domingo, 10 de maio de 2009

Entrevista: "Não há duopólio, há incompetência"

Em 1972, quando criou a CVC, Guilherme Paulus não imaginava que 35 anos depois se tornaria, também, dono de uma companhia aérea. Após anos no setor de turismo, decidiu que era hora de expandir os negócios de seu grupo e adquiriu a WebJet, uma minúscula empresa, com frota de apenas um avião. Mais do que isso, ao entrar nesse mercado, se tornou concorrente de algumas de suas principais fornecedores: TAM e Gol. Para Paulus, a WebJet é um negócio em si, não uma ferramenta para a CVC. Por conta disso, diz estar preparado para roubar mercado delas, se necessário. Para ele, entretanto, há espaço para outras empresas. "O duopólio só existe porque havia muita incompetência no mercado", diz ele. Confira abaixo a entrevista de Paulus à DINHEIRO.

DINHEIRO - As recentes medidas da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para tornar o mercado mais competitivo vão beneficiar a WebJet?

GUILHERME PAULUS - A meu ver, isso é excepcional. É um movimento importante de abertura, que poderá dar muito mais fôlego às companhias aéreas menores. A abertura do (aeroporto carioca) Santos Dumont era algo que queríamos ver no mercado. É preciso ter cuidado para não abrir voos demais, mas isso certamente será um grande impulso para as pequenas. É bom para todos, e muito sadio para o mercado.

DINHEIRO - A abertura promovida pela Anac vai permitir que a WebJet enfrente o duopólio TAM-Gol?

PAULUS - Isso cria um ambiente em que as empresas podem crescer em pé de igualdade. Com o aeroporto de Congonhas (em São Paulo) saturado, agora as companhias têm a oportunidade de expandir seus negócios a partir do Santos Dumont. Para nós, isso é muito bom, pois nos permitirá crescer para alcançar nossos objetivos. Mas, se isso não se concretizar, teremos que brigar por nosso espaço. Seremos obrigados a roubar passageiros de alguém - não há alternativa.

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DINHEIRO - O que o Brasil perde com a concentração?

PAULUS - Foi o mercado que cresceu. O problema é que, no meio do caminho, Vasp e Transbrasil sumiram. Mais tarde, o mesmo aconteceu com a Varig. Elas já vinham mal das pernas muito tempo antes de pararem de operar. Foi o mercado que fracassou, e o crescimento da TAM, e posteriormente da Gol, foi construído em cima disso. A diferença é que as novas empresas do mercado entraram no jogo mais saudáveis. Empresa é como gramado: é preciso cuidar todo o dia para que não vire mato. Hoje as companhias estão mais atentas, olhando sempre o custo e administrando melhor o negócio.

DINHEIRO - Então não há duopólio?

PAULUS - Se existe um duopólio hoje é porque houve muita incompetência no mercado. TAM e Gol são as líderes. Mas, se o mercado não corre atrás da diferença, esse tipo de distorção aparece. Portanto, não acredito nessa história de duopólio. Mesmo porque, se isso fosse verdade, a Anac não teria deixado que abríssemos as portas em menos de 90 dias, como fizemos, após a compra da WebJet. Ninguém causou empecilho algum para nós.

DINHEIRO - A Anac facilitou o caminho para a Azul, como se comentou no mercado quando ela foi lançada?

PAULUS - Acho que não. Tenho certeza absoluta de que a Anac não protege ninguém. Não consigo olhar essas medidas como uma espécie de proteção da agência a esta ou àquela parte. Ela tem seus critérios para distribuir slots, e isso não tem a ver com quem está entrando no mercado ou saindo.

Clique na imagem para ampliá-la - Foto: Ana Paula Paiva (Ag. IstoÉ)

DINHEIRO - Qual sua opinião sobre a Azul? É uma competidora ou uma aliada contra o domínio TAM-Gol?

PAULUS - Acho que é um somatório disso tudo. O Brasil é um país continental. A Azul cabe, tranquilamente, no mercado. Aqui temos 180 milhões de habitantes, sendo que cerca de 90 milhões têm condições de viajar de avião. Assim, por mais que cresçam, TAM e Gol não vão conseguir atender toda a demanda. E a vinda da Azul é boa até pela experiência que o fundador da empresa, David Neeleman traz ao mercado. A JetBlue, também fundada por ele nos EUA, é um enorme sucesso. Acredito que ainda há muito espaço para todos.

DINHEIRO - Caso a Anac quebre realmente a hegemonia TAM e Gol, como o sr. vê o futuro para a WebJet?

PAULUS - Acho que temos condições de obter entre 15% e 20% do mercado, nos consolidando como a terceira maior do País. Com a crise, agora o momento é de compasso de espera. Mas, com o aumento da competitividade no setor, todas as empresas vão ganhar mercado. Há ainda espaço para incorporar de 35 milhões a 50 milhões de passageiros no sistema - isso além dos que já utilizam aviões regularmente. O que realmente é necessário é a construir mais aeroportos e melhorar o número de voos de alimentação para os terminais em cidades menores.

DINHEIRO - Existe espaço no Brasil para mais de duas empresas aéreas?

PAULUS - Acredito que sim. Há espaço para quatro ou cinco companhias aéreas, que é a média em países com mercado de cerca de 65 milhões de passageiros. Ou seja, tranquilamente há mercado para as cinco principais empresas que existem hoje no Brasil, a WebJet inclusa. Fora essas, ainda há as regionais, sendo a Trip a de maior destaque. Precisamos de mais aeroportos, não de mais companhias aéreas.

