quarta-feira, 16 de julho de 2014

Táxis aéreos clandestinos voam livremente sem fiscalização

Equipe do Fantástico chegou a embarcar num desses aviões piratas para mostrar como eles voam livremente.


Pirataria nos céus do Brasil. O Fantástico denuncia o perigo dos táxis aéreos fora da lei.

Eles são irregulares, clandestinos, mas estão por toda parte. Nossa equipe chegou a embarcar num desses aviões piratas para mostrar como eles voam livremente, sem fiscalização.Um risco pra todos nós: seja aqui no chão ou a bordo de uma dessas aeronaves.

Para saber como funciona o esquema clandestino de táxi aéreo, nossas equipes foram a grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro e também a comunidades isoladas, espalhadas pelo país.

Qual o perigo que um avião desses traz para quem está no chão ou no céu? O que diz a lei?

“Você precisa ter, além de uma estrutura física adequada, um centro técnico de manutenção. Sem isso, entende-se que você não tem como dar uma prestação de serviço de forma segura”, afirma Georges de Moura Ferreira, professor de direito aeronáutico.

Um alicate derrubou uma aeronave, depois de uma manutenção mal feita.

“Como há casos que a gente tem conhecimento até de que foi feito por mecânico de automóvel. São riscos a que estamos expostos”, alerta Enio Paes de Oliveira, diretor da Associação Brasileira de Táxis Aéreos. 

No Aeroporto de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, procuramos um táxi aéreo para fazer um passeio. “Eu faço para você por R$ 1.100”, avisa o piloto.

Ele é piloto e diz que R$ 1.100 é o preço que ele cobra de um voo de helicóptero, com duração de meia hora. Ele entra em um hangar e mostra o helicóptero.

Fantástico: A aeronave é sua?

Piloto: É da empresa.

Piloto: Você quer com ou sem emoção?

Repórter: O que é com emoção?

Piloto: Sensação que vai cair, que vai morrer. Já andou de montanha-russa?

Repórter: Já.

Piloto: Então, exatamente.

Pagamos, embarcamos e logo pedimos para descer, alegando medo.

No cadastro da Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, consta que o helicóptero faz apenas serviço aéreo privado. Ou seja, é particular: só o dono e quem ele autoriza podem voar. Não é táxi aéreo. Portanto, não pode cobrar para transportar passageiros.

Quando o Fantástico pediu explicações...

Repórter: Vocês fazem táxi aéreo?

Piloto: Não. As aeronaves que a gente tem aqui são particulares. Voo somente para os proprietários. Eu não voo táxi aéreo. Eu voo aeronave particular somente.

“Uma empresa de táxi aéreo tem que atender exatamente aos mesmos requisitos de uma empresa de linha aérea. Nós precisamos ter um programa de treinamento para cada piloto, para cada tipo de aeronave”, explica Georges Ferreira.

Segundo a Anac, em 2013, houve 159 acidentes aéreos no Brasil: 64 com aviões particulares, pouco mais de 40%. A causa mais comum é pane no motor.

No dia 11 de janeiro de 2013, no aeroporto de Rio Branco, no Acre, um avião monomotor, modelo minuano, da empresa "Decolando com você", que não é autorizada a fazer táxi aéreo, passa por uma manutenção.

Foi feita por dois mecânicos que não possuem habilitação da Anac. Foi isso que atestou o Cenipa, órgão da Aeronáutica que apura os acidentes. É lei: só pessoal credenciado pode fazer manutenção.

Na aeronave, vão o piloto e sete pessoas que pagaram pelo voo. Hoje, a passagem custa R$ 150. O destino era Envira, no Amazonas, a cerca de 400 quilômetros da capital do Acre.

O avião decola e o motor começa a falhar. O piloto volta para a pista, mas só consegue parar depois da cabeceira e de cabeça para baixo. Os passageiros tiveram ferimentos leves.

O Cenipa concluiu: os mecânicos esqueceram um alicate dentro do motor. A ferramenta bateu na válvula dosadora de combustível e reduziu a potência.

“A primeira providência adotada pelo Ministério Público Federal foi ajuizar uma ação cautelar para suspender imediatamente o funcionamento dessa empresa”, afirma o procurador da República Rafael Rocha.

Esta semana, o Fantástico ligou para a "Decolando com você", que continua funcionando.

Por telefone, o repórter Jeferson Dourado tentou falar com Ivon Moreira, que se apresenta como dono da empresa, mas: “A gente não tem interesse em levar reportagem, não. Até porque não teve vítima fatal nenhuma”, respondeu ele.

Com tantas irregularidades, com tantos riscos, como estes aviões conseguem operar, ilegalmente, como táxis aéreos? Uma das respostas pode estar no voo que partiu de Cumbica.

O Fantástico foi até o Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos para registrar uma irregularidade.

Na quarta-feira (9), dia da semifinal entre Argentina e Holanda, na arena Corinthians, nossa equipe passou pela segurança e chegou ao pátio de embarque sem nenhum tipo de fiscalização.

Contratamos um táxi aéreo clandestino para poder denunciar como são comuns esses voos piratas. O valor é de R$ 5,7 mil para ir até Ribeirão Preto, no interior do estado. A equipe do Fantástico não se apresentou como jornalistas.

Um dia antes do embarque, fomos até Campinas, sede da "Extreme taxi aéreo". Para a Anac, ela deveria estar inoperante, mas um casal nos atende. O marido é o piloto e dono da empresa. A mulher dele recebe R$ 5,7 mil pela viagem entre Guarulhos e Ribeirão Preto.

