Muita gente ficou agitada com o retorno de um miniônibus espacial não-tripulado americano, o X-37B, após quase dois anos numa misteriosa missão em órbita. O que ele estaria fazendo lá? Bem, as respostas exatas estão escondidas em alguma pasta marcada como “top secret” nos arquivos do governo, mas já sabemos algumas coisas. A mais clara delas é que os Estados Unidos têm um avançado programa espacial militar, de natureza confidencial. E eles estão se preparando para futuras guerras no espaço.
Sua gestão fica sob os auspícios do Comando Espacial da Força Aérea americana, que desde 1999 tem a obrigação de estar pronto, caso requerido, a aplicar força além da atmosfera terrestre — conceito definido como a habilidade de realizar operações de combate no espaço, a fim de influenciar o curso e o desfecho de um conflito.
Essa nova diretriz, formulada pelo Departamento de Defesa americano ainda no governo Clinton, ganhou força com seu sucessor, George W. Bush, sobretudo após o 11 de setembro de 2001, e desde então não vimos nenhum sinal de arrefecimento. Naquela época, o Comando Espacial julgava razoável o estabelecimento de novas tecnologias de armamento espacial para uso a partir de 2010 e além. Pois bem. Não sei se você reparou, mas nós já passamos dessa data.
Pode apostar que o X-37B se encaixa nesses planos. Originalmente desenvolvido em 1999 pela gigante aeroespacial Boeing para a Nasa (agência espacial que cuida do programa civil americano), ele foi transferido para a DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançados de Defesa) em 2004 e ganhou o status de confidencial, além de ter sofrido modificações (o original, para uso civil, se chamava apenas X-37).
Esta foi a terceira e mais longa das missões realizada pelos dois veículos X-37B da Força Aérea americana. A primeira (OTV-1), conduzida em 2010, durou 224 dias. A segunda (OTV-2), iniciada em 2011, consumiu 469 dias. A atual (OTV-3) bateu todos os recordes. Já são 22 meses no espaço. No lançamento, em 11 de dezembro, a Força Aérea dizia que a duração do voo seria de nove meses. O que o X-37B ficou fazendo lá em cima afinal?
Embora não diga o que é, o Comando Espacial já disse o que não é: os militares afirmam que não houve nenhum teste de armamento espacial durante a missão. Ou seja, felizmente ainda não chegamos na era “Guerra nas Estrelas” (não custa lembrar, mas, mesmo no auge da rivalidade entre americanos e russos, ninguém até hoje ousou dispor plataformas armadas no espaço).
Contudo, os militares americanos acreditam que essa era não tardará a chegar. A atual doutrina de defesa ianque considera a militarização do espaço inevitável, por uma razão muito simples: compensação assimétrica. Com armas no espaço, até mesmo um país meio pé-rapado militarmente poderia afundar os poderosos porta-aviões que sustentam o poderio militar americano no planeta. Ou seja, em vez de precisar de porta-aviões similares (e caríssimos) para estabelecer o equilíbrio de forças, uma nação inimiga poderia optar por um caminho diferente (e potencialmente mais barato) para chegar a esse objetivo.
Em 2001, o então major Austin Jameson, da Força Aérea americana, escreveu um artigo falando sobre as capacidades do X-37 e, em um dos capítulos, ele se pergunta logo no título: “Será o espaço o próximo Pearl Harbor?”
É uma referência ao ataque japonês que impulsionou os Estados Unidos à Segunda Guerra Mundial, em 7 de dezembro de 1941. E não é uma ideia infundada. A dependência americana de satélites-espiões para inteligência e de infraestrutura espacial de telecomunicações para comando e controle os torna alvos preferenciais num conflito. Até porque, no momento, esses equipamentos estão indefesos.
Quem atacaria?
Durante a Guerra Fria, talvez fizesse sentido se preocupar com ataques a satélites, caso soviéticos ou americanos decidissem que era hora de iniciar o apocalipse. Mas no mundo de hoje?
Bem, a China fez o favor de confirmar a tese americana de que a escalada da militarização espacial era inevitável em 2007, quando usou um míssil para detonar em órbita um velho satélite meteorológico pertencente a seu próprio país. Foi um recado. “Nós, se quisermos, podemos atacar seus preciosos satélites.”
Imagem mostra as órbitas dos cacarecos que sobraram do satélite chinês
um mês após a explosão. Um monte de lixo espacial
Em 2008, os americanos deram o troco e destruíram um satélite-espião não funcional. Alegaram que ele podia acabar caindo sobre regiões povoadas com um tanque cheio de hidrazina — combustível tóxico. Mas é balela. O risco era mínimo. Foi para medir forças e mandar o seu recado também.
