domingo, 21 de junho de 2009

O Dom-Juan Santos Dumont

Pesquisador desfaz a fama de homossexual do Pai da Aviação e o retrata como um conquistador

"Ela é bonitinha? Pelos teus relatórios, vê-se o amor ardente." A frase consta da carta que Pedro Lima Guimarães enviou ao amigo de infância Alberto Santos-Dumont, em 18 de fevereiro de 1902. Três meses antes, de Paris, o Pai da Aviação havia partilhado sua dúvida com o amigo, morador de Petrópolis (RJ): "Não sei o que fazer, se parar o namoro ou se continuar." Eles se referiam a Edna Powers, filha de um milionário americano, a quem a imprensa da época tratava como "a noiva de Santos-Dumont". Na correspondência, o aviador mineiro mostrava-se descrente quanto ao futuro do romance, pois tinha descoberto que o dote da família de Edna, a quem ele se referia na carta como "gentil e linda", era de "só um meio milhão (de dólares)".

A carta foi garimpada pelo escritor carioca Cosme Degenar Drumond e está presente em "Alberto Santos-Dumont: Novas Revelações", lançado recentemente pela Editora de Cultura. Desde que a obra veio à tona, ela se tornou a mais nova arma daqueles que defendem a masculinidade do aviador. "Não existe indício de que ele fosse homossexual", afirma Drumond. O autor passou cinco anos levantando informações em museus, arquivos públicos, bibliotecas e universidades brasileiros e de países como Argentina, Chile, França e Inglaterra. Teve, ainda, acesso a três CDs com arquivos inéditos da família e a documentos enviados por parentes dos irmãos Wright, que disputavam com Santos-Dumont o reconhecimento pela invenção do avião no século passado.

Santos-Dumont foi um dom-juan clássico, na visão do escritor, que também pesquisou sobre a dedicação dele aos esportes e a suas ações de solidariedade. Namorou artistas, vedetes e mulheres de famílias abastadas.

Foto ao lado: Rasante Agachado, Santos-Dumont brinca com cachorro para cortejar passageira de um navio

Foi citado em um processo de divórcio requerido por um corretor de seguros e chegou a bater asas para uma amante do rei Leopoldo II, da Bélgica. Quando aportava no Rio de Janeiro, frequentava prostíbulos da praça Mauá com outros aviadores. Ao todo, mais de uma dezena de casos e romances é citada na obra. Na França, onde esteve para conversar com outros pesquisadores do aviador, Drumond insistiu com os interlocutores sobre a pecha de homossexual que acompanha a trajetória do criador do 14 Bis, principalmente no Brasil. Recebeu como resposta expressões de surpresa e a afirmação de que, naquele país, a fama era outra: a de um conquistador nato.

De fato, Santos-Dumont fazia por merecer esse título. Ele tinha o costume de presentear cada mulher de quem se enamorava - geralmente próximo do final da relação - com uma joia. E não era um mimo qualquer. Seu amigo e famoso joalheiro Louis Cartier era quem confeccionava o presente, a pedido do brasileiro, sob a seguinte recomendação: "Não comente nada, isso é coisa minha e sua." Nas viagens feitas de navio entre a capital francesa e o Brasil, Santos- Dumont valia-se de qualquer pretexto para puxar conversa com as passageiras - até mesmo um cachorro no colo de uma mulher já lhe serviu como abordagem (como ilustra foto na pág. ao lado). "Ele foi um bon vivant com as mulheres. Aproximava-se delas, divertia-se, amavaas e depois as trocava", opina Drumond. "E dizia a amigos que um homem que vivia no fio da navalha como ele, por conta do risco da sua atividade, não deveria constituir família."


PAIXÃO
O aviador conheceu a socialite Yolanda Penteado quando ela tinha 16 anos: bombons e passeios românticos




COMPANHIA
Atriz da Comédie Française, Cécile Sorel costumava jantar e passear de automóvel com o brasileiro





OUSADIA
Santos-Dumont sobrevoava a casa da dançarina Cléo Mérode, que foi amante do rei da Bélgica





BORBULHAS
A cantora francesa Jeanne Bourgeois, conhecida pelas pernas esculturais: champanhe com o Pai da Aviação



Muito mais do que o fato de ser um solteirão convicto em meio à efervescência da sociedade francesa do início do século passado, a fama de Pai da Aviação que o elevou à condição de celebridade mundial contribuiu para que sua suposta homossexualidade fosse ventilada. Para se ter uma ideia da sua popularidade, entre 1899 e 1903, ele foi retratado na imprensa 12.625 vezes. Drumond descobriu esse levantamento, feito por quatro empresas de clipping contratadas pelo inventor, no arquivo da família Dumont. "(A homossexualidade) foi uma forma de denegrir a imagem dele e o Brasil comprou isso", opina o físico Henrique Lins de Barros, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, um estudioso da vida e obra de Santos-Dumont, autor de três livros sobre ele.

Naquela época, o brasileiro e os irmãos americanos Wright disputavam a supremacia sobre os aeroplanos. Ao mesmo tempo, o jornal New York Mail and Express publicava em suas páginas: "Na casa de Santos-Dumont, o serviço de chá fica em um canto da sala, onde ele bebe com frequência essa bebida social feminina. Tudo na sala é de extremo bom gosto, nada indicando que haja um toque masculino." O escritor americano Paul Hoffman reproduziu essa passagem em seu recente livro "Asas da Loucura", no qual afirma que Santos-Dumont foi amante do caricaturista francês George Gousat, conhecido como Sem. Mas não apresenta provas ou cartas de amor que façam referência ao caso - ao contrário do que se verifica em relação ao sexo oposto.

"A masculinidade não se prova nem mesmo por um papel de casamento", diz o físico Lins de Barros. "Mas, baseando-se na documentação que se conhece, é mais fácil de entender Santos- Dumont como heterossexual." No canhoto de um talão de cheque do aviador, por exemplo, ao qual Drumond teve acesso, está anotada uma despesa com a compra de bombons, presente que ele costumava oferecer a Yolanda Penteado, famosa socialite paulista que foi casada com o industrial de origem italiana Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo. Os dois se conheceram quando Yolanda tinha 16 anos e se encontravam no Copacabana Palace - sempre que possível, entrando discretamente pelos fundos. O inventor preparava jantares românticos para ela, que se sentia lisonjeada com o fino galanteio. A cunhada de Santos-Dumont, porém, reprovava o caso. Segundo Drumond apurou em arquivos, ela dizia: "Alberto, você está ficando tonto namorando essa menina!" Yolanda teria sido a grande paixão da vida do aviador.

Nos esportes, apesar de praticar esqui, alpinismo e ser piloto de corrida, sua predileção era o tênis - chegou a ser árbitro no Fluminense Futebol Clube. Mas foi em uma academia de esgrima que conheceu Edna Powers, cuja foto figurava em uma espécie de porta-retrato em cima de uma mesa de seu apartamento na Champs-Elysée, em Paris. Dom-juan ou homossexual? Os documentos comprovam que Santos- Dumont apenas não alardeava conquistas, era discreto. Como bom mineiro de Palmira.

Fonte: Rodrigo Cardoso (IstoÉ)

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