O piloto Carlos liga para alguém no Aeroporto de Guarulhos: "Estou precisando fazer um atendimento amanhã, às 7h da manhã para o pátio 12".

O avião dele não é cadastrado como taxi aéreo. É de uso particular. Para enganar a fiscalização, ele não diz que vai transportar clientes, e sim, amigos: “Um amigo meu que está chegando do Rio. Eu vou pegar ele aí em Guarulhos e levar ele para o interior de São Paulo”, avisa.

Em Cumbica, às 7h de quarta-feira passada, depois do susto na decolagem, quando o motor demorou para pegar. “Ele faz bolha de ar nos caninhos. É duro de pegar aqui, mas pega”, avisou o piloto.

Em uma hora, chegamos a Ribeirão Preto. Na volta, o avião segue só com o piloto.

Depois do voo, estivemos na empresa. O piloto reconheceu que vendeu um voo de táxi aéreo clandestino, e que cometeu um erro, mas não quis gravar entrevista.

A Anac determinou que o avião não voe mais, até que tudo seja apurado.

A administração do Aeroporto de Guarulhos disse que cumpre todas as normas exigidas pelos órgãos que regulamentam o setor.

Outro caso grave aconteceu em Manaus, na véspera do jogo Inglaterra e Itália, na Arena da Amazônia, no dia 13 de junho.

Segundo a Anac, um taxi aéreo clandestino com três passageiros ia de Barcelos, no interior do Amazonas, para o aeroporto de Flores, em Manaus. Mas a aeronave ficou com pouco combustível e teve que fazer um pouso de emergência no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, também na capital amazonense.

Foi assim que a Anac descobriu que, além de o voo ser ilegal, o piloto Klender Hideo Ida estava com a habilitação vencida e que usou o nome de outro piloto para comandar a aeronave. O avião foi apreendido e o caso encaminhado à Polícia Federal.

Tentamos falar com o piloto Klender, deixamos recados, mas ele não retornou.

As regras são ainda mais rigorosas para um tipo de taxi aéreo muito usado no Norte e no Centro-Oeste. Chamado de aeromédico, transporta doentes para municípios com hospitais maiores e tem que estar pronto para atender emergências também durante o voo.

Em março de 2013, com problemas respiratórios, Renato, de 1 ano e 6 meses, precisou ser transferido de Barra do Garças, Mato Grosso, para Goiânia.

Os pais dizem que contrataram a empresa “Jetmed Táxi Aéreo” por R$ 5,5 mil.

“O combinado foi a UTI aérea, a enfermeira e o médico. Eu tinha um carro velho, na época. Eu vendi meu carro”, conta Vandecleiton de Paula e Silva.

Quando o pai viu o avião, levou um susto e tirou fotos. “Não tinha lençol, não tinha nada. Eu não vi nada de aparelho de UTI”.

No avião, estavam o piloto e o dono da empresa, o médico Wendel Macedo.

“Eu pedi para ele colocar meu filho na maca. Ele falou: ‘não, você coloca ele no seu colo e vai segurando ele até chegar em Goiânia’. Ele mandou a gente calar a boca e falou que se a gente abrisse a boca novamente, ele ia voltar e deixar a gente na cidade de volta e a gente ia a pé para Goiânia”, relata o pai de Renato. 

Renato morreu de pneumonia, quatro dias depois. Os pais dizem que o atendimento precário no avião agravou o estado de saúde da criança. “A gente não quer dinheiro, não quer nada. A gente só não quer que fique em vão tudo o que a gente passou”, lamenta o pai do menino.

Segundo as investigações, Wendel Macedo não tem autorização para voar como aeromédico. Ele foi indiciado pela Polícia Federal por colocar em risco o transporte aéreo. A pena é de até 5 anos de cadeia. 

Wendel não quis gravar entrevista. Em nota, disse que "a criança faleceu em decorrência do agravamento da doença" e que não fez taxi aéreo. Alegou que foi uma ajuda para atender ao "pedido desesperado do pai do menino" e que não cobrou pelo voo e sim "apenas pelo serviço de médico". Será que ele não fez táxi aéreo mesmo? Sem nos identificar como jornalistas, ligamos para Wendel, como se fôssemos contratá-lo. 

Repórter: Eu estou precisando urgente de fazer um translado com a minha tia. Ela está passando muito mal do coração.

O médico aceita e diz o preço para ir para Goiânia no avião dele: “São R$ 5 mil. Ela vai deitadinha. Deita a poltrona e dá para ir três pessoas junto”.

Procuramos as autoridades aeronáuticas.

A Força Aérea Brasileira disse, em nota, que existe uma "sistemática" quando um avião pede autorização para voar: começa no "preenchimento do plano de voo e depois no contato por meio de rádio". Segundo a FAB, "nesse processo, a informação necessária para a segurança é o número de pessoas a bordo, independentemente da destinação ou do tipo de transporte".

A Secretaria de Aviação Civil disse que "a fiscalização dos táxis aéreos clandestinos cabe à Anac".

A Agência Nacional de Aviação Civil confirmou que todas as aeronaves mostradas nesta reportagem estão irregulares. Alegou que tem dificuldade para flagrar táxi aéreo clandestino "porque, muitas vezes, os passageiros não contam para a fiscalização que pagaram pelo voo".

A Anac disse ainda que tem "cerca de mil inspetores para fazer fiscalizações" e que já "foram abertos 239 processos administrativos" contra os aviões piratas.

“Eu espero que a justiça seja feita porque é a única coisa que resta para fazer ainda”, pede a mãe de Renato, Juciele Ferreira de Moura.

Clique AQUI e assista a reportagem.

Fonte: Fantástico (TV Globo) - Foto: Reprodução

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