sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

'Esperamos por vestígios que nunca apareceram', diz filha de piloto de avião com 7 indígenas que sumiu na Amazônia há 3 anos

Aeronave de pequeno porte que desapareceu em 2018 durante viagem entre aldeia e município no sul do Amapá nunca foi encontrada.

Flávia Moura em foto ao lado pai Jeziel Barbosa (Foto: Arquivo Pessoal)
"Todos sabiam que ele era um excelente piloto, e logo ia dar notícias". O trecho de uma conversa com um irmão logo após o desaparecimento expressa a angústia que até hoje, três anos depois, toma de Flávia Moura, uma das cinco filhas de Jeziel Barbosa de Moura, à época com 61 anos. Ele era o piloto de uma viagem que partiu, mas nunca chegou ao destino final: o desaparecimento de um monomotor com ele e mais 7 indígenas que partiram da aldeia Mataware no Parque do Tumucumaque, no Amapá, com destino a Laranjal do Jari, município no extremo sul do estado.

O desaparecimento completou exatos três anos na quinta-feira (2) e até hoje as famílias nunca tiveram vestígios do avião e nem dos passageiros do voo, que deixou de ser rastreado 28 minutos após a decolagem.

A ausência de informações sobre a viagem, em plena floresta amazônica, fez com que as buscas surtissem pouco efeito por terem acontecido numa área muito extensa, de cerca de 300 quilômetros entre o ponto de partida e o de chegada.


Sem qualquer vestígio na mata, após 123 horas de voo e 12 mil campos de futebol percorridos, a Força Aérea Brasileira (FAB) suspendeu a procura. Apesar dos pontos de partida e chegada serem no Amapá, a maior parte do percurso é feita sobre o território do Pará, em função da geografia.

Local de sumiço de avião na Floresta Amazônica (Arte/G1)
A esperança de encontrar os passageiros durou duas semanas para os órgãos oficiais, mas seguiu durante muito tempo para Flávia. Ela diz hoje ser mais "racional", apesar de carregar a dor da perda do pai e de ter feito o máximo para a retomada da procura na época.

"Sobre ter esperanças, hoje não tenho mais. Tive esperança no primeiro ano, no segundo ano, agora no terceiro ano precisamos ser mais racionais, saber que nesses anos todos nada foi encontrado, nenhum vestígio sequer foi encontrado. A esperança acabou, aprendemos a conviver com falta dele, a conviver com saudade que ele deixou", contou a filha que ainda vive em Laranjal do Jari, onde moravam.

Com mais de 30 anos de experiência, Jeziel fazia viagens rotineiras transportando indígenas de aldeias isoladas no estado para a área urbana, onde geralmente resolviam problemas bancários, previdenciários e compravam alimentos e acessórios.

No voo desaparecido ele transportava uma família de índios da etnia Tiriyó: professor, esposa e três filhos, uma aposentada e o genro dela.

Apesar da vivência nos ares da região isolada, Flávia conta que o pai alertou, uma semana antes de desaparecer, ela e uma irmã sobre a área de floresta completamente desabitada e os perigos que estava suscetível.

"Era como se estivesse se despedindo, ou sentindo algo. Nos falou que na região que estava voando era muito perigoso, a mata era muito extensa, mata virgem, difícil acesso, falou que se um dia ele caísse lá nunca mais iríamos encontrar, devido ao lugar ser de difícil acesso. Porém, disse que ia feliz fazendo o que ele mais amava na vida, que era voar, pois voar era a paixão, prazer, tudo pra ele. Ele amava a profissional dele", lembrou a filha.

Piloto Jeziel Moura ao lado do monomotor que desapareceu na Amazônia
(Foto: Flávia Moura/Arquivo Pessoal)
A viagem, que partiu num domingo, fez a última comunicação às 12h06. O piloto avisava a um outro piloto da empresa de aviação que precisaria fazer um pouso de emergência.

