(Imagem: yacobchuk/Getty Images/iStockphoto) |
De metanfetaminas até o modafinil, droga mais recente cujo efeito é comparado ao consumo de 20 xícaras de café, várias substâncias já foram testadas e aprovadas, mas o uso regularizado entre militares e a possível extensão para pilotos de voos comuns esbarram em dilemas éticos e riscos graves à saúde.
O que aconteceu?
Voo da Batik Air saiu da rota porque piloto e copiloto dormiram ao mesmo tempo; sono e falta de descanso são motivos de alerta na aviação comercial (Imagem: Adek Berry/AFP) |
O piloto pediu que o copiloto assumisse o controle por alguns minutos para descansar, mas o colega também adormeceu. No total, a aeronave ficou sem controle humano por 28 minutos.
O incidente provocou uma série de erros de navegação, mas o avião pousou em segurança. O caso trouxe dúvidas sobre as condições de sono e descanso dos pilotos de aeronaves comerciais.
Cansaço é generalizado entre os pilotos. Uma pesquisa realizada em 2023 com cerca de 6.900 pilotos que voam na Europa mostrou que quase 73% deles disseram não se sentirem suficientemente descansados entre seus turnos e que quase três quartos já dormiram por alguns minutos durante o voo.
Anfetaminas usadas desde a 2ª Guerra
Em voos militares, a questão já é debatida há décadas e se sabe que desde a 2ª Guerra Mundial os pilotos fazem uso de drogas, a maioria anfetaminas, para se manterem acordados durante as operações.
Durante um episódio da 2ª Guerra, militares britânicos encontraram comprimidos no bolso de um piloto alemão da Força Aérea nazista abatido em um bombardeio. A substância, que depois foi revelada como metanfetamina, era o estimulante favorito da tripulação alemã.
Os britânicos então começaram a desenvolver uma versão própria dos comprimidos para o uso durante a guerra e, em pouco tempo, o estimulante passou a ser largamente distribuído e abasteceu centenas de missões noturnas pela Europa.
Caça alemão usado na 2ª Guerra Mundial; anfetaminas já eram usadas naquela época para manterem os pilotos acordados (Imagem: Museu Nacional da Força Aérea dos Estados Unidos) |
Décadas mais tarde, uma droga semelhante se tornou popular durante a Guerra do Golfo (1990 - 1991). Chamada dextroanfetamina, a substância foi usada pela maioria dos pilotos militares envolvidos nos primeiros bombardeios contra as forças iraquianas do Kuwait.
Diante do alto potencial de vício das anfetaminas, as organizações militares norte-americanas começaram a buscar alternativas ao uso da substância pelos pilotos. Um estimulante desenvolvido na década de 1970 para o tratamento da narcolepsia (sonolência diurna excessiva) passou a ser considerado: o modafinil.
Modafinil: 64h sem dormir e 20 xícaras de café
Além de evitar o sono, foi demonstrado que a substância também tinha o potencial de melhorar a memória e aumentar o desempenho cognitivo, o estado de alerta e a vigilância em situações de fadiga extrema.
Segundo um estudo consultado pela BBC, o modafinil manteve usuários em estado de alerta durante até 64 horas e seus efeitos foram comparados a beber 20 xícaras de café.
A partir da descoberta dos efeitos estimulantes da substância, em situações críticas de sono e falta de alerta, tripulações passaram a usar o medicamento para se manterem acordadas durante os voos.
Amplamente disponível no mercado, o modafinil já foi aprovado para uso pelas forças aéreas em Singapura, Índia, França, Holanda e EUA. Mas na contramão dos benefícios, o uso do remédio também apresenta riscos à saúde, com efeitos colaterais como suor, fortes dores de cabeça e até alucinações.
Além disso, diversos estudos revelam que o medicamento tem potencial aditivo e pode levar pessoas a se tornarem excessivamente confiantes nos seus julgamentos — o que pode ser fatal em contextos de operações militares.
Historiadores apontam que pilotos nazistas tiveram problemas semelhantes com o uso de metanfetamina durante a 2ª Guerra. Com cerca de 35 milhões de comprimidos distribuídos aos militares apenas no ano de 1940, descobriu-se que aqueles que haviam viciado na droga apresentavam problemas de julgamento e desempenho, o que passou a preocupar as autoridades alemãs.
E os pilotos comerciais?
Embora a duração dos turnos de pilotos comerciais seja mais regulamentada que a dos militares, eles podem passar muitas horas por ano entre as nuvens, em meio a nevoeiros, mudanças de fuso horário e cansaço extremo.
Para Yara Wingelaar, chefe do departamento de medicina aeroespacial do Ministério da Defesa holandês, ouvida pela BBC, embora os benefícios do modafinil para os pilotos militares possam também se aplicar à aviação comercial, ela não recomenda que isso aconteça.
"Acredito que para a aviação comercial, temos que ser céticos em relação ao que pedimos aos nossos pilotos e à nossa sociedade. Será que realmente precisamos que nossos pilotos comerciais voem durante toda a noite para nos levar em nossa viagem, ou precisamos aceitar que as pessoas têm seus limites e a necessidade universal de dormir?", questiona ela.
Via UOL
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