Atraso em voos da Gol aumentam filas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo
Em entrevista a Terra Magazine, ele aponta os impasses e as circunstâncias da segunda audiência de mediação entre tripulantes e a direção da Gol, marcada para esta sexta-feira, 20.
Camacho critica a atuação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), acusa uma fraude diante da fiscalização e não se fia nas desculpas das companhias aéreas. A agência e a Gol justificaram que atrasos e cancelamentos de viagens decorreram de falhas no programa de computador do novo sistema de escalas, que causou a falta de tripulantes.
Leia a entrevista.
Terra Magazine - Haverá uma reunião nesta sexta-feira sobre o impasse entre a Gol e seus tripulantes?
Carlos Camacho - Amanhã vai ter uma audiência de mediação no Ministério Público do Trabalho, na Procuradoria Regional. Vão estar presentes a procuradora, que é a mediadora, o Sindicato Nacional dos Aeronautas e representante da empresa Gol. Esta é a segunda reunião, a primeira foi no dia 9, na Procuradoria, onde se iniciaram as tratativas em termos de mediação. A empresa declara algo absolutamente absurdo, que é a não garantia de que ela pode cumprir a lei, isso causou um torpor muito grande perante seus trabalhadores. Cumprir a lei é obrigação de todos, principalmente daqueles que detêm concessões públicas, que é o caso das empresas de transporte aéreo.
Cumprir a lei exatamente em quê?
Principalmente no que diz respeito à regulamentação dos trabalhadores de terra e de voo, particularmente de voo, que a empresa vem descumprindo. Neste documento que ela envia para a mídia, a ANAC reconhece que a empresa vinha descumprindo a lei. Em nota de 3 de agosto de 2010, às 15h52, lá num dos últimos parágrafos: "A ANAC também enviou inspetores para acompanhar o trabalho de planejamento da escala na empresa, de acordo com a Lei do Aeronauta". Então, a empresa realmente verificou que havia dados incorretos, informa que sistemicamente teve problema com seu programa de elaboração de escala planejamento...
Na verdade, há um problema de escala que não é necessariamente do software, não?
O que a gente tem assistido aqui, através das denúncias que eu recebo, é que as empresas, quando apertadas pela ANAC, declaram que tiveram problemas em software. A empresa Gol/Varig fez isso. A empresa Passaredo, a mesma coisa. Quando visitada pela ANAC, ela apresentou problema no seu software, veio lá com uma escala feita a lápis e a colocou à disposição dos inspetores da ANAC, que se deram por satisfeitos. Interessante que, por esta escala feita a lápis, tinha tido muito mais do que as oito folgas mandatórias mínimas por mês, quando, na verdade, muitos tripulantes não tiveram mais do que quatro ou cinco folgas no total.
Então, pior ainda: houve uma fraude, não?
É fraude. E intenção dolosa de enganar a agência, né?
Existe alguma denúncia em relação a isso? Espera-se qual punição?
Tem uma denúncia. A ANAC é muito interessante nisso porque diz claramente que não encontra problemas com as empresas. Numa nota publicada em 13 de agosto de 2010, está aqui: "Relatório aponta insatisfação em companhias aéreas em 2005. Ministério do Trabalho multa TAM por excesso de jornada". Esta mesma nota: "A assessoria de imprensa da Agência Nacional de Aviação Civil, órgão que responde pela fiscalização do setor, inclusive o cumprimento das normas específicas para os trabalahdores do setor, informou que a Gol e a TAM não foram multadas, nos últimos dois anos, por problemas relacionados à carga excessiva de trabalho, apenas por cancelamentos e atrasos de voos". O que é uma absoluta incontinência. Se a ANAC não multou, é estranho porque o sindicato denunciou. Se a ANAC multou, está omitindo um fato que deveria dizer claramente à sociedade.
As outras companhias aéreas estão em situação semelhante à Gol em relação às denúncias de condições de trabalho e irregularidade nas escalas de trabalho dos aeronautas?
