Ninguém espera, em um dia comum de trabalho, acabar dentro de um avião que faz acrobacias a 350 km/h. Mas foi exatamente o que aconteceu comigo. Estou em casa, toca o telefone: “A organização da Red Bull Air Race, aquela corrida de aviões, quer levar um repórter para voar. Você vai?”. Digo que sim, claro. É a segunda vez que a corrida acontece no Rio. Muitas pessoas gostariam de ter a mesma oportunidade, ver a praia de Copacabana lá do alto, passar do lado do Cristo. Medo de avião? Tenho, mas os pilotos são experientes, não vou pensar nisso. Mas penso. Desligo o telefone e as mãos começam a suar. Não dá para voltar atrás.
O medo não é racional, mas quem o sente procura logo uma justificativa. Adilson Kindlemann, piloto brasileiro, é a minha. Em abril, o avião de Adilson caiu no rio Swan, durante a corrida de Perth, na Austrália. Caiu, não: capotou. Era a segunda corrida dele, mas o treinamento que recebeu o ajudou a escapar ileso. Para mim, é a prova do que eu temia: pilotos experientes também caem. Só espero que não comigo dentro do avião.
Chego no aeroporto Santos Dumont. Dois médicos austríacos me examinam para ter certeza que não vou morrer de outra coisa sem ser queda. Ouço pela terceira vez a pergunta “Está nervoso?”, só que dessa vez um deles ri e olha para a máquina que mostra meus 132 batimentos cardíacos por minuto. Sim, nervoso. Olho o hangar, vejo pilotos com não mais que 50 anos e penso sobre a expectativa de vida na profissão. Simone, a suíça da organização do evento que me acompanha na consulta, tenta que tranqüilizar mudando de assunto. Diz que deveria ter tirado férias depois da corrida da Austrália, se o vulcão islandês Eyjafjallajökull (fala-se como se escreve) não tivesse estragado tudo. Em vez do tempo livre, ela veio ajudar a maltratar jornalistas brasileiros.
Hora de conhecer o avião, um modelo Extra 300L, e o piloto, o espanhol Sérgio Pla, de 38 anos. Visto macacão, salva-vidas, páraquedas (!) e começo a ouvir os procedimentos de segurança. Sérgio avisa que não devo apertar o botão laranja que abre a cabine. Como se — de cabeça para baixo, a centenas de metros acima do nível do mar — eu fosse pensar em abrir a cabine. O outro aviso me assusta: “Você tem que segurar o sangue na sua cabeça”. O sangue vai sair da minha cabeça? Vai. Em certas manobras, é como se a força da gravidade aumentasse dez vezes, o que faz o sangue descer e o passageiro desmaiar. Pilotos compensam isso com um macacão especial. Como não tenho essa regalia, eu que me vire respirando rápido e contraindo os músculos da barriga e das pernas.
Pronto para decolar, ouço no fone do capacete o controle aéreo. Para um leigo, parece um caos. Gente falando muito rápido o tempo inteiro. “Tá tudo bem?”, Sérgio pergunta. “Não. Mas faz diferença?”. Partimos. Vejo a ponte Rio-Niterói, o Cristo, o mar azul. O medo passa. Mas só até Sérgio nos colocar de cabeça para baixo. Ele faz de tudo com o avião: coloca de lado, mergulha, passa perto das pedras, voa em direção ao sol. E é ótimo. Sem o sangue na cabeça é difícil calcular. Acho que voamos por cerca de dez minutos. Pouco. Pisei em terra firme tonto, suado, com as pernas bambas — e pedindo para ir de novo.
Fonte: Maurício Meireles (Revista Época)
O medo não é racional, mas quem o sente procura logo uma justificativa. Adilson Kindlemann, piloto brasileiro, é a minha. Em abril, o avião de Adilson caiu no rio Swan, durante a corrida de Perth, na Austrália. Caiu, não: capotou. Era a segunda corrida dele, mas o treinamento que recebeu o ajudou a escapar ileso. Para mim, é a prova do que eu temia: pilotos experientes também caem. Só espero que não comigo dentro do avião.
Chego no aeroporto Santos Dumont. Dois médicos austríacos me examinam para ter certeza que não vou morrer de outra coisa sem ser queda. Ouço pela terceira vez a pergunta “Está nervoso?”, só que dessa vez um deles ri e olha para a máquina que mostra meus 132 batimentos cardíacos por minuto. Sim, nervoso. Olho o hangar, vejo pilotos com não mais que 50 anos e penso sobre a expectativa de vida na profissão. Simone, a suíça da organização do evento que me acompanha na consulta, tenta que tranqüilizar mudando de assunto. Diz que deveria ter tirado férias depois da corrida da Austrália, se o vulcão islandês Eyjafjallajökull (fala-se como se escreve) não tivesse estragado tudo. Em vez do tempo livre, ela veio ajudar a maltratar jornalistas brasileiros.
Hora de conhecer o avião, um modelo Extra 300L, e o piloto, o espanhol Sérgio Pla, de 38 anos. Visto macacão, salva-vidas, páraquedas (!) e começo a ouvir os procedimentos de segurança. Sérgio avisa que não devo apertar o botão laranja que abre a cabine. Como se — de cabeça para baixo, a centenas de metros acima do nível do mar — eu fosse pensar em abrir a cabine. O outro aviso me assusta: “Você tem que segurar o sangue na sua cabeça”. O sangue vai sair da minha cabeça? Vai. Em certas manobras, é como se a força da gravidade aumentasse dez vezes, o que faz o sangue descer e o passageiro desmaiar. Pilotos compensam isso com um macacão especial. Como não tenho essa regalia, eu que me vire respirando rápido e contraindo os músculos da barriga e das pernas.
Pronto para decolar, ouço no fone do capacete o controle aéreo. Para um leigo, parece um caos. Gente falando muito rápido o tempo inteiro. “Tá tudo bem?”, Sérgio pergunta. “Não. Mas faz diferença?”. Partimos. Vejo a ponte Rio-Niterói, o Cristo, o mar azul. O medo passa. Mas só até Sérgio nos colocar de cabeça para baixo. Ele faz de tudo com o avião: coloca de lado, mergulha, passa perto das pedras, voa em direção ao sol. E é ótimo. Sem o sangue na cabeça é difícil calcular. Acho que voamos por cerca de dez minutos. Pouco. Pisei em terra firme tonto, suado, com as pernas bambas — e pedindo para ir de novo.
Fonte: Maurício Meireles (Revista Época)
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