Imaginem, então, um S-3 Viking. É um jato que os americanos usam há mais de 30 anos – inclusive a partir de porta aviões – para vigilância eletrônica do espaço aéreo, guerra anti-submarina, “eletronic jamming” (perturbar os dispositivos eletrônicos do adversário, como transmissões de rádio e freqüências do radar). Dispõe de navegação inercial, que é independente de fontes externas para encontrar seu caminho (como auxílios rádio no solo ou satélites que são essenciais para o GPS).
No caso da aeronave perdida no Norte da Venezuela, sua missão, segundo o Pentágono, é ajudar no combate ao narcotráfico. É óbvio que se trata de um avião de vigilância e não de ataque. E é óbvio também que ele estava bem longe do lugar que já há décadas mais preocupa as agências que combatem o tráfico de drogas: a foz do rio Orinoco. O S-3 Viking operava a partir das Antilhas Holandesas, cerca de 250 quilômetros a Noroeste do centro venezuelano de controle de área de Maiquetía – equipado, aliás, com radares da Raytheon.
Não fica claro pelo noticiário se o Viking ia ou voltava, se acompanhava a costa venezuelana e a que altitude estava (o que é essencial para se entender o tipo de missão ou o tipo de engano). O controle venezuelano teve uma breve conversa com os pilotos americanos, que dizem terem sido orientados para sintonizar Maiquetía pelo próprio controle de área das Antilhas Holandesas.
O interessante nisto tudo já não é determinar se o avião “espionava” a Venezuela (no sentido de “testar” as defesas do espaço aéreo) ou se uma incompetente tripulação de pilotos americanos (que, segundo o Pentágono, estava em treinamento) nem sabia onde estava voando. O que interessa é que um incidente desses possui hoje um componente perigoso, dado o rearmamento da Venezuela e as ligações de Hugo Chávez com os narcoguerrilheiros das Farc.
Mas, e os americanos, pode-se perguntar (com toda razão) estão por lá fazendo o quê? É bastante óbvio também que eles tomam conta de um espaço que consideram estratégico – e isso já vem desde os tempos da Guerra Fria. Alguns verão a presença americana como “ocupação imperialista”, ou ameaça ao projeto bolivariano socialista de Chávez. Acho que os fatos são mais prosaicos: a Venezuela nunca foi uma preocupação militar para o “império”, como Chávez se refere aos Estados Unidos. E provavelmente continua não sendo – parece bem claro que os venezuelanos só souberam do avião americano quando ouviram alguém falando inglês na freqüência civil de controle.
Chávez está em busca de um papel de vítima. Está afundando um país e causando enorme conturbação na América do Sul. Parece incompetente o suficiente do ponto de vista da política econômica para deixar a Venezuela com inflação alta, desabastecimento e falta de investimentos mesmo sentada em fabulosas reservas de energia. Os venezuelanos pagarão a conta da fanfarronice.
E depois alguém se encarrega de criar um mito sobre mais uma vítima do “império”.
Este post foi publicado em Todas, Segunda-feira, (19/05/2008) por William Waack