terça-feira, 4 de junho de 2013

Aeroportos do Brasil são piores do que de países muito pobres da África

Tribunal de Contas da União aponta irregularidades em obras no ES e SP.

País precisa investir R$ 34 bilhões até 2030 para dar conta da demanda.


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Por que nossos aeroportos são tão congestionados e ineficientes? Antigos, superlotados, eles são piores do que os de países muito pobres como Mali, Tanzânia e Zimbábue. Com o aumento do número de passageiros, a chegada da Copa e das Olimpíadas, eles vão precisar de R$ 34 bilhões em investimentos até 2030 apenas para dar conta do recado.

Aeroporto de Vitória, Espírito Santo, em uma quinta-feira qualquer. O desconforto da multidão que se espreme no terminal de teto baixo é aumentado pelas obras de manutenção. São de emergência, para manter funcionando um prédio que já esgotou sua capacidade há muitos anos.

Em 2006 a construção de um novo terminal foi iniciada e pouco andou. As obras foram paralisadas em 2007, retomadas muito rapidamente em 2008 e desde então estão abandonadas pelo consórcio responsável pela construção do aeroporto.

Isso porque, em uma fiscalização feita em 2006, o Tribunal de Contas da União, o TCU, encontrou um rombo que já chegava perto de R$ 44 milhões e determinou à Infraero que descontasse esse valor dos futuros pagamentos ao consórcio, que não aceitou e abandonou as obras. Por isso, o aeroporto de Vitória, que deveria estar operando desde 2008, ainda nem saiu do chão.

O Tribunal de Contas da União relata o pagamento de serviços que não constavam do contrato ou não foram realizados. O consórcio, formado pelas empresas Camargo Correa, Mendes Junior e Estacon, não quis gravar entrevista. Em nota, afirma que não houve superfaturamento nem sobrepreço e que, com a determinação do TCU de descontar os pagamentos considerados indevidos, não havia condições de continuar a obra. Por isso, negociou com a Infraero a rescisão do contrato.

“Mas, em um caso desse, o que eu posso ver é pura retaliação contra a decisão do tribunal”, afirma o ministro do TCU Raimundo Carreiro.

Fantástico: Pra evitar fiscalizações futuras?

Raimundo Carreiro: É.

O que restou da obra é pouco. Em alguns pontos, veem-se as sapatas de apoio da estrutura. Em outros, só os ferros de construção brotam do chão. A terraplenagem para a nova pista está como ficou há cinco anos; a terra, exposta à chuva e à erosão.

Expostos também estão os passageiros. Sob sol ou chuva, a ligação entre o avião e o terminal é pela pista, subindo escadas em meio à movimentação e barulho de aviões.

Mas o aeroporto novo vai ter dez pontes de embarque e desembarque, que ligam o prédio direto ao avião, aumentando a segurança e o conforto dos passageiros. O preço de referência das pontes, encontrado pelo TCU, foi de R$ 630 mil. Preço apresentado pelo consórcio: R$ 2,925 milhões, quase cinco vezes mais caro. Somando as dez pontes, o sobrepreço, prejuízo para o contribuinte, chega perto dos R$ 23 milhões.

Segundo o consórcio, a comparação de preços por itens da obra não deve ser aplicada nesse caso, porque a concorrência foi feita com preço fechado. Alega que outros itens estão abaixo do mercado e que as pontes têm características próprias para cada aeroporto.

Em Vitória, uma obra que avança é a do posto do Corpo de Bombeiros, junto à pista. É que a Infraero conseguiu separar esse prédio do contrato original, porque a presença dos Bombeiros é fundamental para melhorar a segurança do aeroporto. Pela mesma razão, a nova torre de controle já está sendo erguida.

O reinício das obras do terminal novo foi parar na justiça. Infraero e o consórcio foram orientados a renegociar para finalmente terminar o aeroporto. Segundo o TCU, isso veio acompanhado de um pedido inusitado feito pelas empresas.

