Na atual conjuntura de combustível em alta e baixo crescimento econômico, o setor aéreo está ficando apertado. "Três já é demais", diz o presidente da Gol, Paulo Sérgio Kakinoff.
O presidente da Gol no interior de um 737-800 NG recém-saído da Boeing
Para o executivo, que assumiu o posto em julho, não há espaço para discussões sobre concorrência no setor e abertura do aeroporto de Congonhas para mais empresas.
Kakinoff conversou com a Folha no final de agosto, a bordo de um voo de translado de Seattle para Belo Horizonte, no Boeing-737/800 prefixo GUQ, saído da fábrica. Veja os principais trechos da entrevista.
Folha - A Gol vem registrando prejuízos sucessivos. Só no último trimestre foram R$ 715 milhões. Qual a perspectiva de reverter essa situação?
Paulo Sérgio Kakinoff - Em se mantendo o cenário atual -combustível em alta, dólar valorizado, e baixo crescimento econômico-, nosso esforço de reestruturação é insuficiente para trazer a companhia para um resultado positivo. Por isso também estamos trabalhando do lado da receita. Esperamos, no segundo semestre de 2012, levar a operação para um cenário mais próximo do equilíbrio.
Folha - O modelo de negócios da Gol pressupõe ganhos de escala. Este ano, pela primeira vez, houve freio na expansão. Ainda há espaço para crescer no Brasil?
Kakinoff - No atual momento, apenas de forma marginal, devido à desaceleração do crescimento. Mas com o crescimento esperado para os próximos cinco anos e os investimentos nos aeroportos, a expectativa é positiva. Mas não a taxas de dois dígitos.
Folha - A Gol atingiu um tamanho que não comporta mais grandes crescimentos?
Kakinoff - Nosso modelo é de expansão. Dentro de um cenário otimista, com a eliminação de gargalos nos aeroportos e com a economia voltando a crescer, a gente fala em taxas de 5%, 6%, 7%.
Folha - Vai ser preciso olhar mais para fora do país?
Kakinoff - Na América Latina o potencial é maior. Temos estudos avançados de expansão de malha dentro do raio de atuação operacional do 737-800. Isso engloba o Caribe todo e até operações na Flórida. Há potencial crescimento de até 20% nessa região nos próximos 3 a 4 anos.
Folha - Qual sua expectativa em relação aos aeroportos?
Kakinoff - O que vimos até agora de Guarulhos é muito motivador. Só reforça a assertividade da decisão de privatizar.
Folha - O sr. teme aumento de tarifas aeroportuárias?
Kakinoff - Aumento de tarifa já está acontecendo, com intensidade e frequência de fato preocupante. Especialmente em um momento tão adverso para o setor. Mas só privatizamos três. Há outros ainda na pauta que serão privatizados com base em uma determinada estrutura tarifária.
Folha - Mas as tarifas ficaram praticamente congeladas durante uma década.
Kakinoff - Assim ficaram também os investimentos (em infraestrutura). Não sei dizer quanto tempo e se de fato ficaram congeladas. Mas não há mais espaço para aumento de taxa ou tributação. Elas já são altas em quase a totalidade dos setores.
Folha - Reduzir o duopólio e estimular a competição pode ajudar a melhorar o serviço?
Kakinoff - Que duopólio é esse em que a terceira empresa já tem quase 15% do mercado? Há dois modelos para esse setor em todo o mundo: uma ou duas companhias que se mantêm saudáveis e equilibradas, com oferta competitiva de tarifas. Ou um mercado com três, quatro empresas onde duas estão com resultados fracos e as demais em situação periclitante.
É um setor de baixas margens, de alta volatilidade, sujeito a fatores exógenos.
Folha - Mas há uma pressão para que mais empresas operem em Congonhas.
Kakinoff - As pessoas voam no Brasil com o que há de mais avançado em termos de tecnologia e com tarifas que só diminuíram nos últimos cinco anos.
Temos uma das operações mais eficientes do mundo e ainda assim tivemos resultados extremamente negativos. Que benefício a concorrência trará para o consumidor?
Folha - Passagens mais baratas.
Kakinoff - Temos que viabilizar o setor para manter as tarifas baixas. Temos um modelo de preços em que as tarifas mais altas são as mais próximas da data do embarque. E normalmente são esses os exemplos usados. Mas eles são a exceção. Quem compra com 60 ou 30 dias de antecedência, paga menos do que de ônibus.
Folha - A ponte aérea RJ-SP não é a rota mais lucrativa?
Kakinoff - É a maior receita em volume de passageiro, não necessariamente a mais rentável.
Folha - Está dando prejuízo?
Kakinoff - Hoje nada dá resultado. A eventual abertura de Congonhas diminuirá ainda mais a viabilidade econômica das empresas que continuam investindo para oferecer nível mundial de segurança e tecnologia. Reduzimos nossos voos, mas não paramos nossa frequência de renovação de frota. Isso custa. Bastante. Não há espaço para a discussão de mais concorrência.
Folha - Três é demais?
Kakinoff - Para mais do que três, não há espaço. Três já é demais.
Folha - Alguém vai ser comprado?
Kakinoff - A Gol vai comprar a Azul?
De forma alguma. Com o atual cenário, três é demais. Está todo mundo perdendo dinheiro. Três pode ser bom? Pode. Como? Expandindo o mercado, investindo em tecnologia para menor espaçamento entre pousos e decolagens. Com eficiência podemos ser competitivos.
Fonte: Mariana Barbosa* (jornal Folha de S.Paulo) - Foto: Mariana Barbosa/Folhapress
*A jornalista Mariana Barbosa viajou a convite da Gol.
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