terça-feira, 8 de abril de 2008

Na Índia, 800 pilotos contra uma comissária

A heroína foi transformada em bruxa. Amrita Ahluwalia (foto ao lado), uma comissária de bordo da Air India, ficou famosa em 1991 ao resgatar, durante um vôo, uma jovem que fora vendida para um saudita rico. Agora, enfrenta o calvário do lado oposto da fama: ter sido afastada do serviço sob acusação de assédio sexual a um comandante, que gerou um movimento de repúdio nacional. A ela, diga-se de passagem. Os colegas recusam-se a cumprir jornadas de trabalho tendo Amrita como tripulante, mesmo sem que qualquer acusação tenha sido comprovada até hoje.

A publicidade e a cultura machista levaram a Associação de Pilotos Comerciais da Índia a transformar um gesto corporativo já beirando a covardia em sentença ridícula pela desproporção. A entidade recomendou aos seus 800 associados que vetassem a comissária, uma vez que "respondia por assédio sexual" (o comandante pode usar esse poder). E se recusou a aceitar os argumentos de defesa da colega, que reagiu ao memorando revelando ter o piloto tentado uma aproximação "indecente" durante o período de descanso entre vôos em Dubai, o chamado layover, no dia 9 de fevereiro.

O caso continua rolando, com audiências, debates e acusações. A questão do assédio nem é mais o eixo central da discussão, mas o fato de uma organização de classe impedir que a comissária exerça o seu ofício. "Que direito eles têm de pedir ao meu gerente que me afaste? Cada um deve cuidar da sua vida e não ficar interferindo na minha. Já me ameaçaram demais em Dubai, que me deixem pelo menos me recuperar do trauma", reagiu a comissária.

A resposta de Amrita mostra o outro lado da história. O que os pilotos classificaram como assédio seria apenas a represália coletiva pela recusa pública em uma sociedade onde mulheres às vezes pagam com a morte por desobediências afetivas. Contra a versão endossada pela associação há um boletim de ocorrência preenchido pela comissária numa delegacia de Hyderabad, no qual o acusado é o comandante C. J. Bhoopal, Diretor do Centro de Treinamento da Air India e chefe dos pilotos da companhia. O documento foi encaminhado à direção da AI. Daí se conclui de onde surgiu o movimento dos colegas e, depois, da própria união profissional.

"Se eles tiveram a audácia de me perguntar certas coisas naquele dia, então posso imaginar o que esses pilotos fazem com as pobres moças que acabaram de entrar para a companhia. Tenho medo do que elas possam estar passando", afirmou Amrita em uma das poucas vezes em que a imprensa a ouviu.

A associação está jogando todo o seu peso na tentativa de angariar o apoio de outras entidades a esse boicote absurdo. Ninguém mostrou a cara para acusá-la, mas afirmam que não estão brincando ao caracterizar o suposto assédio como uma tentativa de assassinato, "por ter colocado a vida de tripulantes e passageiros em risco". Como, se o rolo foi em terra? Para os zelosos comandantes, o dano moral decorrente da exposição do caso no boletim de ocorrência os teria deixado tão perturbados que poderiam acabar provocando um acidente de graves proporções quando em vôo. Fala sério...

Ahluwalia tornou-se conhecida por um gesto de coragem. Em 10 de agosto de 1991, em um vôo para Riad, a jovem Ameena, de 10 anos, seguia ao encontro do futuro marido, um saudita de 60 anos. Tinha sido vendida a ele por 10 mil rúpias. Foi resgatada pela comissária, atraída pelo choro convulsivo, quando o vôo fez conexão em Délhi. O noivo acabou preso. A atitude salvou a jovem naquele momento, mas não a impediu de arrepender-se de ter saído do jato. De volta à Índia, viveu como pária, da ajuda de ONGs e foi processada pelo pai pelos "prejuízos morais e financeiros". "Talvez, se não tivesse chorado naquele dia, eu estivesse agora vivendo muito melhor com o sheik", disse Ameena.

Fonte: JB Online (06/04/08) - Foto: NDTV

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