“Um advogado, em uma petição, chegou a dizer isso: que não se submetia à fiscalização do tribunal. Isso está escrito em uma petição que o advogado apresentou aqui, mas foi descartado e depois foi até um pedido de desculpas, e nós fixamos esse entendimento, que só voltaríamos a analisar o assunto com os projetos completos”, diz Raimundo Carreiro.

Fantástico: Quer dizer, a obra foi começada em 2005 e até hoje não tem um projeto executivo?

Gustavo do Vale (presidente da Infraero): Até hoje não tem o projeto executivo pronto. O projeto executivo está sendo desenvolvido nesse momento. Tanto o projeto executivo do terminal de passageiros, quanto o projeto executivo da infraestrutura também não está pronto.

Como é que se chega nessa situação, em que já havia uma obra em andamento sem projeto executivo, ficou parada quatro anos e ainda não tem projeto? “No caso do sistema aeroviário, nós temos várias obras que estão atrasadas por falta de projeto. Isso é um gargalo terrível”, afirma o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco.

Fantástico: O que faltou ali que permitiu que se criasse essa situação?

Moreira Franco: Não é que faltou. Na minha opinião, teve demais. Descuido com o dinheiro público. E achar que se poderia praticar esse tipo de distorção a custo zero.

O ministro disse ainda que agora - acompanhada pelo TCU - a negociação vai avançar. “Eu não tenho dúvida que o aeroporto de Goiânia, em Goiás, que também tem o mesmo problema ocorrido na mesma época são duas pedras no sapato da Infraero”, revela.

Hoje no Brasil há 58 obras de aeroportos em andamento, incluindo os 15 maiores do país. Desde 2004, o número de passageiros de avião no Brasil cresce 11% ao ano. Os embarques chegaram a 200 milhões por ano e até 2030 devem passar dos 500 milhões. Isso porque, além da renda do brasileiro ter aumentado, o preço médio das passagens de avião desde 2004 caiu pela metade.

O Brasil precisa investir R$ 34 bilhões para dar conta dessa demanda Hoje, 121 aeroportos recebem voos regulares. O governo quer acrescentar à lista 270 aeroportos regionais. E é preciso melhorar os grandes já existentes.

Um dos grandes gargalos é Guarulhos, em São Paulo, o maior aeroporto do país. Um novo terminal, com capacidade para 12 milhões de passageiros, está sendo erguido rapidamente pela empresa privada que ganhou a concessão do terminal no ano passado. Um novo estacionamento está quase pronto. Uma obra que o governo tentava fazer há muito tempo. Em 2007 e 2008, o TCU apontou indícios de irregularidades que impediram a licitação da obra.

Chegamos a 2011 com a ameaça de um apagão aeroportuário: confusão, filas, atrasos. A Infraero decidiu transformar um galpão de uma empresa aérea falida em um terminal remoto, o terminal 4. “Na realidade, assim nós fizemos com dispensa de licitação. Por quê? Por que nós precisávamos ter um terminal pronto ainda pro final do ano de 2011”, explica o presidente da Infraero.

A obra deveria ficar pronta em prazo recorde - seis meses. O ministro do Tribunal de Contas da União Aroldo Cedraz foi pessoalmente fiscalizar.

Fantástico: Quando o senhor visitou a obra, o senhor considerou a obra uma obra sólida?

Aroldo Cedraz: A estrutura metálica não me inspirava segurança e que poderia cair a qualquer momento.

Fantástico: Como de fato caiu?

Aroldo Cedraz: Como de fato caiu.

Duas semanas antes do prazo para inauguração, o teto desabou e se perdeu o prazo que justificava a emergência. Aberto depois das férias de verão, o terminal está isolado do resto do aeroporto. Apenas três empresas operam. O movimento é em torno de 100 mil passageiros por mês - contra 2,8 milhões nos terminais 1 e 2, menos de 4% do total.

Por tudo isso, o terminal 4 ganhou o apelido de "Puxadinho". Um "puxadinho" de R$ 86 milhões. Alegando urgência, a Infraero entregou a obra sem licitação para a construtora Delta, a mesma construtura Delta envolvida em uma série de escândalos em obras públicas espalhadas por todo Brasil.

