sábado, 7 de junho de 2008

Anac ignorou alerta sobre irregularidade em caso Varig, mostra documento

Despacho interno de ex-diretora levantava suspeitas de que venda da VarigLog ignorava norma de capital nacional

Despacho de Denise Abreu, que hoje acusa pressão da Casa Civil sobre a agência, apontava suspeita de que capital era estrangeiro

ALAN GRIPP
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma semana antes de a Anac (Agência Nacional de Avaliação Civil) avalizar a venda da VarigLog para o fundo de investimentos americano Matlin Patterson e três sócios brasileiros, um despacho interno assinado pela ex-diretora da agência Denise Abreu levantou suspeitas de que o negócio poderia ser ilegal. O documento, ao qual a Folha teve acesso, não foi levado em conta no parecer que aprovou a operação, no dia 23 de junho de 2006.

O despacho alerta de que a sociedade entre o fundo, representado pela empresa estrangeira Volo Logistic LLC, e os empresários brasileiros poderia estar burlando o artigo 181 do CBA (Código Brasileiro de Aviação). A norma impede que estrangeiros tenham mais de 20% do capital com direito a voto de uma companhia aérea. Por esse motivo, Denise Abreu determinou a suspensão do processo até que a suspeita fosse apurada.

Segundo o documento, a Volo do Brasil S.A. (sociedade entre o fundo e os brasileiros) possuía capital social de R$ 32,9 milhões. Desse total, R$ 26,3 milhões pertenciam à Volo Logistic, e o restante, em partes iguais (R$ 2,2 milhões cada), a Marco Antônio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Michel Haftel.

Grande parte da participação da empresa estrangeira era composta por ações preferenciais, sem direito a voto. As ações ordinárias (com direito a voto) totalizavam 20%. Mas, segundo o despacho da Anac, a Volo Logistic fez um empréstimo a Volo do Brasil de R$ 79,9 milhões, respondendo por 94% do capital injetado. Aí estaria, segundo o documento, uma forma de burlar a legislação.

"Surge, então, a necessidade de avaliar-se quaisquer acordos prévios celebrados entre as partes, bem como os detalhes da operação de empréstimo", diz um trecho o despacho, citando um exemplo. "Pode-se citar uma cláusula que contenha a possibilidade de pagamento do empréstimo com ações com direito a voto."

A "ressalva expressa" foi repetida no dia 22 de junho em parecer assinado pelo superintendente de Serviços Aéreos, Mário Roberto Gusmão. A análise diz que a Volo do Brasil S.A. atendeu "em parte" as exigências para a compra da VarigLog.

No dia seguinte, o negócio foi aprovado com a chancela de um parecer assinado pelo procurador-geral da Anac, João Ilídio de Lima Filho. Nele, o procurador diz apenas que a dúvida foi sanada pela SSA (Superintendência de Serviços Aéreos), "que concluiu pela regularidade da operação".

Denise Abreu acusa a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e sua secretária-executiva, Erenice Guerra, de pressionarem a Anac a não exigir atestado de origem do capital da VarigLog.

Abreu diz que o procurador-geral da Anac foi pressionado a emitir o parecer autorizando a venda da VarigLog à Volo do Brasil. Diz ainda que Erenice ligou diretamente para Ilídio, que teria ido a uma uma reunião na Casa Civil na véspera da concretização do negócio. Ele nega e diz que seu parecer foi "estritamente técnico". Ilídio, que ainda tem cargo no governo, disse conhecer Erenice "de recepções", mas negou ter tido contato profissional com ela.

Fonte: Folha Online (06/06/08)

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