terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O que é a Justiça para esses parentes?

“Justiça é que nada disso tivesse acontecido, que a gente pudesse ter as nossas vidas de volta. Que as pessoas não pilotem mais helicópteros sem habilitação, só porque têm dinheiro”, diz Garna, irmã da Jordana.

“O que aconteceu não foi uma fatalidade”, afirma Bruno Gouveia. “Ficou claro desde o começo, tamanha a quantidade de negligências: voo sem autorização, brevê vencido, imprudência de voo devido às condições climáticas; inocentes colocados em risco, autoridades até hoje sem dar nenhuma satisfação aos familiares.”

As vítimas da tragédia

Abaixo, trechos da conversa de ÉPOCA com as famílias das vítimas da tragédia:

ÉPOCA – O que vocês esperam com essas ações e com o vídeo?

José Luca Magalhães Lins – Apurações das equipes das empresas Eurocopter, fabricante do helicóptero, Helibras, sua subsidiária brasileira, Turbomeca, fabricante da turbina, e da oficina Ultra Rev, que fazia a manutenção da aeronave no Rio de Janeiro, concluíram que o helicóptero estava em estado técnico perfeito, com a revisão em dia. O grande problema era a prática do Almeida de dar a matrícula de outra pessoa para voar sem condição, fora da legalidade. A falha foi cem por cento humana. Minha revolta é como esse piloto que deu sua matrícula para o Marcelo Almeida decolar não sofreu nenhum tipo de represália ou não teve sua habilitação suspensa pela Anac até que tudo seja apurado?

Hélio Noleto – Como qualquer pessoa pode decolar e pousar em aeroportos como o de Vitória, onde o Almeida fez uma parada para abastecer, e o de Porto Seguro, que recebem tantos voos comerciais, dando a matrícula de outro piloto? Não existe fiscalização, é uma baderna. O que existe é uma indignação das famílias com o poder público. Eu perdi o que não poderia perder. E só recebi o atestado de óbito da minha filha. Não recebi documento algum dizendo o que houve de fato naquela noite. Isso pode acontecer com qualquer pessoa.

Márcia Noleto – Minha causa é que, com isso, nenhuma outra pessoa morra por negligência das autoridades. Que pelo menos um oficial do aeroporto peça o documento de identificação com foto dos pilotos para liberar a decolagem. Encontrei o Marcelo Guaranys, presidente da Anac, que me prometeu tomar uma atitude, mas não retornou mais minhas ligações. Eu enlouqueci nesses últimos meses, e as autoridades não me dão notícias, não me dão uma posição. Tenho o direito de saber o que aconteceu com a minha filha.

Bruno Gouveia – O que aconteceu não foi uma fatalidade. E isso ficou claro desde o começo, tamanha a quantidade de negligências: voo sem autorização, brevê vencido, imprudência de voo devido às condições climáticas; inocentes colocados em risco, autoridades até hoje sem dar nenhuma satisfação aos familiares.

ÉPOCA – Como fizeram para atravessar esses seis meses?

José Luca Magalhães Lins – Eu tive um tumor de dois centímetros no cérebro há um ano e meio e foi pelo meu filho que eu lutei para viver. Ele me ensinou o que era o amor de verdade, me ajudou no processo de cura. Foram duas pancadas seguidas, mas a primeira não chega aos pés da outra. Eu quero a Justiça quanto às regras. Vivo um dia de cada vez, e a fé tem me ajudado muito. Mas a dor é infinita, não para, é a cada segundo.

Márcia Noleto – Eu enlouqueci durante alguns meses. Me trancava no quarto dela, agarrava as roupas dela e chorava. Eu fiquei completamente desnorteada; já fui a centros espíritas, budista, já conversei com padres, porque eu quero entender onde ela está. Tem amiguinhas que sonham com ela e passam recados, mas eu nunca sonhei.

Hélio Noleto – Fiz um tratamento psquiátrico. Se não fosse isso, eu não estaria de pé. Hoje estou norteando minha vida nas coisas que a Mariana gostaria que eu fizesse: praticar esportes, trabalhar bem.

Garna Kfuri – É uma dor indescritível, que dura 24 horas por dia. Acho que jamais aprenderei a viver com essa dor, com essas injustiças todas.

Maximiliano Assunção – No dia em que minha mãe foi para Trancoso, eu conversei com ela, que me pediu um abraço e um beijo antes de eu sair para trablhar no Exército, às quatro da manhã. Isso nunca acontecia, apesar de ela ser carinhosa. Senti que era uma despedida. Nossa mãe era tudo para a gente.

ÉPOCA – Algumas pessoas podem ter o pensamento: “por que vou ajudar aquelas pessoas que estavam passando um fim de semana de helicóptero na Bahia”. O que vocês diriam a elas?

Márcia Noleto – Nós somos uma família de classe média, juntamos dinheiro durante anos para comprar nosso apartamento, começamos a vida num quarto e sala. Tudo foi conquistado com suor e trabalho. Minha filha passou a fazer parte desse mundo por causa do namoro, mas esse não era o mundo dela.

Iolanda Assunção – Nossa mãe veio da Bahia para tentar a vida como babá no Rio e nunca nos deixou passar necessidade. Ela trabalhava há 16 anos com a família Magalhães Lins e foi assim que estudamos sempre em escola particular, tivemos roupas, passeios e comida.

ÉPOCA – Esse episódio teve repercussão política pela presença do governador do Rio, que também estava na viagem a Trancoso para a festa de aniversário do empresário Fernando Cavendish, marido de Jordana Kfuri, que tem diversos contratos com o Estado do Rio por meio de sua construtora, a Delta. Qual a postura dele?

José Luca Magalhães Lins – Sérgio poderia ter entrado naquele helicóptero, assim como seu filho. Só não o fez porque se decidiram embarcar primeiro as mulheres e as crianças.

Márcia Noleto – Ele foi muito solidário e estava desesperado. Mariana e Marco Antonio, filho dele, namoravam há oito anos. Ela era como se fosse da família. Sobre política, nunca falamos.

ÉPOCA – O que pretendem fazer com o dinheiro caso recebam as indenizações?

José Luca Magalhães Lins – Vou fundar uma instituição com o nome do meu filho que ajude crianças carentes.

Hélio Noleto – Essa indenização não vai me devolver a minha filha, mas vai ajudar como medida educativa e punitiva para coibir essa prática nefasta que todo mundo sabe que acontece a torto e a direito pelo Brasil.

Márcia Noleto – Quero criar uma ONG de assistência a mães que tenham perdido seus filhos de maneira trágica.

Garna Kfuri – Justiça é que nada disso tivesse acontecido, que a gente pudesse ter as nossas vidas de volta. Eu queria que as pessoas não se sentissem donas do mundo, que soubessem que estão erradas, que não pilotassem mais helicópteros sem habilitação, só porque têm dinheiro. Minha mãe foi muito guerreira; perdeu duas filhas e dois netos e ainda tem que pagar por isso? O absurdo nunca termina.

(As famílias são representadas pelo mesmo advogado, o carioca João Tancredo, que recentemente ajuizou uma medida cautelar no Tribunal de Justiça do Rio, em nome de Mara Kfuri, mãe de Jordana e Fernanda, para arrestar os bens do espólio de Marcelo Almeida. O pedido foi julgado improcedente e Mara foi condenada a arcar com as custas processuais no valor de cerca de R$ 800 mil).

Fonte: Revista Época

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