Chama a atenção o acabamento. No teto, folhas de alumínio que fazem o isolamento térmico e acústico se mexem com o vento. Problemas nessa aplicação foram apontados em relatório do TCU, que fiscalizou a qualidade da construção. O TCU encontrou piso rachado e vazamentos, e apontou como causa a fiscalização deficiente na entrega da obra. Em nota, a Delta diz que eventuais reparos de responsabilidade da empresa serão realizados na forma e prazo determinados pela Infraero.

“Contra fato não há argumento. Até hoje, a obra está subutilizada por questões de logística, diz a Infraero. Aquele terminal chamado de puxadinho está subutilizado. Na verdade, o que aconteceu foi o seguinte: R$ 85 milhões foram jogados no lixo. Dinheiro público jogado no lixo”, afirma o procurador federal Matheus Baraldi Magnani.

“É importante que as pessoas ouçam e entendam isso: as coisas mudaram. Nós não vamos ter complacência com o malfeito”, afirma Moreira Franco.

A Justiça Federal aceitou esse argumento do Ministério Público, anulou o contrato e condenou a direção da Infraero e da Delta a devolver o dinheiro. A Infraero recorreu. “Isso está sendo contestado em segunda instância, porque, afinal de contas, devolver R$ 86 milhões de uma coisa que está pronta. É a mesma coisa: como é que eu vou devolver o terminal pra poder ressarcir R$ 86 milhões?”, questiona o presidente da Infraero.

Para ele, o terminal 4 não merece a má reputação.

Fantástico: Ele é conhecido em São Paulo como um puxadinho.

Gustavo do Vale: É, mas na realidade ele não é. Ele é um terminal de verdade. Ele foi feito com base no terminal remoto do aeroporto de Lisboa. Ele está à altura não só do aeroporto de Guarulhos, como de qualquer aeroporto do mundo.

Fantástico: É um puxadinho?

Moreira Franco: É um puxadinho. Por isso, todo mundo chama de puxadinho. E evidentemente não vai se fazer a infraestrutura aeroportuária de um que será inevitavelmente um dos maiores, uma das maiores economias do mundo na base do puxadinho.

Em uma pesquisa sobre qualidade de aeroportos feita pelo Fórum Econômico Mundial em 142 países, o Brasil está na posição 122. “Hoje, você não tem um aeroporto no Brasil dando conta do recado”, afirma Moreira Franco.

Não são só aeroportos. No Brasil, estradas, ferrovias, até a transposição do rio São Francisco começaram sem ter projeto.

“O Brasil ficou 30 anos sem fazer obras. Isso desmontou a maior parte das empresas de consultoria para realização de projetos. Então nós tivemos uma deficiência. Tem poucas empresas no mercado para fazer isso. E nós resolvemos, de maneira bastante clara, de que era mais importante começar a fazer obras e entregar obras importantes que o país precisava mesmo sem ter os projetos executivos prontos, porque o mais caro para o Brasil é não ter a obra. Esse é o custo Brasil mais alto”, aponta a ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

“A questão da falta de pessoal no Brasil pressupõe planejamento também do próprio Estado. Ou seja, pra que o Estado faça uma obra ele tem que planejar de forma antecipada, ter técnicos para dar assistência, para fazer a planificação”, diz o presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes.

Para dar conta do investimento necessário, o governo anunciou transferir mais aeroportos para administração privada, como já fez com Guarulhos, Viracopos e Brasília. As empresas vencedoras da licitação administram e fazem ampliações nos terminais.

“Só pelo setor público, não vamos conseguir resolver o grande desafio que é garantir ao cidadão brasileiro um sistema aeroportuário adequado”, destaca Moreira Franco.

Na semana que vem: nem sempre a privatização dá o resultado esperado. O Fantástico vai mostrar a situação das estradas federais. Demoradas e caras, as estradas freiam o desenvolvimento do país.

Fonte: Fantástico (TV Globo) - Imagem: Reprodução da TV

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