quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Com quase 90 anos, avião Paulistinha ainda é referência na formação de pilotos

Aeronave, também conhecida como "fusca com asas", ocupa a quarta colocação entre os aviões brasileiros mais vendidos da história, com 1.043 unidades produzidas por três fabricantes diferentes.

A fuselagem do aparelho é um “esqueleto” de tubos de aço e as asas são de madeira. É também uma aeronave compacta e extremamente leve, com apenas 6,65m de comprimento por 10,1m de envergadura e peso máximo de decolagem em torno de 600 kg. A velocidade máxima é de 150 km/h e a autonomia de 500 km (Crédito: Alexandre Montanha/Arquivo Pessoal)
É raro encontrar um piloto brasileiro que nunca tenha voado no Paulistinha. Avião de instrução com quase 90 anos de serviço, o pequeno monomotor produzido no Brasil de asa alta e dois assentos é até hoje uma referência na formação de aviadores.

A primeira versão do Paulistinha, inspirado no modelo de treinamento norte-americano Taylor Cub, foi construída pela antiga Empresa Aeronáutica Ypiranga (EAY), uma das primeiras fabricantes de aviões do Brasil. Um dos fundadores da empresa, aliás, foi Henrique Dumont Villares, sobrinho do pioneiro Alberto Santos Dumont.

De acordo com o livro “Construção Aeronáutica do Brasil – 100 Anos de História”, do historiador Roberto Pereira de Andrade, o primeiro voo do Paulistinha, originalmente batizado como EAY-201, aconteceu em setembro de 1935, no Campo de Marte, em São Paulo (SP). Apesar de promissor, a aceitação do avião não foi imediata e a EAY produziu apenas cinco exemplares em oito anos.

Em 1943, a EAY foi adquirida pela Companhia Aeronáutica Paulista (CAP), outra antiga fabricante de aviões do Brasil, que aperfeiçoou o monomotor e o relançou com a designação CAP-4. Também foi durante esta mudança que o avião ficou conhecido como Paulistinha.

Primeira versão do Paulistinha foi construída pela antiga Empresa Aeronáutica Ypiranga, uma das primeiras fabricantes de aviões do Brasil. Um dos fundadores da empresa, aliás, foi Henrique Dumont Villares, sobrinho do pioneiro Alberto Santos Dumont (Crédito: Alexandre Montanha/Arquivo Pessoal)
A fama do CAP-4 foi impulsionada pela “Campanha Nacional de Aviação”, movimento criado nos anos 1940 pelo jornalista Assis Chateaubriand, proprietário dos jornais Diários Associados, e por Joaquim Pedro Salgado Filho, então ministro da guerra do Brasil. O objeto da ação era arrecadar fundos para a compra de aviões de instrução de fabricação nacional e depois doá-los a aeroclubes do país para servirem na formação de pilotos.

A campanha foi um sucesso e o Paulistinha passou a ser fabricado em ritmo frenético. Em seu auge, a CAP finalizava um avião por dia, algo raríssimo na aviação. Segundo dados da Força Aérea Brasileira (FAB), o CAP-4 somou 777 exemplares produzidos.

Na década de 1950, o projeto do Paulistinha novamente mudou de mãos ao ser vendido para Indústria Aeronáutica Neiva, empresa com sede em Botucatu (SP) que foi incorporada pela Embraer em 2006. Sob a tutela da Neiva, o avião recebeu mais atualizações e passou a se chamar P-56. Esta versão teve 261 unidades vendidas até 1969, quando a produção do aparelho foi encerrada.

Fusca com asas


O que faz do Paulistinha um avião tão especial é sua simplicidade. A fuselagem do aparelho é um “esqueleto” de tubos de aço e as asas são de madeira. É também uma aeronave compacta e extremamente leve, com apenas 6,65 metros de comprimento por 10,1 m de envergadura e peso máximo de decolagem em torno de 600 kg. O desempenho é modesto, mas serve perfeitamente ao propósito de instrução: alcança velocidade máxima de 150 km/h e tem autonomia de 500 km.

No Registro Aeronáutico Brasileiro da Anac constam mais de 300 exemplares do Paulistinha, dos quais cerca de 40 aeronaves estão em condições de voo. Os modelos mais antigos em situação regular são de 1946 e o mais novos, de 1969 (Crédito: Divulgação/FAB)
“Eu aprendi a voar no Paulistinha. É um avião ótimo para formação inicial, pois nele o piloto tem contato com a essência tradicional do voo. Ele não possui nenhum recurso eletrônico para auxílio de navegação e pilotagem. É um avião que depende totalmente da habilidade do piloto”, disse Alexandre Montanha, piloto privado e sócio do Aeroclube de Marília (SP). “Ele também tem um baixo custo operacional imbatível.”

“Quem aprende a voar no Paulistinha tem um preparo muito maior quando migra para aeronaves mais avançadas. É como um Fusca. Quem aprende a dirigir no Fusca consegue dirigir tranquilamente uma Ferrari ou qualquer outro carro”, relatou Montanha.

O Paulistinha do Aeroclube de Marília é um dos mais antigos em condições do voo. O modelo com matrícula PP-GXD foi fabricado pela Companhia Aeronáutica Paulista em 1947.

“Esse Paulistinha era um CAP-4 que depois foi convertido para o padrão P-56, da Neiva. Ele está aqui em Marília há mais de 70 anos e nunca deu problema. Temos aviões de instrução bem mais novos e avançados na frota do aeroclube, como modelos da Piper e Cessna, mas o Paulistinha é o mais utilizado, disparado”, contou o piloto.

Paulistinha: pequeno monomotor produzido no Brasil de asa alta e dois assentos é até hoje
uma referência na formação de aviadores (Crédito: Divulgação/Neiva)

Clássico brasileiro


Com 1.043 unidades produzidas por três fabricantes diferentes, o Paulistinha ocupa a quarta colocação entre os aviões brasileiros mais vendidos da história. Ele fica atrás apenas de aeronaves consagradas da Embraer, no caso a série E-Jets E1 e E2 (com 1.655 unidades produzidas até o terceiro trimestre de 2021), o avião agrícola Ipanema (mais de 1.500 unidades) e a família ERJ (com 1.233 unidades produzidas, incluindo versões de uso comercial, executivo e militar).

No Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) constam mais de 300 exemplares do Paulistinha, dos quais cerca de 40 aeronaves estão em condições de voo. Os modelos mais antigos em situação regular são de 1946 e o mais novos, de 1969.

Mesmo com o advento de aviões de instrução mais avançados, o Paulistinha deve continuar servindo ao propósito de formar pilotos no Brasil, quem sabe, por mais algumas décadas, o que fará dele uma aeronave centenária.

Por Thiago Vinholes (CNN Brasil Business)

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