sexta-feira, 4 de julho de 2025

Cemitério de aviões: conheça histórias de aeronaves abandonadas em aeroportos no Rio de Janeiro

Carcaças esquecidas em pistas e pátios contam histórias do passado da aviação brasileira — e agora viram retratos da paralisação no tempo.

Avião da antiga VarigLog abandonado no Galeão (Foto: Gabriel Gonçalves (@gigspotter_))
Nos aeroportos do Rio de Janeiro, o tempo parece ter parado para algumas aeronaves. Um levantamento feito pela rádio CBN identificou pelo menos 15 aviões abandonados nos principais terminais da capital fluminense. No Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), imagens aéreas revelam oito desses gigantes imóveis — entre eles, dois com a marca da extinta Varig, símbolo da era dourada da aviação brasileira, que faliu em 2010.

A cena causa impacto. Quem sobrevoa o Galeão ou circula por áreas internas pode avistar fuselagens oxidadas e janelas empoeiradas — aviões que não decolam mais, mas também não têm destino. A concessionária RIOgaleão afirma que essas aeronaves estão à disposição da Justiça ou dos seus legítimos proprietários, e garante que a presença delas não compromete a segurança das operações nem das pessoas.

Algumas aeronaves estão paradas há dez ou até vinte anos no Galeão. Removê-las é um processo caro e burocrático, já que a operação exige empresas especializadas, uso de guindastes, carretas e mão de obra técnica, o que pode custar centenas de milhares de reais. Além disso, muitas dessas aeronaves estão envolvidas em disputas judiciais, o que dificulta ainda mais sua retirada.

Gabriel Gonçalves é spotter, um apaixonado por aeronaves que fotografa esse cemitério de aviões desde 2017. Ele conta que já viu muitas aeronaves serem destruídas desde então e lamenta que as fuselagens não tenham sido aproveitadas para fins educacionais e culturais.

“Eu sempre achei muito triste o abandono daqueles aviões. Infelizmente, alguns estão retidos ainda por conta de processos judiciais. E a cultura aeronáutica no Brasil, infelizmente, não é muito valorizada. Se fôssemos um país mais sério, esses aviões poderiam estar em museus ou até mesmo em outras instituições educacionais. Mas preferem destruir essas aeronaves, que foram parte da história do Brasil, assim como fizeram com o DC-3 e destruíram completamente o KC-137, que era o famoso Sucatão — um avião 707 que também já foi da Varig — e foi completamente destruído”, diz.

O piloto, instrutor de voo e professor de aviação Fernando Anselmo explica que remover essas aeronaves é um trabalho que pode custar milhares de reais, o que se torna um impeditivo para empresas que já decretaram falência.

“Considerando que esses aviões estão enrolados com processos judiciais, acumulam dívidas e, ainda por cima, devem muito dinheiro para as autoridades aeroportuárias, isso torna esses aviões pouquíssimo atraentes para alguém que quisesse comprá-los. Como essas aeronaves já se encontram naquele local há muito tempo, esses aviões estão muito deteriorados. Geralmente, os operadores retiram os itens mais valiosos, como motores, instrumentos, equipamentos eletrônicos, e deixam as carcaças. As carcaças, como são muito grandes, se torna muito custoso o transporte delas. Então, elas acabam abandonadas. O destino mais provável desses aviões seria realmente desmanche, sucata. Mas, até para isso, teria que haver uma negociação com as massas falidas e com as autoridades aeroportuárias, com perdões de dívida”, explica.

Procurado pela CBN, o Ministério de Portos e Aeroportos informou que não possui informações sobre quantos aviões estão nessa situação no país e que não há nenhum programa sendo estudado pela pasta para resolver a situação. O governo orientou a reportagem a procurar, um a um, cada aeroporto do Brasil.

Entre 2010 e 2015, o programa Espaço Livre – Aeroportos, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, contribuiu para a remoção de algumas aeronaves que estavam sob custódia judicial. Apesar dos avanços, o encerramento formal do programa deixou parte do problema ainda sem solução definitiva.

Aviões parados na área da Força Aérea Brasileira


Das oito aeronaves que estão abandonadas no Galeão, duas estão na área da Força Aérea Brasileira. Uma delas é o Fairchild C-119, transportador militar biposto de carga largamente utilizado pela FAB entre 1962 e 1975, operado pelo esquadrão especializado em lançamento de paraquedistas. O avião era equipado com dois motores Wright R-3350, tinha capacidade para até 62 soldados, e participou de operações logísticas importantes. Hoje, está parado próximo a um campo de futebol na área da FAB no Galeão.

Outro avião na mesma área chama atenção: é um Boeing 727, de propriedade da antiga empresa Fly Linhas Aéreas, que encerrou as atividades em 2005. Quatro anos antes, em 2001, o avião foi retirado de serviço e estacionado no Aeroporto Internacional do Galeão, onde permanece até hoje, sucateado e cercado por vegetação, nas proximidades da Base Aérea.

Em nota, a FAB informou que a aeronave se encontra estacionada em área pertencente ao Parque de Material Aeronáutico do Galeão devido à decisão judicial, que determinou a Organização Militar como fiel depositária do avião. A destinação da aeronave depende de decisão da justiça.