A TAM era campeã no início do estabelecimento deste nosso protocolo de recebimento de denúncias. E foi assim por alguns meses. Porém, deve ter se adaptado, contratou mais gente. Tomou menos voos da parte da ANAC, portanto se sente mais confortável para fazer os voos com os tripulantes que tem. Não que a TAM não tenha denúncias. Tem, mas em muito menor número do que os da empresa Gol, que possui 9,5 a cada 10 denúncias.
As empresas menores também vêm sendo denunciadas?
Tem informação, sim. Da Passaredo, da Trip, de descumprimento de regulamentação do trabalhador. E o trabalhador da aviação é um elemento muito especial porque trabalha sob pressão forte o tempo todo, principalmente mental. Tem também a necessidade de que seja literalmente cumprida porque pode representar o fator humano presente num acidente aeronáutico.
A partir do noticiário sobre os últimos transtornos da aviação brasileira, leitores se identificaram como aeronautas e alertam sobre condições inadequadas de manutenção de equipamentos e estado de conservação de aeronaves de algumas empresas. O senhor, que é diretor de segurança de voo do sindicato, tem relatos sobre isso?
Meu trabalho está me tomando tanto tempo, que não tenho tempo para observar o que está acontecendo com os colegas do lado de fora das cabines de comando. Mas, se eles tiverem problemas, certamente estão reportando para os sindicatos de aeroviários. Não tenho nada neste momento (acerca disto).
Qual é a expectativa para a reunião desta sexta-feira?
O grupo declarou, em assembleia do dia 13 de agosto, aqui, em São Paulo, por unanimidade dos votos e duas abstenções, que mantenha a assembleia em caráter permanente, e o estado de greve foi declarado. Funciona da seguinte maneira: estou armado, posso atirar; não preciso necessariamente mostrar a arma. A intenção é fazer algo se houver, da parte da empresa, intransigência forte em negociar preceitos e questões de interesses do grupo de tripulantes da Gol.
A decisão de dar este tiro ocorre nesta sexta?
É um indicativo, uma reunião de mediação. Digamos que a empresa venha com a mesma colocação que teve na última, dia 9, que não tem condição de cumprir a lei; pode sair de lá com o problema agravado. Uma greve não acontece no dia seguinte porque nós trabalhamos num setor específico, muito sensível da natureza social das coisas, temos a obrigação de, após declarada a greve, comunicar à empresa e à sociedade com 72 horas de antecedência.
Será possível resolver logo ou isso deve se estender?
Não tenho nenhuma expectativa porque a empresa, na primeira reunião, colocou na mesa pessoas com nível gerencial, de pouco poder de decisão ou nenhum. Se a gente chegar lá e assistir ao mesmo quadro, vou propor para minha diretoria - porque não estarei, mas posso enviar um SMS aos celulares - que devemos encerrar as negociações, pois, se não comparece ninguém com poder de decisão, significa que a empresa está realmente intransigindo e não quer negociar. Aí vamos para uma assembleia novamente, já que ela está declarada permanente, é só chamar a data e ouvir a categoria no dia seguinte útil, segunda-feira (23).
Como houve unanimidade pelo estado de greve, se forem encerradas as negociações nesta sexta-feira, são grandes as chances de ser decretada a paralisação segunda-feira?
Não duvido.
Seriam mantidos apenas 30% dos voos da Gol?
30%.
O que essa greve representaria para a aviação aérea brasileira?
Pelo que as empresas estão voando hoje, acho que é muito ruim porque as pessoas já compraram suas passagens, os voos já estão programados, as escalas de tripulantes já foram planejadas e produzidas. O grande problema, parte significativa das queixas do passado - que culminaram com os dias 30, 31, 1º, 2, 3 e até quase 5 de agosto -, era o desaparecimento das escalas das telas dos computadores, não se tinha como acompanhar suas horas de voo. Parece que está se repetindo, as denúncias continuam chegando ao sindicato.
Com que frequência histórica ocorrem greves de aeronautas no Brasil?
A última foi em 1988. Teve uma em 87, outra em 85. Era um período de negociação de salários. A de 87 mais interessou aos patrões do que aos trabalhadores por conta da correção de tarifas. Havia uma série de planos (econômicos) do governo na época.
Fonte: Eliano Jorge (Terra Magazine) - Foto: Vagner Campos/Futura Press