sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Transição energética: indústria aeronáutica se prepara para eletrificar aviões

Empresas se dedicam para superar o principal obstáculo das aeronaves elétricas: desenvolver baterias com o máximo de eficiência energética.

Demonstrador Elétrico, da Embraer, é utilizado para encontrar soluções
na eletrificação de aeronaves (Foto: Divulgação Embraer)
A transição energética já está se viabilizando em quase todos os modais de transporte, mas, na aviação, ela ainda pode levar mais algum tempo para se tornar realidade. O maior entrave a ser resolvido é a bateria, que aumenta exponencialmente o peso da aeronave.

“A bateria carregada ou vazia de um veículo elétrico pesa a mesma coisa”, destaca Carlos Roma, CEO da TB Green, empresa de soluções em energia limpa. “Trata-se de uma grande desvantagem nos aviões.”

Ele explica que, em uma viagem de São Paulo para a Europa, por exemplo, na medida em que o volume de querosene de aviação diminui nos tanques, o avião consegue alcançar a máxima eficiência energética, tornando-se mais econômico já perto do destino. “Isso não acontece com o conjunto de baterias em um voo com avião elétrico”, diz.

Segundo Roma, 1 kg de querosene equivale a 13 kWh de energia. Já 1 kg da melhor célula de bateria para o mercado da aviação rende 0,37 kWh, ou seja, muito longe do ideal. “Baterias com superdensidade energética ainda não estão prontas”, revela. “A indústria busca processos químicos eficazes para armazenar energia, mas, antes de 2030, não acredito que haverá a produção do componente com boa autonomia. Isso deverá demorar 20 anos.”

A vez do SAF


Enquanto tenta desenvolver a superbateria, a indústria aeronáutica pesquisa outras possibilidades de curto e médio prazos. O combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês, ou sustainable aviation fuel) é a bola da vez, e ele pode reduzir de 70% a 90% as emissões dos gases de efeito estufa. Segundo estudos da Universidade Metropolitana de Manchester, na Inglaterra, de todo o volume de dióxido de carbono (CO2) despejado na atmosfera, a aviação é responsável por 3,5%.

Produzido com base em fontes renováveis, como biomassa, óleo de cozinha usado, resíduos urbanos e agrícolas e gases residuais, o SAF não tem receita definitiva para a sua produção. “Atualmente, há sete caminhos tecnológicos aprovados e outros cinco estão em fase de homologação.Uma coisa é certa: o combustível sustentável será, obrigatoriamente, desenvolvido de acordo com critérios rígidos de sustentabilidade”, atesta Roma.

O SAF é uma alternativa paralela, porque segue os experimentos com a aeronave movida a bateria. Um exemplo vem da Embraer, que criou o protótipo do avião elétrico, mostrado no congresso da SAE Brasil, em outubro.

A pequena aeronave, chamada pela empresa de Demonstrador Elétrico, fez seu voo inaugural em 2021, e serve para acelerar tecnologias que visam o aumento na eficiência energética e a diminuição nas emissões de CO2.

Avião da Embraer


“A decolagem do nosso avião elétrico simboliza uma importante contribuição para a transição energética do setor. As pesquisas em eletrificação aeronáutica fazem parte do conjunto de outros estudos em busca da nova geração de energia renovável”, diz Luis Carlos Affonso, vice-presidente de engenharia e desenvolvimento tecnológico da Embraer.

O projeto é fruto da cooperação tecnológica que utilizou o sistema de motopropulsor elétrico da WEG e um conjunto de baterias, financiadas pela EDP, empresa do setor energético, instalado em um EMB-203 Ipanema. Segundo a Embraer, os resultados do Demonstrador Elétrico permitem que o conhecimento adquirido seja aplicado em tecnologias inovadoras de eletrificação.

Nem só do Demonstrador Elétrico vive a engenharia da Embraer. Dois anos atrás, ela apresentou uma família conceitual de aeronaves comerciais com foco em sustentabilidade, que deve estar totalmente pronta na próxima década. Dos quatro modelos, um é totalmente elétrico (batizado de Energia Electric) e outro é híbrido (Energia Hybrid).

Outras ações estão em andamento no mundo aeronáutico. A Contemporary Amperex Technology Co. Limited (CATL), empresa de tecnologia chinesa especializada na fabricação de baterias de íon-lítio, também vem trabalhando no projeto de aeronaves elétricas de passageiros. Para melhorar a pegada de carbono de suas baterias, a fim de alcançar a neutralidade até 2035, ela se concentra em mineração, matérias-primas a granel, materiais de bateria, fabricação de células e sistemas de bateria.

Mas a CATL adverte: “Embora seja possível ver alguns aviões elétricos comerciais na próxima década, não devemos esperar que as baterias equipem muito além de aviões pequenos e de curta distância tão cedo”.

À venda já em 2027


Annibal Hetem Junior, professor de propulsão aeroespacial da Universidade Fedederal do ABC, faz o contraponto. Para ele, não é economicamente viável desenvolver um avião elétrico com pouca autonomia. “Ter um automóvel elétrico para rodar 200 quilômetros é bom, mas isso não vale a pena no setor aeronáutico. Um avião elétrico precisa voar cerca de 1.000 quilômetros, e isso ainda não é possível”, afirma.

A startup americana Eviaton pensa diferente. Ela planeja comercializar aviões elétricos já em 2027. Os experimentos começaram em 2022, quando o protótipo, batizado de Alice, de nove lugares, estreou com motores elétricos duplos de 850 cv de potência e autonomia de 460 quilômetros.

“Com o Alice, podemos viajar dentro da América do Norte com um único piloto. É mais econômico operar dessa maneira, em vez de usar um avião de dez passageiros, que exigiria a presença de dois pilotos a bordo”, afirma Gregory Davis, CEO da Eviaton.

“Não há necessidade de produzir uma bateria para durar 20 anos. O que estamos fazendo é desenvolver bateria para 3 mil ciclos ou 3 mil horas. Depois, elas poderão ser substituídas na manutenção de rotina”, ressalta Davis.

Com tantos estudos em desenvolvimento, não há dúvida que o avião elétrico, cedo ou tarde, será uma das opções de transporte do futuro. Nem a imaginação de Santos Dumont voaria tão longe.

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