Donos de restaurantes e hotéis relatam queda de até 40% no movimento por causa do sumiço dos paraquedistas e turistas em plena temporada em razão das férias escolares.
A interrupção dos lançamentos de paraquedas sobre a área urbana foi determinada pela Justiça depois da morte de um aluno de paraquedismo, o empresário Andrius Jamaico Pantaleão, de 38 anos, que caiu sobre o telhado de uma casa, no último dia 19.
Foi a quarta morte de paraquedistas no espaço de quatro meses, este ano, na cidade, um número sem precedentes nos 50 anos de história do centro. Duas das vítimas morreram em um acidente com o avião que transportava os esportistas para o salto. A suspensão das atividades foi pedida em representação da Polícia Civil à justiça local.
Desde o último final de semana, lojas, restaurantes, lanchonetes e escolas de saltos que ficam na sede do CNP estão às moscas. Apenas alguns funcionários trabalham na manutenção do local, como o ajudante de serviços gerais João Rodrigues, de 61 anos, que usava um fumigador para combater os cupins na área de saltos. "Se deixar, eles formam montinhos que podem causar acidentes com os paraquedistas", disse.
O trabalhador, que também mantém roçado o quadrilátero usado para pousos, com cerca de 60 mil metros quadrados, lamentou a paralisação. "Muita gente depende disso aqui para comer", disse.
O paraquedista Alexandre Ohno, de 27 anos, contou que sua família se mudou para Boituva em 2004 e ele salta desde os 15 anos. "Minha mãe é paraquedista e cresci nesse meio. Esse lugar está aqui muito antes de a cidade crescer no entorno. O CNP é a alma da cidade", disse.
Ohno morou 4 anos na Austrália e participou de muitas competições, tendo sido campeão australiano e brasileiro. "Se fechar em definitivo, muita gente vai ficar desamparada", afirmou.
Nos fins de semana, o movimento de veículos chegava a congestionar o acesso ao centro, segundo a atendente de lanchonete Franciele Giovana Vieira da Silva. "Desde sábado estamos com movimento quase zero. Até as vans que atendem os funcionários pararam de circular", observou.
No Meu Hotel, frequentado por paraquedistas e turistas, a recepcionista Letícia Marques contou que, depois do último acidente, houve cancelamentos de reservas. "Nosso movimento é quase 100% de turistas e diminuiu muito o número de hóspedes. Como é um hotel grande, a gente torce para que o paraquedismo volte a funcionar logo."
A cidade tem 2.015 estabelecimentos comerciais de todos os gêneros e o comércio em geral foi afetado, segundo a prefeitura. Dono do restaurante Goiano, o empresário Matheus Franciscatto Ribeiro de Carvalho, de 26 anos, calculou uma queda de até 40% no movimento diário desde o fim de semana.
"Estamos sofrendo um impacto grande, pois boa parte da clientela é de paraquedistas. A pessoa vem saltar e traz a família, três ou quatro pessoas. Estamos abertos há 13 anos e nunca vivemos uma situação como esta. A cidade toda está na torcida para que resolvam logo isso."
O aposentado Benedito Leite de Camargo, de 78 anos, percebeu que alguma coisa estava diferente quando deixou de ver os balões e paraquedas enfeitando o céu da cidade. "É uma vista bonita, coisa que acompanho desde 1972, quando o paraquedismo começou aqui. Está fazendo muita falta."
Já o ajudante rural Julio Cesar dos Santos Cotrim, de 33 anos, acha que o fechamento demorou. "Depois que aconteceram as mortes da sargento do Exército e do pessoal do avião, já deveriam ter fechado. No entanto, esperaram outra pessoa morrer. A pessoa que salta sabe do risco, mas e quem está aqui embaixo? Além disso, tem o barulho dos aviões o dia todo", reclamou.
Moradores pedem mais segurança
No dia 19, o aposentado Celso Benedito Cardoso e sua mulher, Rita Cardoso, estavam com os três netos em casa, a 600 metros do centro de paraquedismo, quando ouviram um estrondo. "Saímos, vimos a entrada destruída e demos com o corpo em uma poça de sangue. Não tinha o que fazer. Segurei meus netos, que são crianças, dentro de casa para que não vissem aquela cena trágica", contou Rita.
