Retorno à Lua não deve acontecer antes de 2020; Marte é incógnita.
Para diretor do Inpe, manter astronautas é 'dinheiro jogado fora'.
A humanidade não visita a Lua desde 1972 (é bom lembrar que as naves Apollo estiveram seis vezes lá), e o motivo não poderia ser mais prosaico: orçamento. Enquanto, em seu auge, a Nasa chegava a mordiscar 4% do Produto Interno Bruto (PIB) americano, os cortes orçamentários passaram a atingir em cheio a agência espacial - e levar uma tripulação com segurança à Lua, sem falar em Marte e outros locais do Sistema Solar, custa muito mais dinheiro do que está facilmente disponível hoje. Existe alguma chance de essa situação mudar? E, acima de tudo, vale a pena mandar seres humanos à Lua de novo?
Outra potência emergente com população na casa dos bilhões de pessoas, a Índia, também está ensaiando uma busca pela capacidade autônoma de mandar homens (e mulheres) ao espaço. "China e Índia têm motivações diferentes, mas ambas ligadas à geopolítica. Enquanto a China quer provar que não é só um potencial mercado consumidor de alta tecnologia, mas um mercado produtor de alta tecnologia, a Índia vive uma 'guerra fria particular' com o Paquistão -- e foguetes poderosos são elementos imprescindíveis tanto para um programa militar nuclear quanto para um programa espacial tripulado", afirma Salvador Nogueira, jornalista de ciência especializado na cobertura da corrida espacial e autor do livro "Rumo ao infinito - passado e futuro da aventura humana na conquista do espaço".
Embora não se passa exagerar a semelhança da situação atual com a da Guerra Fria - "a China não quer exportar sua revolução, como a União Soviética fazia", lembra Câmara -, Estados Unidos e Rússia acabam fazendo esforços, mesmo assim, para manter a hegemonia que conquistaram nos anos 1960. E, em especial nos EUA, existe também uma motivação econômica, afirma o diretor do Inpe. "É preciso lembrar que um fator muito importante nos Estados Unidos é a existência de um complexo industrial que nasceu para tocar esse tipo de programa aeroespacial. Há um esforço para preservar essa indústria, que tem um lobby muito forte no Congresso americano", diz Câmara.
Obama e o espaço
A chegada de Barack Obama à presidência americana ainda é, por enquanto, uma incógnita nesse sentido. "O Obama lembrou muito o Lula antes de virar presidente. O da campanha era um, o do governo era outro. Durante a campanha, para ficar mais afinado com a ideologia democrata, Obama falava de adiar a ida à Lua por cinco anos (passando de 2020 para 2025), e surgiram algumas especulações sobre a possibilidade de ele estender a vida útil dos ônibus espaciais além de 2010", lembra Nogueira. "Repare que, no discurso que fez para a Academia Nacional de Ciências dos EUA, Obama elogia o projeto Apollo como um marco, mas diz que os engenheiros e cientistas americanos agora têm de centrar seus esforços na busca por novas fontes de energia", ressalta Câmara.
Charles Bolden, o astronauta que hoje comanda a Nasa
Após a eleição, porém, ao menos no papel, o novo presidente americano voltou para a meta de retorno à Lua em 2020 e escolheu um ex-astronauta, Charles Frank Bolden Jr., para liderar a Nasa, o que pode ser um gesto significativo de apreço pelo programa tripulado. Câmara, no entanto, diz ser cético a esse respeito. "Acho que é só da boca para fora, sinceramente. O tempo de aposentadoria dos ônibus espaciais, o chamado 'phase-out', vai ser estendido de dez para 20 anos, e pronto", avalia.
O diretor do Inpe vê problemas estruturais sérios na maneira como a Nasa funciona, e no próprio conceito atual de programas tripulados. "Sinceramente, para mim, hoje, programa tripulado equivale a jogar dinheiro fora", diz Câmara. "O programa Apollo foi, sem dúvida, um marco fantástico. Uma história de superação, uma inspiração. Mas não tem o menor sentido repetir tudo isso só por repetir."
Para Câmara, o ponto-chave é que os programas tripulados não são mais motores de inovação tecnológica como as naves Apollo indiscutivelmente foram nos anos 1960. "O que a ISS [Estação Espacial Internacional] trouxe de avanço tecnológico? Quais foram as grandes revoluções que ela trouxe nas áreas de fármacos ou de software graças à microgravidade? Nada. Zero", afirma. Como problema adicional, diz ele, a falta de continuidade na cultura de trabalho da Nasa impede que as lições do passado sejam melhor aproveitadas. "Para você ter uma ideia, os planos do foguete Saturn V [o que carregava as naves Apollo para o espaço] simplesmente foram perdidos", critica.
Marte? Quando?
Mesmo com uma visão muito mais otimista em relação ao futuro da astronáutica, Nogueira reconhece que há sérios obstáculos para a mais ambiciosa de todas as missões: a viagem de humanos para Marte.
"Para as maiores potências espaciais, EUA, Rússia e Europa, Marte é um alvo claro para uma missão tripulada. O que não é claro para nenhuma dessas potências é quando isso vai acontecer. Se tem uma coisa que a história ensina é que, se não há um plano definido e concreto, não vale a pena esperar. Basta lembrar que a Nasa, no auge do Programa Apollo, queria fazer uma viagem a Marte até o fim dos anos 1970", conta. "Claro que o dinheiro não veio."
"George W. Bush foi mais modesto e realista em seu novo plano: 'Vamos primeiro para a Lua, até 2020, e depois a gente vê o que faz'. É nesse passo que estamos. Ninguém vai sequer cogitar estabelecer uma data ou arquitetura para a viagem a Marte antes de retornarmos à Lua, que deve acontecer, na pior das hipóteses, no início dos anos 2020. Daí depreendemos que uma data otimista para a primeira viagem tripulada a Marte seria meados dos anos 2030. Mas que vai acontecer, vai. Só não espere de pé", afirma Nogueira. O sonho de transcendência cósmica da humanidade, por enquanto, ainda depende dos problemas econômicos e políticos do chão para se concretizar.
Fonte: Reinaldo José Lopes (G1) - Imagens: NASA
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