com jatos começou com a compra de seis Caravelle VI-R em 1962, mas a compra foi cancelada devido às condições financeiras e a VASP só receberia jatos apenas em dezembro de 1967, com dois BAC 1-11-400, comumente chamados de One-Eleven.
A dupla de bimotores britânicos começou a operar em 8 de janeiro de 1968, ligando Congonhas com Manaus via Rio de Janeiro e Belém, e Fortaleza com Porto Alegre, com as escalas em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Estes se tornaram o quarto modelo a jato puro a operar em Congonhas, depois do Caravelle, Convair 990 e Comet IV.
Samurai da VASP |
No mesmo ano a VASP recebeu os NAMC YS-11, turboélice bimotor japonês, batizado de Samurai pela empresa e colocado em operação na rota entre Congonhas e Cuiabá. A VASP possuía a maior frota de turboélices do país, composta pelos Samurais e os Viscounts, todavia a empresa queria mais jatos, pois dois One-Elevens eram responsáveis por 24% da receita de passageiros por km (RPK em inglês) da VASP, que tinha uma frota de 38 aeronaves na época.
Boeing 737 da Vasp chegou ao país em 1969 |
Em 25 de julho de 1969, a VASP recebe os primeiros quatro Boeing 737-200 de uma encomenda de cinco. O primeiro deles, PP-SMA, tocou o solo de Congonhas às 16h36, com os outros três (SMB, SMC e SMD) pousando depois a cada quatro minutos de diferença. Antes disso, a quadra realizou diversos rasantes sobre o aeroporto, que viria ser o ninho da maior frota de 737-200 da América Latina nos próximos anos. Cinco dias depois da chegada, o PP-SMB realizava o primeiro voo comercial dos 737-200 no país.
A chegada de jatos nas empresas aéreas e a aposentadoria de aeronaves a pistão como C-47/DC-3 e C-46 reduziram drasticamente a quantidade de cidades servidas por via aérea no Brasil. A VASP também experimentava esta situação e, entre 1967 e 1972, realizou estudos para voos regionais a partir de Congonhas, operando em caráter experimental os de Havilland Canada DHC-6 Twin Otter (PP-SRV) em novembro de 1967, o Beech 99 (PP-SRW) em 1968, o Nord 262 (N26215) nas cores da americana Lake Central em fevereiro de 1969 e o Swearingen Metro (PP-SAF) em dezembro de 1972.
No final prevaleceu a vontade do Governo Federal em fomentar a Embraer e, em 04 de outubro de 1973, a VASP recebia os primeiros Embraer EMB-110 Bandeirante e, fazendo jus ao nome da aeronave, foram empregados nas rotas que ligavam Congonhas com o interior paulista.
O Boeing 727-200 foi o maior avião da VASP até a chegada do A300 (Pedro Aragão) |
O Boeing 727-200 foi o terceiro modelo a jato que a VASP operou. Denominados Super 200, o primeiro deles (PP-SNE) foi recebido no dia 19 de abril de 1977, tornando-se a maior aeronave a ser operada até então em Congonhas. Em 03 de janeiro 1979, a empresa recebeu o primeiro de dois modelos do Boeing 727-100, destinados para os voos cargueiros. Com as cores básicas da Lufthansa, sua antiga operadora, o PP-SRY e PP-SRZ operaram até 1981.
Airbus A300, o primeiro widebody
No dia 22 de novembro de 1982, a VASP recebeu o Airbus A300B2K-200 proveniente de Toulouse, França. Recebido com grande festa e batizado de Epaminondas, o A300 foi a primeira aeronave de dois corredores (widebody) da VASP, e foi empregada nas rotas mais prestigiosas da companhia, ligando Congonhas com Manaus via litoral (Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém), via Brasília, e Porto Alegre. No dia 18 de janeiro de 1984, o A300 inaugurou o primeiro voo charter internacional de passageiros da VASP, ligando Congonhas com Orlando, via Manaus e Aruba.
Em 25 de janeiro de 1985, o Aeroporto Internacional de Cumbica era inaugurado em Guarulhos, e São Paulo contava agora com um aeroporto com melhor estrutura operacional que Congonhas – apesar da estrutura para receber grandes jatos, Viracopos, alternativa a Congonhas, era muito distante da capital.