Celso disse que a escola de paraquedismo está consertando o telhado e já refez a calçada, que afundou com a queda do corpo do aluno.
O casal quis deixar claro à reportagem que não é contra o paraquedismo. "O que aconteceu foi uma fatalidade. Tem, sim, o barulho dos aviões, mas a gente se acostumou. Nós sabemos que o centro emprega muita gente, traz turistas para a cidade, e não queremos que feche. Só achamos que precisa ter mais segurança para os moradores para que não se repita o que aconteceu com a gente", afirmou o aposentado.
Foi depois desse acidente que o delegado da Polícia Civil Emerson Jesus Martins pediu ao Judiciário a suspensão das atividades "para evitar novas mortes."
Além do óbito mais recente, ele investiga o acidente acontecido em 11 de maio, quando um avião que levava paraquedistas tentou um pouso forçado em uma área de pasto e capotou. Dos 16 ocupantes, dez ficaram feridos e dois morreram - os paraquedistas André Luz Warwar, de 53 anos, e Wilson José Romão Junior, de 38. No dia 24 de abril, a paraquedista e sargento do Exército Bruna Ploner morreu após cair quando tentava uma manobra com um paraquedas de alta performance.
Levando em conta a série de acidentes, a Justiça acatou o pedido do delegado e fixou multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento. A medida não impede os voos sobre a cidade, mas veda o lançamento de paraquedistas na área urbana, que atinge parte do entorno do CNP.
Na manhã desta quarta-feira, 27, a Associação dos Paraquedistas de Boituva decidiu, em reunião com os operadores, entrar com pedido de liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pedindo a revogação da medida. Conforme o presidente Marcelo Costa, até que o TJ se manifeste as atividades permanecerão suspensas.
Para Costa, que também preside no centro de paraquedismo, levando em conta a média de 15 mil saltos por mês, o número de acidentes é baixo. "É considerada a área de saltos mais segura do mundo, estando no nível de outros centros de referência em paraquedismo no mundo. Estamos falando de cerca de mil decolagens por mês, em quatro aviões, com capacidade média de 16 pessoas", disse.
Segundo ele, a decisão judicial não levou em consideração que o CNP está praticamente inserido na área urbana, como acontece com os centros de Resende (RJ) e Manaus (AM).
"Como os paraquedas abrem a cerca de mil metros do solo, muitas vezes é necessário lançar a uma certa distância para que os paraquedistas manobrem em direção ao alvo. Esse foi o primeiro caso em 50 anos de queda sobre residência. Quando aquele avião saiu da pista e avançou sobre prédios com quase 200 mortes em Congonhas, alguém falou em fechar o aeroporto?", comparou, se referindo ao acidente com um avião da TAM, que deixou 199 mortos em 2007, na capital paulista.
Costa, que também é paraquedista com mais de 15 mil saltos, instrutor e examinador credenciado no Brasil e nos Estados Unidos, lamenta pelas 800 pessoas que trabalham diretamente no CNP e correm o risco de ficar desempregadas. "São instrutores, dobradores de paraquedas, embarcadores, pilotos, técnicos e pessoal de manutenção. É mais que uma indústria. Temos propostas de outras cidades para mudar o centro, mas Boituva é nosso lar e temos forte apoio da prefeitura", disse.
O dobrador de paraquedas Jonas da Silva Teodoro Lima, de 59 anos, é um dos afetados pela paralisação do centro. "Já trabalhei em todos os continentes e, fora do Brasil, sou conhecido como o 'dobrador de Boituva'. Moro aqui, pago aluguel, envio dinheiro para minha mãe que é doente e, nesse momento, estou desempregado. Estou com o passaporte em dia, para o caso de não reabrir o CNP, mas e as outras pessoas? O paraquedismo é a marca de Boituva", disse. Em março deste ano, a cidade foi declarada oficialmente a "capital nacional do paraquedismo".
Via Estadão Conteúdo
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