Ou seja, se em algum momento o pau comer com certeza teremos ataques a satélites.
É aí que o X-37B parece ter seu apelo. Não é nem pela habilidade fartamente demonstrada na atual missão de permanecer muito tempo no espaço. Mas é pela facilidade com que ele pode ser lançado e depois retornar à Terra com a mesma flexibilidade e rapidez.
Um dos pré-requisitos dos ônibus espaciais da Nasa, aposentados em 2011, mas criados na década de 1970, era a capacidade de dar apenas uma volta na Terra, em cerca de 90 minutos, e então regressar a uma pista de pouso convencional em solo americano. O requerimento foi estabelecido pela Força Aérea e tem uso tático óbvio, não só para o ataque a satélites, como para a defesa.
Não há razão para crer que o X-37B seja menos capaz. Na verdade, por ser mais simples e não-tripulado, ele deve ser ainda mais versátil.
Pela órbita em que estava em sua última missão, o veículo provavelmente realizou tarefas de observação da Terra. Ou seja, agiu basicamente como satélite-espião, além de testar a durabilidade de suas partes durante uma longa missão no espaço. Especula-se que ele também tenha produzido imagens de outros satélites no espaço, uma forma nova de vigilância que tem tudo a ver com o crescimento da militarização espacial.
O futuro
Ao analisar o X-37 em 2001, o major Jameson destacou que ele poderia ser útil nas quatro vertentes de uso ensejadas pela Força Aérea no espaço: incremento de força, apoio espacial, controle espacial e aplicação de força.
Como incremento de força, o veículo poderia oferecer inteligência e reconhecimento de terreno (função de satélite-espião), comunicações e meteorologia. Parece ter sido essa a principal vertente da atual missão, embora os dados sejam estritamente confidenciais e o Mensageiro Sideral não tenha acesso a nenhum cagueta no estilo “Garganta Profunda”.
No apoio espacial, o X-37 poderia ser usado para levar satélites ao espaço ou mesmo recuperar satélites danificados — um perfil de missão que já existia para os ônibus espaciais da Nasa, até o acidente com o Challenger, em 1986.
Como elemento de controle espacial, ele poderia ter papéis ofensivo (prejudicando o funcionamento de satélites inimigos e mesmo os destruindo) e defensivo (monitorar o ambiente espacial e detectar ataques a satélites, evitando-os).
Finalmente, como aplicação de força, ele poderia ser usado para atacar alvos terrestres. “O X-37 é bem conveniente para transportar uma carga útil de aplicação de força para o espaço em um prazo rápido. Equipado com armas de precisão como mísseis hipersônicos guiados por laser ou GPS, o X-37 pode ser instado a lançar essas armas para atacar alvos no meio do território inimigo sem risco para vida humana”, escreveu Jameson, que em seu artigo deu uma pista do que podemos esperar para o futuro do programa.
“Teoricamente, a Força Aérea poderia ter vários esquadrões de X-37 dispostos nas costas leste e oeste dos Estados Unidos, preparados e prontos para atender aos requerimentos do comandante”, apontou.
Hoje só amanhã
Ainda estamos longe disso. A Força Aérea só tem dois X-37B, e suas missões até agora — incluindo esta última — são testes tecnológicos mais que qualquer outra coisa. A ideia é testar, pouco a pouco, a versatilidade do veículo e confirmar as teses que eram levantadas no início do século quanto à sua potencial utilidade.
Enquanto isso, em 2011 a Boeing anunciou planos para desenvolver uma variante maior do X-37B, o X-37C. Maior, ele seria capaz de transportar até seis astronautas em sua área de carga. A atual versão tem o tamanho de uma caminhonete e não suporta tripulantes.
Na guerra ou na paz, uma coisa é certa: esta não será a última vez que você ouvirá falar da escalada militar americana no espaço.
Há de se admirar a proficiência técnica. Mas, se eu falar que isso tudo não me assusta, é mentira. Como já apontava no meu livro “Rumo ao Infinito”, em 2005, um conflito em órbita poderia efetivamente encerrar a era espacial, envolvendo a Terra numa intransponível camada de lixo. Dez anos depois, parece que estamos ainda mais perto de enfrentar esse drama. Tomara que não cheguemos lá.
Imagens: Reprodução
DICA
Você acha que o governo americano esconde ETs?
Se interessa por esse tema?
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