quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Cenipa: batida de avião e picape de serviço no Galeão tem entre causas ‘informalidade excessiva’ e ‘uso do celular’ na torre de controle

Investigadores isentaram pilotos da aeronave e funcionários de pista. Boeing estava a 200 km/h quando acertou o carro da concessionária do terminal.

Carro atingido por avião no Galeão na terça-feira (11) ficou destruído (Foto: Reprodução)
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) concluiu a apuração da colisão entre um avião da Gol e um veículo de serviço na pista do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, o Galeão, em fevereiro (relembre o acidente no vídeo acima).

No relatório, os técnicos do Cenipa falam em desatenção da torre de controle do Galeão no episódio.

“O clima de informalidade excessiva, tolerância ao uso de celulares e conversas não operacionais revelou uma cultura grupal permissiva, que naturalizou comportamentos incompatíveis com a segurança operacional, favorecendo a repetição de erros e enfraquecendo as barreiras de defesa”, escreveu o Cenipa.

A torre de controle é operada pelo Destacamento de Controle do Espaço Aéreo do Galeão (DTCEA-GL), que faz parte da Força Aérea Brasileira. O g1 entrou em contato com a FAB e aguarda posicionamento.

O RIOgaleão, que gere o aeroporto, afirma que "todas as recomendações operacionais sob responsabilidade da concessionária já estavam integralmente implementadas" e que "promoveu, de forma proativa, o aprimoramento de processos internos, antecipando-se, inclusive, à publicação do relatório final" (veja a íntegra no fim da reportagem).

Relembre o acidente



Na noite de 11 de fevereiro, a aeronave — um Boeing 737-8 MAX com 103 passageiros e 6 tripulantes — atingiu uma picape que realizava manutenção no balizamento noturno e estava parada na Pista 10 no momento que o voo G3-1674, com destino a Fortaleza, iniciava a decolagem. O avião teve danos estruturais e o veículo ficou destruído. Duas pessoas que estavam no carro sofreram apenas ferimentos leves.

Ninguém no avião se feriu, e os pilotos conseguiram evitar uma tragédia maior graças a uma manobra abrupta ao avistarem o veículo a menos de 200 metros de distância.

Erro humano e falha de vigilância

Os investigadores concluíram que a liberação indevida de decolagem por parte da torre foi o principal fator que levou à colisão.

Segundo o relatório final, o controlador de tráfego aéreo (ATCO) liberou a decolagem sem verificar visualmente se a pista estava desobstruída e desbloqueou o sistema eletrônico Tatic, que indicava interdição da pista, sem a confirmação da saída do veículo.

Além disso, o supervisor da torre — que, embora oficialmente fora de serviço naquele horário, ainda exercia atribuições funcionais — não percebeu a liberação indevida da pista porque estava mexendo no celular. A análise das imagens internas da torre mostra que ele estava com o aparelho nas mãos no momento da liberação da decolagem.

O relatório também identificou que a torre de controle do Galeão apresenta pontos cegos causados por vegetação, o que dificultava a visualização da Pista 10 à noite. As cadeiras da sala de controle também estavam abaixo da linha ideal de visão, o que comprometeu a vigilância.

Fuselagem do avião da Gol teve danos estruturais (Foto: Reprodução/Cenipa)
‘Ambiente descontraído’

O próprio controlador que liberou a decolagem disse à comissão de investigação que havia sentido um “rebaixamento de atenção” por conta da baixa demanda de tráfego naquele momento e do ambiente descontraído na sala de controle.

O supervisor afirmou que já havia terminado seu turno, mas que continuava na torre finalizando anotações e acompanhando a movimentação do veículo por rádio. Disse ainda que, se estivesse oficialmente em serviço, sua “consciência situacional poderia estar mais elevada”.

