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Leila Diniz diante do cartaz do filme 'Edu, coração de ouro', em 1968 (Foto Agência O Globo) |
Mas Leila Diniz não queria perder aquele voo de jeito nenhum. Ela tinha viajado à Austrália para promover o filme "De mãos vazias", do diretor Luiz Carlos Lacerda, no Festival de Cinema de Adelaide. Mas garantira à jornalista e amiga Scarlett Moon que não ia "ficar de bobeira por lá, não". Voltaria correndo para estar de novo com a pequena Janaína, de 6 meses, sua filha com o cineasta Ruy Guerra.
A atriz de 27 anos, famosa por seus trabalhos na TV e no cinema e pelas atitudes libertárias que tanto incomodavam os moralistas da ditadura militar, deixou Adelaide sozinha, antes do encerramento do festival. Ela foi para Tóquio e lá embarcou no Voo 471 da Japan Airlines. O avião parou em Hong Kong, em Bangcoc e chegava na sua terceira escala, em Nova Déli, na Índia, quando colidiu a quilômetros do aeroporto. Eram 20h15 de uma quarta-feira, 14 de junho de 1972, há exatos 50 anos.
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Destroços do Voo 471 da Japan Airlines, em Nova Déli, na Índia (Foto: Reprodução) |
A tragédia matou 86 pessoas. Entre elas, Leila Diniz e o indiano KKP Narasinga Rao, um veterano da Food and Agricultural Organization (FAO), agência das Nações Unidas voltada para o combate à fome. Ao receber a notícia, a cantora e amiga Elis Regina desmaiou em frente às câmeras, gravando um programa de televisão. Leila morreu no auge da fama. A comoção tomou conta do país.
"O acidente foi um completo mistério", declarou o executivo Yasteru Matusi, gerente-geral da Japan Airlines na Índia, após à tragédia. De acordo com uma reportagem do GLOBO na época, a companhia suspeitava até de sabotagem. Ninguém sabia explicar o que realmente acontecera. Com o tempo, configurou-se uma disputa jamais encerrada de narrativas sobre as causas do desastre. Para investigadores japoneses, houve falha num equipamento do aeroporto. Mas o relatório de autoridades indianas foi enfático ao apontar uma sequência de erros cometidos pela tripulação.
O Voo 471 saiu de Tóquio com destino a Londres, de onde Leila tomaria outro avião para o Brasil. Hoje, uma viagem entre Japão e Reino Unido traça uma linha cruzando o espaço aéreo da Rússia. Mas, em tempos de Guerra Fria, a rota contornava o território soviético, num "pinga-pinga" interminável por capitais do Sul da Ásia. A carismática intérprete de Maria Alice em "Todas as mulheres do mundo" faria um total de seis paradas até chegar à capital britânica.
Após uma viagem sem imprevistos desde Bangcoc, na Tailândia, a aeronave modelo Douglas DC 8, com oito anos de uso, aproximava-se do Aeroporto Internacional de Palam, em Nova Déli. Já era noite, e havia uma densa névoa de poeira no ar, o que reduzia drasticamente a visibilidade a bordo. Por isso, a cabine recebeu autorização do aeroporto para realizar o pouso com a ajuda de instrumentos.
Entretanto, algo de muito errado se sucedeu. Um vídeo detalhado, que usa recursos gráficos para recriar o acidente de meio século atrás, foi publicado no Youtube no ano passado. Nesse vídeo, o áudio com as vozes dos pilotos na cabine sugere que eles começaram a descer depois de visualizar o que, equivocadamente, identificaram como as luzes da pista do aeroporto em Nova Déli.
Uma investigação japonesa argumentou que o equipamento responsável por enviar sinais de rádio para guiar o avião até a pista, durante um pouso por instrumentos, estava com defeito. Já o relatório do governo indiano concluiu que, ao pensar que haviam enxergado a pista, os pilotos abandonaram o procedimento de pouso por instrumentos e, mesmo com todas as limitações de visibilidade, passaram a se guiar pelos próprios olhos, ignorando as informações do altímetro.
Dois dias depois do acidente, as autoridades indianas encontraram o passaporte de número 896 147, de propriedade de Leila Diniz, colocando fim a qualquer esperança de que ela pudesse ter escapado com vida. Cunhado da atriz, o advogado Marcelo Cerqueira foi a Nova Déli para buscar os restos mortais da artista e voltou no dia 25 de junho, no avião que trouxe também as cinzas da mãe de Janaína.
Um cortejo com 40 carros percorreu o trajeto do Aeroporto Internacional do Galeão até o Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, onde já estavam milhares de pessoas. Dona Zica, mulher do compositor Cartola, cobriu a urna com a bandeira da escola de samba Mangueira. Antes de ser colocado no jazigo perpétuo 19.886, o caixão foi alvo de uma chuva de flores. Familiares, amigos e fãs de Leila se despediam aos prantos. Vários dias depois, admiradores da querida artista ainda eram vistos deixando suas homenagens no cemitério.
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Sepultamento da atriz no Cemitério São João Batista, em junho de 1972 (Foto: Antonio Nery/Agência O Globo) |
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