Tinham chegado a Benghasi, na Líbia, os aviadores Brito Pais e Sarmento Beires em mais uma etapa da sua aventura aérea que ligaria Lisboa a Macau. Ainda faltava muito caminho para percorrer mas já eram heróis nacionais.
Brito Pais e Sarmento Beires partiram de Lisboa com apenas cinquenta contos de réis nos bolsos. Era de apavorar jacarés! Empenharam tudo o que tinham numa aventura que ninguém garantia correr bem, até pelo contrário. Ganharam os céus no dia 7 de Abril de 1924. No dia 19 já estavam num ligeiro repouso, em Benghasi, na Líbia. A primeira etapa fora percorrida entre Lisboa e Vila Nova de Mil Fontes. Foi aí, na foz do Mira, que o Pátria, um frágil monomotor construído com restos de outros aviões, se ergueu no ar sob o entusiasmo da multidão. O seu destino era o do Império – chegar a Macau por via aérea, algo nunca antes tentado.
A segunda etapa, até Málaga, também decorreu sem incidentes (eles só surgiriam muito mais tarde, numa zona desértica da Índia), e depois, com escalas em Oran, na Argélia, em Tunis, na Tunísia e em Tripoli, já na Líbia, um total de 3 105 quilómetros tinham sido percorridos sob o entusiasmo dos aviadores e dos meios de comunicação que acreditavam estar perante uma daquelas ações heroicas próprias de um Gama ou de um Álvares Cabral. “Rasgam novamente o espaço asas de Portugal. Asas que vão a caminho da glória e já atravessaram o Mediterrâneo, venceram tempestades, lutaram contra o vento, voaram sobre montanhas e passaram desertos.
Começa a glorificação – glorificação do martírio e do esplendor da morte. Portugal vai viver novas ansiedades e ligar às rotas marítimas do Século XVI, inéditas trajectórias aéreas que têm dois padrões – O Brasil e o Oriente. Atingiu-se o primeiro. O segundo avista-se, divisa-se já em brumas de ouro, em sonhos de perfumes, em certeza, que é realidade, assombroso, heróico, imenso”.
Frases eloquentes. Não que os homens da coragem – majores aviadores José Manuel Sarmento de Beires (1892-1974) e António Jacinto da Silva Brito Pais (1884-1934) – não o merecessem. Era o que faltava. Era gente de nervos de aço e coragem a toda a prova. A partir de Tunis, um terceiro passageiro entrou no Pátria, o alferes-mecânico Manuel Gouveia.
Era nítido que os percalços seriam mais do que muitos, mais mesmos do que aqueles que os bravos pilotos tinham previsto no longo estudo que fizeram de preparação do percurso. “Vão a caminho do Infinito esses dois portugueses de têmpera antiga, simples como os heróis da cavalaria, altivos no seu combate constante com os elementos que não lhes perdoam a revelação dos seus segredos, interpondo entre eles e a vitória de chegar – a morte”.
A vida! Cruz credo! Mesmo que enfrentassem de peito aberto uma morte possível tal a fragilidade do aparelho e a monstruosidade do percurso, Brito Pais e Sarmento Beires levaram a cabo a sua aventura até ao fim. A vida esteve aí para reconhecê-los como grandes figuras da história da expansão portuguesa por todos os cantos do planeta. Para já, teriam quatro etapas duras pela frente: Benghasi-Cairo; Cairo-Damasco; Damasco-Bagdade; Bagdade-Bassorá. Seriam, até fecharem a primeira parte do raide, homens das arábias.
De Benghasi, dia 18 de Abril, pelas 15h20, chegara o telegrama tão esperado na Direcção de Aeronáutica de Lisboa: “Aterragem normal. Voo 6 horas e 20 Benghasi. Peço notícias. Envie ordem dinheiro Cairo. Pais, capitão”.
Um hurrah! de satisfação espalhou-se pelos gabinetes e pelos corredores.
Certo oficial, mais vivaço, alertou:
- Deve ter sido um voo magnífico...
- Porquê? Porquê?, perguntou-se em seu redor.
- Ora, estejam atentos aos planos de voo do capitão Sarmento Beires. Programou oito horas e um quarto para concluir esta etapa. Afinal fizeram em seis horas e vinte. É espantoso!
E era.
O espanto percorria, igualmente, as páginas de todos os jornais. Sem meias-tintas. “De Benghasi, onde aterraram com tanta facilidade – e já é a sétima aterragem realizada pelo Pátria sem o menor incidente – os heróicos oficiais partirão para o Cairo. O Pátria terá de cobrir 1300 quilómetros, espaço que o capitão Beires calcula poder fazer em 12 horas. Nesta etapa, têm os bravos oficiais, de atravessar regiões desertas – o Planalto da Líbia e o Cirenaico. No Cairo, tencionam os aviadores demorar-se algum tempo para limpeza do motor e esperar pelo dinheiro ido de Lisboa”.
Não havia milagres com cinquenta contos. Mas o país mexia-se para ajudar os seus valentes. O sr. Francisco Grilo fez chegar à Aeronáutica um cheque de 100$00. O próprio director da Aeronáutica Militar, dr. Cifka Duarte, não parava quieto – andava numa dubadoira com a ajuda de outros oficiais para que fossem organizados bailes e quermesses para angariar dinheiro para enviar para Pais e Beires.
No Teatro Nacional era levada a palco uma récita tendo como tema a aviação militar, com a bilheteira a ficar por conta dos pilotos do Pátria. O Teatro da Trindade e o Teatro Apolo já se haviam comprometido a avançar com operações iguais. Uma subscrição aberta por uma comissão de ilustres senhoras alentejanas já tinha atingido alguns contos de réis mas, no entanto, a verba ainda não chegara aos cofres da Aeronáutica Militar. De todo o país chegava auxílio. Até do Brasil! Não seria por uma questão de dinheiro que os dois aviadores do Pátria e o seu mecânico não chegariam a Macau. Chegaram. Como heróis! No dia 23 de Junho.
Via iOnline Sapo (Portugal)
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