Reprodução do Cenipa mostra que veículo de manutenção ficou sob a fuselagem da aeronave, entre o trem de pouso do nariz e o trem de pouso principal esquerdo (Foto: Reprodução/Cenipa)
Pilotos desviaram em cima da hora

O relatório mostra que os pilotos só conseguiram ver o veículo quando estavam a cerca de 185 metros de distância, já em alta velocidade. Um dos tripulantes agiu com rapidez e desviou à direita, impedindo que o trem de pouso dianteiro atingisse o carro diretamente.

A manobra foi suficiente para que o veículo passasse por baixo da fuselagem, entre o trem de pouso do nariz e o principal esquerdo. Mesmo assim, o impacto causou danos ao sistema hidráulico, tubulações de combustível, carenagens da fuselagem e ao sistema de controle de flaps da aeronave.

Já a picape teve o teto amassado e arrastado.

Reação após o impacto

Após a colisão, o piloto abortou a decolagem e o avião parou cerca de 1 km depois do ponto de impacto. O plano de emergência do aeroporto foi ativado, e a evacuação dos passageiros ocorreu de forma controlada. O veículo de combate a incêndio chegou ao local cerca de 2 minutos após o chamado da torre.

Como prevê a legislação, o relatório do Cenipa não tem caráter punitivo e não aponta culpados individuais. O objetivo da investigação é prevenir novos acidentes por meio da identificação de falhas operacionais e de gestão.

O Cenipa emitiu uma série de recomendações de segurança à torre de controle do Galeão e ao órgão responsável pela gestão do espaço aéreo, como reforço em treinamentos, melhoria das condições ergonômicas da sala de controle e poda da vegetação que bloqueia a visibilidade da pista.

Cronologia do incidente
  • 22h08min00s: Aeronave PS-GPP (Boeing 737-8 MAX), da Gol, inicia a corrida de decolagem na Pista 10 do Aeroporto do Galeão, com destino a Fortaleza.
  • 22h08min17s: Veículo de manutenção do balizamento informa que vai deixar a pista pela taxiway (pista de serviço) CC.
  • 22h08min32s: Ocorre a colisão entre a aeronave e o veículo, que ainda estava parado no centro da pista. Atingido a cerca de 300 km/h, prestes a levantar voo.
  • 22h08min57s: Pilotos abortam a decolagem e informam à Torre de Controle (TWR-GL) sobre a presença do veículo. Não há resposta.
  • 22h09min00s: Aeronave realiza parada total, cerca de 1.100 metros após o ponto de impacto.
  • 22h09min14s: Pilotos confirmam a colisão e solicitam apoio.
  • 22h10min13s: Um dos ocupantes do veículo, em estado de choque, comunica a colisão à torre e solicita o fechamento da pista e acionamento dos bombeiros.
  • 22h11min13s: Supervisor informa que vai acionar o alarme de emergência.
  • 22h11min40s: Alarme de emergência é oficialmente ativado.
  • 22h15min07s e 22h35min05s: Controlador da torre e supervisor são substituídos.
  • 22h38min00s: Evacuação completa da aeronave é finalizada.

O que dizem os citados


O g1 entrou em contato com a Força Aérea Brasileira, responsável pela torre de controle e aguarda um posicionamento.

A RIOGaleão enviou a seguinte nota:

"O RIOgaleão reafirma o seu compromisso com a segurança e informa que todas as recomendações operacionais sob responsabilidade da concessionária já estavam integralmente implementadas, em conformidade com a legislação e as melhores práticas internacionais do setor aeroportuário.


Em alinhamento com sua política de gestão de riscos e melhoria contínua, o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – RIOgaleão promoveu, de forma proativa, o aprimoramento de processos internos, antecipando-se, inclusive, à publicação do relatório final.

O RIOgaleão reafirma também com a excelência no atendimento aos passageiros, mantendo sempre uma atuação colaborativa com as autoridades competentes."

A Gol informou que não vai comentar o caso.

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Via Eduardo Pierre, g1 Rio

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