quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Boeing 787 Dreamliner: Contra o tempo

Para solucionar o problema de atraso do novo 787 Dreamliner, a Boeing convocou o veterano Patrick Shanahan, que tem 20 anos de experiência e é um solucionador de crises da companhia. Ele está no comando do projeto e concedeu entrevista à Época NEGÓCIOS. Veja, abaixo, a íntegra da conversa

Época NEGÓCIOS – O que diferencia o Dreamliner de outros aviões?
Patrick Shanahan – Há pelo menos duas diferenças importantes. O primeiro é o material. O 787 é feito em boa parte de fibra de vidro. Não há, na história de aviões comerciais, uma outra aeronave que tenha usado esse componente nessa mesma escala. O 777, por exemplo, tem um estabilizador vertical, uma grande estrutura toda feita em fibra de vidro, mas não há outros aviões grandes com fuselagem e asas de fibra de vidro como este. A segunda é a “cara” do avião. As formas e a arquitetura do Dreamliner são notavelmente diferentes. Essa nova aparência se manifesta em uma melhor experiência de vôo. O passageiro vai perceber uma área mais espaçosa, janelas maiores, mais luz natural. Resumindo, o que diferencia esse avião dos outros é a qualidade do vôo, a qualidade do ar, o espaço ergonômico, uma nova maneira de voar. Para o piloto, a cabine é confortável, clean e traz mais funcionalidade. É possível ficar em pé dentro dela.

NEGÓCIOS – Quais as vantagens de usar fibra de vidro?
Shanahan – A fibra de vidro é melhor do que o aço, porque assinala que o avião tem a mesma força, mas pesa menos - e isso representa um gasto menor de combustível. A combinação mecânica com a fibra de vidro permite que se desenhe as asas e a fuselagem de forma mais aerodinâmica. Somado a isso, há uma vantagem de 20% de eficiência energética quando se compara esse modelo a um do mesmo porte, como um 767. Com os altos preços de petróleo hoje, a vantagem de 20% em eficiência mais a economia em combustível são poderosas formas de economia para as empresas.

NEGÓCIOS – O sr. classificaria o 787 como um “avião verde”?
Shanahan – É muito mais ecologicamente correto, há menos emissão de gases. Quando se queima 20% menos combustível, isso significa 20% menos dióxido de carbono no ar. Além disso, é mais silencioso e há menos material tóxico sendo liberado, uma vez que usa mais fibra de vidro no processo de produção.

NEGÓCIOS – Quais são os maiores desafios do programa 787?
Shanahan – Tecnicamente não tivemos nenhum desafio significante. Até agora, o grande obstáculo tem sido recuperar o tempo perdido, o ritmo de trabalho. Como temos várias atividades correndo ao mesmo tempo, precisamos administrá-las bem.

NEGÓCIOS – Algumas partes da fuselagem tem sido produzidas por outras empresas, em diferentes países. Isso faz a linha de produção do avião ficar mais próxima da linha de produção de um carro. Quais as desvantagens disso?
Shanahan – Se o processo todo não estiver bem coordenado, você terá problemas de prazo. Se sua equipe não está sincronizada, você acaba tendo de fazer o trabalho que inicialmente era responsabilidade do fornecedor. Desta forma, se o sistema está funcionando bem, é realmente eficiente, mas os “soluços” de um fornecedor podem repercutir em toda a cadeia de produção.

NEGÓCIOS – Essa é uma das razões pelas quais a Boeing atrasou em mais de um ano a entrega do 787?
Shanahan – Sim. As falhas na rede de produção dos fornecedores contribuíram para que não recebêssemos o processo finalizado - e a nossa inabilidade de lidar com esses processos não finalizados é que tem atrasado todo o processo. Meu maior desafio tem sido o ritmo de trabalho, conseguir manter a linha de produção funcionando e obedecendo os prazos. Se os fornecedores tivessem mais tempo, eles teriam completado o trabalho e precisaríamos fazer menos por aqui. Mas estamos ficando melhores nisso.

