terça-feira, 30 de julho de 2024

A história do pouso de avião da FAB que fez cidade no Oeste de SC virar manchete nacional

Situação, que ocorreu em julho de 1954, ainda é pouco conhecida entre os catarinenses e envolveu o vice-presidente da República.

Imagem frontal da aeronave após o acidente em solo catarinense (Foto: Acervo Júlio Gomes)
Se fosse hoje, o que ocorreu naquela tarde de 12 de julho de 1954, em Concórdia, no Oeste de Santa Catarina, poderia ser chamado de fake news. Rádios e jornais do país noticiaram como manchete: “Sofreu uma ‘pane’ o avião do vice-presidente Café Filho”. Outra nota fala em “Sabotagem no avião de Café Filho”, que estava em viagem pelo sul do país.

Num tempo em que não havia internet e o desmentido só na edição impressa do dia seguinte, a notícia não era totalmente falsa. Sob forte neblina e sem que a tripulação soubesse onde estava, o avião Douglas C-47, do Esquadrão de Transporte Aéreo da Força Aérea Brasileira e que servia ao vice-presidente da República, acidentou-se na área rural de Concórdia, município localizado a cerca de 490 quilômetros de Florianópolis. A confusão é que, diferente do alardeado, Café Filho, o vice de Getúlio Vargas, não estava dentro da aeronave.

Ocorre que, com a conclusão de compromissos em Foz do Iguaçu, no Paraná, a comitiva de Café Filho deveria voltar para o Rio de Janeiro, à época, capital do país. Porém, a aeronave que estava na cidade apresentou problema em um dos motores.

Outro avião foi acionado e levantou voo do Rio. Quando o Douglas C-47 se aproximou de Foz do Iguaçu para resgatar os políticos, a tripulação se deparou com forte tempestade e não encontrou lugar para pouso. Desnorteados, os pilotos que teriam um rio como referência, acabaram indo parar próximo do Rio Uruguai, no Oeste catarinense. Ao sobrevoar a região, a aeronave ficou sem combustível e como a cidade ainda não tinha aeroporto, o jeito foi achar um local para fazer um pouso de emergência.

Rio Uruguai teria confundido tripulação


Numa reportagem da Rádio Rural, de Concórdia, o jornalista Lucas Villiger gravou o depoimento do primeiro morador que chegou no local do acidente. O agricultor Diomedes Tagliare, que hoje se encontra acamado, contou como tudo aconteceu. Na época, ele tinha 20 anos e caminhava na estrada para ir ao Centro da cidade. Era por volta das 14h30min.

— Eu vi o avião passando muito baixo, assustei e botei as mãos na cabeça: “Meu Deus, o que está acontecendo?” Em seguida, escutei o barulho da queda. Corri até o lugar e encontrei quatro tripulantes já do lado de fora. Eles me perguntaram onde estavam e eu disse: em Concórdia, estado de Santa Catarina. Nenhum deles tinha se ferido — recorda.

O morador relembra que mal conseguiram conversar e o tempo fechou. Uma chuva muito forte caiu sobre Concórdia.

— Foi a primeira vez que eu coloquei a mão num avião — recordou Diomedes.

Construção de hangar e de pista de improviso


Quem também ajudou a resgatar a história foi Eduardo Pellizzaro, piloto comercial e pesquisador aeronáutico. Para ele, apesar de fatores complicadores, como condição meteorológica adversa e a topografia acidentadíssima da região de Concórdia, o avião conseguir pousar sem feridos mostra destreza.

— Os pilotos foram incríveis! Em se tratando de uma condição climática deplorável e o relevo da cidade, foi um milagre. Não há como descrever de outra forma — diz.

Pellizzaro conta que por ter ficada avariado, dias depois equipes de mecânicos da Força Aérea Brasileira (FAB) desembarcaram em Concórdia para fazer o conserto do avião. Foi construído um hangar para que os reparos fossem realizados. Finalizados os trabalhos, foi improvisada uma pista para a decolagem com destino ao Rio de Janeiro.

