terça-feira, 5 de outubro de 2010

Gestão e regulação dos aeroportos brasileiros

As taxas não são suficientes para cobrir todos os custos de investimento.

Por Ronaldo Seroa da Motta

A nossa deficiência aeroportuária contrasta fortemente com a de outros países, inclusive com nossos vizinhos da América do Sul. A gestão de aeroportos tem logrado êxito em muitos lugares graças ao espetacular desempenho dos serviços aéreos nas últimas décadas que permitiu receitas crescentes para o financiamento de instalações cada vez mais seguras, confortáveis e eficientes. Com a desregulamentação do setor aéreo, a concorrência aumentou e entraram novas empresas com uma ampla diversidade de produtos e preços declinantes As taxas que as empresas aéreas pagam por diversos serviços que utilizam nos aeroportos, desde o uso da pista e terminais ao manuseio das bagagens, embora não representem uma parte significativa dos seus custos, podem ser decisivas na lucratividade dos voos porque as outras despesas com manutenção, mão de obra e combustível não podem ser comprimidas por questões óbvias de segurança. Logo uma região que oferece serviços aeroportuários bons com taxas competitivas atrai voos e, assim, os aeroportos, mesmos os internacionais, fazem parte de uma estratégia de desenvolvimento regional.

Outra realidade é que em nenhum aeroporto essas taxas são suficientes para cobrir todos os custos de investimento, em particular os de construção das pistas. Dessa forma, o serviço aeroportuário, à semelhança de outros setores de infraestrutura, tem parte do seu financiamento subsidiado. Assim, o primeiro passo nas gestões de sucesso em aeroportos, como em qualquer outro setor a ser regulado, começa com a definição dos objetivos financeiros que serão cumpridos com a arrecadação das taxas e dos compromissos de financiamento e subsídios. O segundo passo é a regulação dos indicadores de eficiência e qualidade de gestão que serão exigidos em troca dessa arrecadação e subsídios. Embora não haja uma fórmula de gestão que seja a melhor, e sim aquela que mais se ajusta à realidade econômica, jurídica e institucional do país, as opções vencedoras têm sido sempre aquelas onde a gestão, seja pública ou privada, é bem regulada.

Opção seria fazer concessões à gestão privada e cobrar tarifas para financiar as instalações deficitárias.

Nos países de baixa e média renda e dimensões não continentais, onde um grande aeroporto atua quase como um monopolista natural, a gestão privada tem sido eficiente quando resolve a equação financeira acima mencionada. Os casos de fracasso, quando analisados sem paixão, foram, em grande parte, ocasionados pela fraca atuação do regulador, que não criou os incentivos corretos. Nos países de alta renda ou, mesmo nos de renda média, mas com dimensões continentais, como o Brasil, há necessidade de uma rede de aeroportos onde convivem e competem mais de um grande e vários de médio e pequeno porte. Nesses casos, há que se compatibilizar lógicas regionais com lógicas de competitividade do setor.

Quando a concorrência nos serviços aéreos é grande, com várias grandes empresas, como nos Estados Unidos, uma solução é dividir a gestão dos aeroportos com essas empresas. O resultado natural é cada empresa escolhendo seu porto numa região e dela fazendo seu ponto de conexão. Entretanto, numa economia onde os serviços aéreos ainda são concentrados, como no Brasil, essa solução poderia aumentar ainda mais a concentração do setor.

Uma alternativa para o Brasil seria aquela similar à adotada nas telecomunicações que divide a rede de infraestrutura em blocos. Cada bloco teria um conjunto de aeroportos licitado para concessão à iniciativa privada e esses blocos competiriam entre si. A vantagem aqui é que cada bloco poderia carregar aeroportos lucrativos juntos com outros menos lucrativos, obrigando a um subsídio cruzado. A intenção é boa, mas só se mostrará factível se o montante desse subsídio não invalidar economicamente todo o bloco ao inviabilizar os portos lucrativos.

Devido aos altos custos dos aeroportos, as experiências desse modelo mostram que tal opção gera muitas renegociações indesejáveis desses blocos com atrasos nos investimentos. Ainda há histórias de sucesso com a gestão pública regulada, isto é, aeroportos que são administrados por empresas públicas por contratos de gestão, monitorados por um órgão regulador e, quase sempre, com participação dos governos e das comunidades locais num conselho de gestão.

Nesses casos, o órgão regulador defende em audiência pública a equação financeira de taxas e subsídios e os indicadores de gestão. A empresa pública assina contrato e se submete a sanções pelo seu não cumprimento. Não há nenhuma outra instância hierárquica entre o regulador e a gestão do aeroporto quando da aplicação das penalidades. Essa abordagem, contudo, é frágil se a autonomia da agência reguladora também o for para lidar com uma empresa pública. Uma opção intermediária, até talvez mais realista, seria fazer concessões de aeroportos lucrativos à gestão privada e cobrar pela concessão uma contribuição para um fundo que financia a gestão pública de aeroportos deficitários.

Enfim, como em qualquer setor de infraestrutura, as histórias de fracasso só acontecem quando a gestão, seja pública ou privada, não é regulada de forma eficiente e transparente. Infelizmente, esse ainda é o caso dos nossos aeroportos, onde a definição das taxas aeroportuárias e os indicadores de gestão não fazem parte do contrato de concessão e muito menos da supervisão dos serviços. Ou seja, no momento que se discutem novas formas de gestão para os nossos aeroportos, é importante lembrar que elas dependem também da capacidade de regulação. Os aeroportos do Brasil precisam de um choque de gestão, mas antes de tudo e, principalmente, precisam de regulação.

* Ronaldo Seroa da Motta é pesquisador do Ipea, especialista em regulação econômica e ambiental, ex-diretor da Anac.

Fonte: Valor Online via administradores.com.br

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