DINHEIRO - O sr. acredita que o que aconteceu com Transbrasil, Varig e Vasp pode ocorrer de novo?

PAULUS - Acredito que o mercado está mais seletivo. Na Vasp, a gestão do empresário Wagner Canhedo errou ao decidir investir em rotas internacionais num momento em que a turbulência no câmbio era grande. A Transbrasil, coitadinha, desde que foi criada já estava afundada em dívidas. E, na aviação - como em qualquer negócio - é preciso ter muito cuidado. Entrar no mercado já com muitas dívidas é muito ruim. Tanto que a Gol entrou no setor com aviões próprios. O mesmo aconteceu conosco. E nunca deixamos isso de lado. Hoje somos, acredito, a companhia aérea brasileira com a maior frota própria. Somos donos dos nossos aviões.

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DINHEIRO - O que mudou com a troca de Milton Zuanazzi por Solange Paiva Vieira na presidência da Anac?

PAULUS - É difícil fazer uma análise de gestão. Conheço o expresidente da Anac Milton Zuanazzi do Rio Grande do Sul, quando ele foi secretário de Turismo. Acho que ele não teve tempo nem mesmo de esquentar a cadeira no cargo, com toda a confusão que teve de enfrentar no período de troca do DAC (Departamento de Aviação Civil) para a Anac. As coisas poderiam ter acontecido de forma muito diferente. Mas tudo acabou embolando: essa troca, os acidentes com os aviões da Gol e da TAM e a greve dos controladores. Isso foi um "complicômetro" muito grande para ele. E acabou que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi chamado para arrumar a casa - o que realmente era necessário - e o Milton saiu. Não dá para criticá-lo porque ele ficou muito pouco tempo. E, agora, a presidente da Anac, Solange Paiva Vieira, tem feito um ótimo trabalho.

DINHEIRO - A WebJet tem crescido muito nos últimos meses. Qual tem sido o segredo desses resultados?

PAULUS - Usamos bastante fermento! Bem, na verdade, o que fazemos é administrar tranquilamente a WebJet. Não queremos colocar o ovo em pé e, portanto, não há muito segredo. Aviação, para dar certo, tem que ter voos no horário, aviões confortáveis, bom serviço de bordo e uma tripulação educada. E, claro, crescemos como reflexo da luta que temos para manter o terceiro lugar no País e crescer com o mercado. Não dá para forçar a natureza. Então, aumentando a operação devagarzinho e conquistando novos mercados, é possível crescer. Se não for possível fazer isso, o segredo é roubar mercado dos outros.

DINHEIRO - Qual a estratégia da WebJet para manter esse nível de expansão no mercado?

PAULUS - É uma questão de ver as oportunidades do mercado e tirar proveito delas. Recentemente, incluímos o Rio de Janeiro à nossa malha, o que é bom, pois somos - na essência - uma empresa carioca. Estamos, também, focando muito o mercado gaúcho, que sente muita falta de um atendimento como o que a Varig oferecia lá. Os gaúchos tinham muito apreço pela Varig, e buscamos preencher esse vácuo de qualidade de mercado. Agora só falta mesmo Congonhas para consolidarmos nosso crescimento. Assim como o Nordeste, claro, que é uma região para a qual olhamos com bastante carinho em nossos planos.

DINHEIRO - Por que a WebJet decidiu pelos Boeing 737-300, de uma geração anterior à atual, e não por um mix melhor de aeronaves?

PAULUS - Porque uma companhia aérea tem que ter uma frota, não uma coleção da aviões. E isso é fácil de identificar. Nas operações nacionais, a TAM tem os Airbus A320, a Gol tem os Boeing 737-700 e nós os 737-300. É um avião moderno, e os nossos estão em excelentes condições, além de serem econômicos e terem um custo de operação baixo. Outra vantagem é que eles têm o tamanho ideal para o mercado brasileiro, com uma oferta de 136 assentos.

DINHEIRO - O fato de a WebJet estar ligada a uma grande operadora de turismo, a CVC, ajuda de alguma forma em seus resultados?

PAULUS - O trabalho da WebJet com a CVC ainda é muito pequeno, porque a companhia não tem tamanho suficiente para atender a CVC. Ela seria sufocada. Por isso, encaramos a WebJet como um braço de nossos negócios, tanto que é uma empresa independente, com gestão própria. Além do mais, nossa intenção não é utilizar a companhia como uma ferramenta para a WebJet, mas como uma fonte de receita adicional para o grupo.

DINHEIRO - Com que tipo de operação a WebJet fatura mais atualmente: fretamentos ou voos regulares?

PAULUS - Certamente faturamos mais com as operações regulares. Mesmo porque temos que tomar muito cuidado com nossos aviões, que, embora estejam em excelentes condições, já têm várias horas de uso. E, por outro lado, como temos que operar nossas rotas com regularidade, que é uma das exigências da Anac para concedêlas, ficamos com poucos espaços disponíveis para usar os aviões em fretamento. Na prática, os fretamentos ocorrem principalmente no período da noite e nos finais de semana - quando o movimento é mais tranquilo nas rotas regulares.

Fonte: José Sergio Osse (IstoÉ Dinheiro)

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