De acordo com Pellizzaro, a tripulação do C-47 era composta pelo comandante major Ernesto Lebre, copiloto major Aroldo Veloso e os telegrafistas Vilson Monteiro e Severino Andreis. Os quatro foram fotografados em frente à aeronave acidentada.

Além de ser considerado um ato inusitado, já que ninguém se feriu e o pouso de emergência praticamente ocorreu no meio do mato, o acidente teve outro fator com significado para os moradores de Concórdia: anos depois, no lugar do acidente, foi feita a construção do Santuário de Nossa Senhora Salete, a padroeira do município.

Passageiros famosos: Getúlio, Jango, Médici e até príncipe


Em 1955, um ano após o acidente, o C-47 2041 voltou a voar. Além de ter servido ao vice, Café Filho, transportou outros políticos importantes, como Getúlio Vargas, João Goulart e, até mesmo, o Príncipe dos Países Baixos, Bernardo de Lipa-Biesterfeld em viagem pelo Brasil. Exceto Getúlio Vargas, que se suicidou em 24 agosto de 1954, 40 dias depois do pouso de emergência, essas viagens aconteceram após o acidente em Concórdia.

Pesquisas apontam que o avião esteve em operação até 1973, sendo a última missão durante o governo Médici, em 30 de dezembro, quando decolou para Natal (RN), em apoio ao “COMAR5”. No dia 12 de março de 1976, ainda na Ditadura Militar que assombrou o país, a aeronave C-47 2041 foi entregue ao Parque de Material Aeronáutico de Lagoa Santa (MG). De acordo com a pesquisa realizada por Eduardo Pellizaro, junto ao amigo Roger Terlizzi, ligado à aviação, a aeronave ficou um período no Aeródromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, após ser vendida a particulares e passado pelo processo chamado de “canabalização das peças”.

Do caminho das tropas à construção do Santuário de Salete


Concórdia, no Oeste do Estado, surge com a abertura da estrada-de-ferro entre Rio Grande do Sul e São Paulo. Antes, o chamado Caminho das Tropas, era ponto de passagem dos tropeiros que subiam com gado para o centro do país. Em busca de novas terras, famílias de imigrantes italianas e alemãs saíram do estado gaúcho percorrendo a ferrovia. Chegaram à região de Concórdia em 1912, fundando uma pequena vila, que se tornou independente em 1934, depois de desmembrar-se de Joaçaba.

Historiadores apontam que, embora oficialmente a colonização tenha começado na década de 20, há igrejas na região que datam de 1900 (católica) e 1908 (protestante) o que confirma a existência de povoações antes da chegada das empresas de colonização. Graças à religiosidade dos italianos, algumas capelas foram sendo construídas pelas comunidades do interior.

Já o Santuário de Nossa Senhora da Salete, a padroeira, foi erguido em 1964 por iniciativa de moradores e com ajuda dos padres franciscanos, já que a Igreja Matriz ficava longe e o acesso era precário. Antes disso, em 1956, foi construída uma capela em homenagem à Nossa Senhora da Salete, na Linha Salete, a três quilômetros do Centro da cidade. Exatamente dois anos depois do acidente com o C-47, que ficou por alguns meses no local até o conserto para voltar a voar. Com cerca de 84 mil moradores, Concórdia possui tradição na agricultura e na pecuária e é referência na agroindústria brasileira.

Confira imagens do acidente

Tripulação em frente ao avião acidentado após pouso de emergência (Foto: Portal AeroEntusiasta)
Aeronave em solo concordiense, após o acidente. Dentro (na janela) Saul Dezanetti e (em cima) Diomedes Tagliari (Fonte: Livro Retalhos Históricos das Comunidades. de 1995, de autoria de Maria da Gra)
Aeronave após descomissionamento da FAB. Vendida ao Clube Náutico Água Limpa,
em São José do Rio Preto (SP) (Foto: Acervo Roger Terlizzi)
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro (Foto: Reprodução)
Jornal O Jornal, Rio de Janeiro (Foto: Reprodução)

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