No dia 4 de dezembro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) caracterizou o voo como “clandestino”. A falta de pistas autorizadas na região e a não comunicação da viagem, segundo a Funai, apontam a irregularidade. Flávia assegurou que o pai estava com as documentações regulares.

Após o fim das buscas em 17 de dezembro, uma mobilização de entidades indígenas, familiares e políticos cobrou a retomada da procura, mas, segundo as Forças Armadas, não havia suporte de aeronaves para cobrir uma área tão extensa.

Dias depois, por conta própria, diversos grupos de indígenas partiram mata a dentro por conta própria em busca de vestígios, mas nada foi encontrado até hoje. A esperança de um pouso de emergência no meio da mata com os passageiros vivos foi se apagando ao longo dos meses.

"E lembrar que fiz o que podia fazer até onde dava, pedi várias vezes para o retorno das buscas. Os órgãos competentes apenas me falavam que fizeram o que podiam, que os protocolos foram feitos de acordo, que o tempo de buscas estava de acordo e que só poderiam voltar se caso tivesse algum vestígio. Porém, até hoje esperamos por esses vestígios que nunca apareceram", lamenta.

O impacto na família da perda de Jeziel interrompeu um novo rumo que a família buscava, que era retornar à terra natal dele, na Paraíba. Algo que planejavam para o mês seguinte: janeiro de 2019.

O motivo para volta às origens era o estado de saúde da mãe de Jeziel, avó de Flávia, que estava doente na época. "Esse ano minha vó faleceu. Com imensa tristeza, desde que ela soube do ocorrido não foi mais a mesma, se entregou para a doença, caiu em depressão, pois eram muito apegados. Meu pai era o caçula dela", diz Flávia.

Além dos quatro filhos, Jeziel deixou 5 netos e uma saudade que o tempo dificilmente vai apagar. Flávia relembrou a última conversa que teve com o pai antes do acidente.

"E na noite anterior trocamos mensagem de boa noite, no qual ele perguntou o que teria para o almoço. Me falou que ia sair pra voar cedo no dia 2, mas que retornaria na hora do almoço. Só sei que um dia iremos nos reencontrar", finalizou Flávia, que abalada preferiu não gravar entrevista com a Rede Amazônica e respondeu por texto as perguntas feitas pela reportagem.

O g1 não localizou familiares dos indígenas desaparecidos no voo para falar sobre os três anos do desaparecimento, mas dias após o sumiço da aeronave, Sataraki Akuriyó, filho da passageira mais velha da viagem, esperava pelo reencontro com a mãe.

"Minha mãe não vou ver mais, por isso queria encontrar ao menos o avião ou o corpo falecido. Desde que eles caíram estou sofrendo muito", limitou-se a dizer.

Sataraki Akuriyó, filho da passageira mais velha do voo (Foto: Rede Amazônica/Reprodução)

Investigação


O relatório final do caso, investigado pelo Serviços Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes (Seripa I), vinculado à FAB, apontou informações inconclusivas em função do avião não ter sido localizado.

Foi identificado que Jeziel estava com certificado médico e habilitação para pilotar válidas e que a aeronave prefixo PT-RDZ estava com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) ativo.

"A aeronave não chegou ao seu destino, os destroços não foram encontrados e ela foi considerada desaparecida após o encerramento das buscas no dia 17 de dezembro de 2018. (...) Devido à falta de informações disponíveis, esta investigação foi interrompida", detalha o relatório.

Apesar da documentação válida, o voo foi considerado irregular pela Funai em função da falta de pistas autorizadas para pouso e decolagens na Amazônia. Apesar de usadas para o transporte de serviços médicos e de saúde, muitas não são homologadas na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

A necessidade de regularização motivou na época uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que exigiu da Anac a não cobrança para homologação desses espaços.

De acordo com o MPF, em todo o Brasil existem 249 pistas de pouso não regularizadas em terras indígenas. No Amapá são 17 pistas irregulares.

Por John Pacheco e Rita Torrinha, g1 AP e Rede Amazônica

Nenhum comentário: