“Falta fiscalização nos aeroportos de Belém”, denuncia o piloto Paulo Rodrigues, presidente do Aeroclube do Pará. De acordo com ele, desde 2009, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão regulador da aviação comercial no país, mantém um efetivo de apenas dois funcionários para cobrir todo o Estado.
“É um absurdo, se for pensar na nossa região, que é imensa e que necessita do avião como meio de transporte para alcançar áreas a que muitas vezes não se tem acesso por terra. Se não tem fiscalização, você relaxa, aí começam a acontecer acidentes”, analisa. Ele estima que uma frota de 300 aeronaves, entre monomotores e bimotores, circulem no espaço aéreo do Pará.
Rodrigues aponta problemas também no controle da concessão de licenças para pilotos por parte da Anac. Como explica, para se capacitar como piloto é necessário um curso teórico de quatro meses, exigido para realizar a prova teórica da Anac. Após aprovado, o candidato se submete a 36 horas de voo em um avião e uma prova prática de pilotagem.
“Porém, o controle da Anac é frouxo. Para ser piloto, basta o camarada ter o 1º grau completo e estudar em casa. Não é exigido que faça o curso teórico em uma escola reconhecida pela Anac. Como o cadastro é eletrônico, depende da palavra do candidato apenas comprovar se o curso foi feito ou não”, avalia.
Medo coletivo
É com pesar e receio que o setor de aviação paraense vem recebendo as últimas notícias. “Todos ficam um pouco paranoicos com tantos acidentes. A aviação é considerada uma profissão de risco, mas não é normal a quantidade de acidentes que vêm acontecendo. Sofro pela morte do Roberto (Roberto Carlos Figueiredo, piloto do avião do deputado Alessandro Novelino, também morto no acidente do último sábado), ele era meu amigo. E sofro por ter que ficar tanto tempo sem respostas pela causa de tantas mortes. Elas (as respostas) podem salvar as vidas de outros tantos pilotos”, afirma um piloto que não quis se identificar.
Piloto privado com três anos de profissão, ele confirma as denúncias de falha na fiscalização. “Os ficais vêm muito pouco fazer vistorias. A culpa não é deles. É a quantidade de trabalho que exigem que eles façam. Durante o período de carnaval, aumenta a quantidade de voos no Estado e a Anac não acompanha essa demanda. Se no trânsito é assim, por que na aviação seria diferente?”, questiona.
Outro fator de risco típico da região é ausência de fiscalização e manutenção das pistas de pouso no interior, o que dá abertura a perigosas improvisações. “A maioria das pistas no interior não é apropriada. São descampados de piçarra ou terra batida. Pouquíssimas são afastadas e quase todas são no meio do centro urbano. Muitas das vezes os pilotos têm que pousar em uma estrada ou rodovia. Ficamos taxiando (voando em círculos) até saírem os veículos, pessoas, até mesmo gado do caminho. Imagina o perigo”, relata.
Em números
168 É o número de aeroportos existentes no Pará, sendo 44 aeroportos públicos e outros 124 privados, incluindo também os helipontos. Redução não compromete, garante Anac
O total de acidentes aéreos registrados no Pará no mês de fevereiro é quase a metade dos desastres envolvendo aeronaves em todo o ano de 2010 no Estado. De um total de nove acidentes naquele ano, apenas cinco tiveram seus relatórios de apuração de possíveis causas concluídos. Em 2011, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), somente nos seis primeiros meses do ano foram registrados 23 desastres aéreos em toda a região amazônica, ou quase um acidente a cada 12 dias. No Pará, foram sete. O recorde ficou com o Mato Grosso, com nove acidentes.
Mas nem os recentes acontecimentos no Pará, que registrou quatro graves acidentes em fevereiro, foram suficientes para mobilizar técnicos da Anac - autarquia que tem a responsabilidade de regular e fiscalizar a aviação civil brasileira - no sentido de priorizar os trabalhos de apuração e investigação no Estado.
O DIÁRIO solicitou à agência que informasse se, mediante tais acontecimentos em sequência, a Anac pretendia tomar alguma medida mais pontual, como por exemplo, enviar técnicos para o Estado para averiguar a qualidade dos produtos oferecidos. Para essa pergunta, não houve resposta da assessoria de imprensa do órgão.
Em agosto de 2010, a Anac decidiu fechar os postos de serviços de 22 capitais, inclusive Belém, Boa Vista, Macapá, Manaus e Porto Velho. Na época, a agência informou que a decisão não era econômica, mas de eficiência. Pela configuração anterior, os atendentes apenas recolhiam as queixas dos passageiros e as encaminhavam para as respectivas gerências regionais, onde eram analisadas. Na nova configuração, dizia a Anac, estaria “desenvolvendo ferramentas tecnológicas de controle e vistoria” que permitiriam que tudo fosse feito pela internet.
A Anac disse também, na época do fechamento, que iria “reforçar os canais de atendimento com o passageiro”, com o aumento de 20% do efetivo que trabalha no telefone gratuito 0800 e no site da agência na internet.
Quando foi anunciada a decisão, parlamentares paraenses apelaram à direção da Anac pelo não fechamento dos escritórios nos Estados do Norte. O senador Flexa Ribeiro (PSDB) e os deputados federais peemedebistas
Elcione Barbalho e José Priante entregaram um ofício para o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, solicitando a manutenção do escritório em Belém.
A região Norte é carente de transporte fluvial e terrestre e, por isso, o avião acaba sendo um dos principais meios para transportar doentes e passageiros de uma forma geral, do interior para cidade, com maior infraestrutura. Em Belém, o escritório do órgão fazia homologação das empresas de táxi aéreo, fiscalizava a manutenção de aviões e a regularidade de mecânicos e pilotos.
A assessoria da Anac informou que a centralização das operações de fiscalização foi uma decisão da diretoria da Anac por avaliar que, naquele momento, essa seria a melhor forma de atuação. Segundo a resposta enviada pela assessoria, essa medida não interfere na qualidade do serviço prestado pelos técnicos da agência. “Sempre que necessário, a Superintendência de Segurança Operacional encaminha novas equipes para fiscalização regional”, conclui a nota.
Seis acidentes ocorreram por falha em motor
Relatório da Aeronáutica, que analisou os principais fatores contribuintes em acidentes aéreos entre 2000 e 2009, determinou que, em 69,4% dos casos de desastre em todo o país, um erro no julgamento dos pilotos interferiu na tragédia. Em 47,7% dos acidentes ficou constatada também falta de planejamento e, em 28,1%, o fator “indisciplina de voo” interferiu no acidente.
No caso do Pará, dos 13 acidentes investigados pelo Ceripa desde 2001, seis foram ocasionados por falha de motor em voo. Um só acidente foi causado por fenômeno meteorológico em voo. Foi o caso do turboélice, modelo Mitsubishi MU-2B, prefixo PT - LFX, que decolou de São Luís em 1º de julho de 2003 com direção a Belém, que afundou na baía do Guamá, matando seus quatro ocupantes.
O relatório também mostra que um único acidente foi registrado por colisão com um pássaro em voo. Um monomotor decolou da pista da fazenda Iriri, em agosto de 2010, em direção à São Félix do Xingu, quando colidiu com um urubu. O piloto, que estava sozinho na aeronave, conseguiu realizar um pouso de emergência e saiu ileso do acidente.
A Agência Nacional de Aviação Civil informou que as formas utilizadas pelas Superintendências de Aeronavegabilidade (SAR) e de Segurança Operacional (SSO) para realizar a fiscalização são: auditorias de empresas; auditorias de escolas de aviação civil; auditorias de aeroclubes; inspeções de rampa (durante os preparativos para o voo ou após a conclusão); vistorias de aeronaves; e voos de acompanhamento (inspeção na execução do voo).
Segundo a Agência, as auditorias periódicas ou especiais na empresa, inspeções de rampa e voos de acompanhamento são atividades programadas, realizadas conforme o Plano de Vigilância Continuada (PVC) e previstas no Plano de Trabalho Anual (PTA), enquanto as vistorias técnicas nas aeronaves são realizadas quando há a inclusão de aeronave na frota de uma empresa ou para renovar o Certificado de Aeronavegabilidade a cada seis anos.
A manutenção das aeronaves particulares, informa a Anac, segue o Manual de Procedimentos de Manutenção Aeronáutica de acordo com o modelo de aeronave. Nesse manual está descrito quando as peças devem ser trocadas e revisões realizadas. “Porém, anualmente é obrigatória uma revisão realizada em uma oficina certificada pela Anac, na qual inspetores de aviação civil da Agência certificam que a manutenção das aeronaves está em dia.”
Conforme informação da Anac em 2011, os inspetores lotados em Belém realizaram na região a fiscalização de 343 pilotos e de 278 aeronaves, notificaram 40 aeronaves, emitiram 16 autos de infração para pilotos e empresas e quatro autos de interdição para aeronaves. “A fiscalização realizada pela Anac no Estado do Pará é executada por diversos setores que compõem a Agência”, informou a assessoria.
Em números
Sete acidentes aéreos foram registrados no Pará, somente nos seis primeiros meses de 2011. Em toda a Amazônia, foram 23.
Quatro acidentes graves já foram registrados somente em fevereiro deste ano no Pará.
Fonte: Diário do Pará
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