O Airbus A300-B2 foi o primeiro widebody da empresa (Aero Icarus) |
A partir de agosto de 1985, Guarulhos passou a receber voos domésticos de Congonhas, relegando suas funções para voos regionais e a Ponte Aérea com os Electras da VARIG. Os A300, B727-200 e B737-200 da VASP só pousavam no aeroporto para manutenção ou apresentação, como foi com o Boeing 737-300 PP-SNS em 29 de abril de 1986. Posteriormente, este modelo operou em uma Ponte Aérea alternativa, ligando Congonhas com Galeão cinco vezes por dia.
Após testes, o Departamento de Aviação Civil (DAC) aprovou a operação dos 737-300 no Santos Dumont e, em 11 de novembro de 1991, a VASP iniciava a operação deste modelo na Ponte Aérea.
Naquele ano, a VASP vivia um processo de expansão acelerada, desejo de seu novo dono, o Consórcio VOE-Canhedo, que venceu a licitação de privatização do governo do estado. E novos modelos foram recebidos: o Boeing 737-400, Douglas DC-8-70F, DC-10-30 e MD-11. Os dois últimos não operavam em Congonhas por restrições na pista, enquanto os outros pousavam para manutenção.
O raro DC-8-73F, cargueiro que visitava Congonhas nos anos 90 (Aero Icarus) |
Com a VASP concentrando esforços em Cumbica e na expansão internacional, sua presença em Congonhas foi sendo gradativamente diminuída ao longo dos anos, perdendo espaço para as novatas Rio-Sul e TAM. Em dezembro de 1999, fazia ligações diretas apenas para Belo Horizonte (Pampulha), Brasília, Rio de Janeiro (Santos Dumont) e um charter para Porto Seguro.
Manutenção foi a atividade derradeira da VASP em Congonhas
A maxidesvalorização do Real afetou as receitas internacionais da empresa e agravou mais seus créditos na praça e, outrora base de chegada dos novos modelos, Congonhas passou a ser local de aeronaves paradas por falta de dinheiro para manutenção, ou que serviriam de peças para as outras aeronaves.
Com inúmeros voos atrasados ou cancelados, a VASP recebeu comunicado do Departamento de Aviação Civil (DAC) de suspender as operações comerciais a partir das 23h59 de 26 de janeiro de 2005, com o PP-SFJ realizando o derradeiro voo de passageiros da empresa. Pouco tempo depois, em 05 de fevereiro, foram os serviços cargueiros que pararam.
Em Congonhas ficaram paradas as seguintes aeronaves: A300 (PP-SNL e SNN), 737-200 (PP-SMF, SMG, SMQ, SMS, SMU e SFI) e o 737-300 PP-SOT. Todas foram desmanchadas em um programa da Justiça Federal para retirar aeronaves que estavam abandonadas em diversos aeroportos brasileiros.
Vários 737 da Vasp viraram sucatas após a falência da empresa (Aeroprints) |
Mesmo sem operar voos de passageiros e cargas, a VASP usava seus hangares para fazer serviços de manutenção a terceiros até 08 de setembro de 2008, quando foi decretada a falência da empresa. O hangar principal era esporadicamente usado para eventos, como a LABACE.
O hangar, que recebeu outrora desde DC-3 até A300, passando pelos Viscount 827, Boeing 727-200 e 737-200, inclusive realizando serviços para terceiros, como os VC-96 presidenciais, está sendo demolido. Esta demolição faz parte de um acordo entre a Infraero e a rede de lojas de construção Leroy Merlin em implantar uma loja conceito no lugar de parte das instalações da VASP.
Curiosidades:
Ao longo de sua história, a VASP teve outras aeronaves que não eram destinadas ao transporte de passageiros ou carga. Eram destinados a aerofotogrametria, treinamento, transporte de diretores e até mesmo a serviço do governo do estado e, possivelmente, frequentavam o Aeroporto de Congonhas. Estes aviões eram parte do que chamavam de “Vaspinha”, e eram o Cessna 195, Beech D18S, Nord 1203 Norecrin II, Piper PA-23, Beech Queen Air 80, de Havilland Canada DHC-2 Beaver e o helicóptero Bell 47D, o primeiro do Brasil.
Durante a fase que a VASP foi acionista Ecuatoriana de Aviación, Lloyd Aéreo Boliviano e Transportes Aéreos Neuquén S.A (TAN), aeronaves destas empresas iam para Congonhas para manutenção, como os A310-300, 727-200, Saab 340, Swearingen Metro e Rockwell Commander.
O DHC-2 Beaver que voou na “Vaspinha” em serviços de aerofotogrametria (Reprodução) |
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