NEGÓCIOS – Não seria possível prever que esses problemas ocorreriam quando no início do processo?
Shanahan – O que tínhamos em mente naquela época era que a integração com os fornecedores seria mais fácil e não teríamos de contar com o nosso time de Seattle. Com o tempo, descobrimos que provavelmente deveríamos ter nos envolvido mais com a engenharia dos nossos parceiros e fornecedores. Mas o estalo veio quando tentamos juntar as partes do avião que chegaram aqui. O que percebemos foi que o trabalho estava incompleto, mas deveríamos ter sido capazes de fazê-lo de forma eficiente, pois temos pessoas muito experientes. Tínhamos o que estava escrito no papel, as peças estavam ali, mas a seqüência do planejamento não funcionou muito bem. Normalmente, quando se inicia um projeto para começar um novo avião, gasta-se de dois a três anos para o planejamento de como será o processo de montagem. Tentamos fazer isso em dois ou três meses. E falhamos.

NEGÓCIOS – E agora? O processo está correndo tranquilamente?
Shanahan – Não. Se estivesse tudo tranquilo, você veria um grande sorriso no meu rosto [risos]. Bem, deixe-me contextualizar isso. Geralmente, projetos de manufatura correm tranquilamente. Essa é a natureza desse tipo de projeto. Mas ainda temos muitos desafios. E os que temos agora são normais para um começo de um sistema de produção. Os grandes, do começo, já os ultrapassamos, mas ainda há alguns pelo caminho para podermos completar o projeto desse novo avião. E não é com a construção de 40 ou 50 aviões que vamos conseguir que as coisas corram bem. Aprendi nesse ramo, depois de 20 anos de experiência, que é raro ter tranquilidade por muito tempo, porque estamos sempre buscando melhorias e essas melhorias “estressam” o sistema.

NEGÓCIOS – Quando a Boeing começa a entregar os novos aviões?
Shanahan – No final de 2009, por volta de setembro. Vamos entregá-los depois de as aeronaves serem certificadas. O programa de certificação requer que a gente use seis aviões para testes de vôo. Esses vôos devem começar no final de 2008.

NEGÓCIOS – A Boeing perderam clientes devido ao atraso do projeto?
Shanahan – Felizmente ainda não. Não tivemos grandes cancelamentos. Estamos trabalhando em nossas falhas, tentando coordenar nosso ritmo de trabalho para evitar quaisquer efeitos colaterais.

NEGÓCIOS – As ações da Boeing caíram bastante no final de 2007. Você diria que isso foi um reflexo do atraso do projeto?
Shanahan – Certamente a performance do 787 foi um fator. Mas há outros problemas: crise nas companhias aéreas, de um modo geral, a situação da economia. Mas claramente a performance desse programa teve efeito no preço das ações. E esse é o meu trabalho, voltar ao plano que prometemos a nossos shareholders.

NEGÓCIOS – Quanto o sr. acha que a empresa vai crescer com a finalização do programa?
Shanahan – Não posso dizer. Mas posso afirmar uma coisa: não importa quanto a empresa crescer, meu chefe vai dizer que não foi o suficiente [risos].

NEGÓCIOS – A Boeing recentemente recuperou a liderança no mercado, depois de ter ficado para trás. Qual foi a razão para a empresa ter perdido a liderança há alguns anos?
Shanahan – Realmente não sei. Mas recuperar valor no mercado é o que nos motiva a desenvolver novos produtos. Isso é o que o 787 representa. Não é algo similar ao que já fizemos no passado, mas um passo corajoso à frente, com novas tecnologias, novos materiais, novo sistema de produção… Isso tudo ajuda a recuperar valor de mercado, a diversidade de clientes. A liderança da empresa agora está disposta a dar esses passos. Temos desafios e se conseguirmos vencê-los, teremos muitos aviões a construir.

NEGÓCIOS – O sr. diria que o 787 é a maior aposta da empresa para retomar a liderança?
Shanahan – No momento é a maior aposta.

Fonte: Época Negócios - Foto: Divulgação

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