Boeing 727 sucateado está escondido na vegetação em área da FAB (Imagem: Google Earth)
Além do Galeão, o Aeroporto de Jacarepaguá também convive com esse “cemitério” aéreo. De acordo com a administradora PAX Aeroportos, há atualmente sete aeronaves abandonadas no terminal, além de equipamentos de solo pertencentes a pessoas físicas e jurídicas. Os itens foram herdados da antiga gestão da Infraero e estão sendo tratados judicialmente. A empresa afirma que atua para a remoção ou descarte das estruturas, mas depende de decisões judiciais para concluir o processo.

A CBN conseguiu fazer imagens aéreas, com apoio do repórter Leonardo Vieira, que mostram o cenário do local. É possível ver que são aeronaves comerciais, de menor porte, comparando com o cenário do Galeão.

Segundo a PAX, os aviões e equipamentos estão em áreas restritas, sem acesso ao público, e sob vigilância conforme as normas da Anac. No entanto, mesmo que não representem risco direto, a presença dessas aeronaves carrega consigo uma espécie de “poluição visual”.


Para onde esses aviões poderiam ser levados?


O destino mais comum para aviões abandonados, como os que se acumulam no Aeroporto do Galeão, é o desmanche. A desmontagem para sucata ou reaproveitamento de peças costuma ser o caminho mais viável economicamente, especialmente quando não há interesse comercial ou histórico pela aeronave. No entanto, especialistas e entusiastas da aviação, como o professor Fernando Anselmo, defendem destinos mais nobres.

“Que destinos mais nobres poderiam ser esses? Preservá-los como peças de museu, em museus aeronáuticos, ou preservá-los em praças públicas, como monumentos, como existem algumas aeronaves preservadas em cidades do Brasil, ou até mesmo serem vendidos para hotéis temáticos e outros empreendimentos que acabam usando a aeronave como parte da estrutura do empreendimento em si. Existem aviões que já foram conservados como restaurantes, bares, cafés, hotéis, então é também um destino possível, mas, como já vimos, requer realmente interesse e disponibilidade financeira para arrematar os aviões e negociar essas dívidas também”, explica.

Um exemplo que ilustra bem essa dificuldade é o caso do Douglas DC-3, destruído no Galeão em 2020. A aeronave, veterana da Segunda Guerra Mundial, já havia pertencido à frota de Howard Hughes — magnata da aviação e personagem retratado no cinema — e mais tarde foi incorporada pela Varig. O avião era mantido como monumento numa das vias do aeroporto, mas acabou sendo demolido após a área ser assumida por outra empresa, que não demonstrou interesse em preservá-lo.

Apesar de ser um modelo menor e de transporte mais fácil, com grande valor histórico, o DC-3 não atraiu ninguém disposto a arcar com os custos de remoção e conservação. A destruição da aeronave serve como alerta: se nem esse avião foi salvo, é ainda mais difícil imaginar um futuro diferente para os modelos maiores e menos icônicos que seguem se deteriorando no pátio do Galeão.

Conheça alguns dos aviões abandonados e suas histórias

  • Dois aviões da antiga VarigLog
As aeronaves dessa imagem são do modelo Boeing 727 com pintura da VarigLog (Varig Logística), empresa de transporte de cargas que era subsidiária da Varig. A empresa foi criada nos anos 2000 como braço de logística da Varig, mas acabou entrando em colapso junto com a companhia-mãe.

Avião da antiga VarigLog abandonado no Galeão (Foto: Gabriel Gonçalves (@gigspotter_))
A aeronave da foto é uma das carcaças mais icônicas do “cemitério de aviões” do Galeão e pode estar há mais de uma década no local. Especula-se que as peças valiosas foram removidas para venda ou reaproveitamento e que hoje só reste a carcaça. Porém, o custo de retirada é muito alto, o que acaba postergando a remoção.
  • Avião da TAF
A TAF Linhas Aéreas era uma companhia cearense fundada em 1957 como Táxi Aéreo Fortaleza e transformou-se em linha aérea regional em 1995, atuando tanto no transporte de passageiros quanto de cargas.

727-2J7 da TAF, abandonado no Galeão (Foto: Gabriel Gonçalves (@gigspotter))
Até o auge de suas operações, a empresa chegou a contar com até 16 aeronaves, incluindo Boeing 727-200F e 737-200C/F. Com a crise no setor e forte concorrência, a TAF encerrou os voos regulares em 2010, tendo a licença de operação suspensa pela ANAC.

Várias aeronaves foram abandonadas em aeroportos, incluindo essa no Galeão.
  • MTA Cargo - McDonnell Douglas DC 10 30(F)
O avião na foto é um McDonnell Douglas DC 10 30, apelidado de “Petete IX”, operado pela MTA Cargo (Master Top Airlines). Fabricado em 1978, foi convertido para cargueiro em 2001.

DC-10-30F da antiga MTA, abandonado no Galeão (Foto: Gabriel Gonçalves (@gigspotter_))
A MTA Cargo, criada nos anos 2000, visava atuar no mercado de transporte de cargas pesadas e carregava o DC 10 por várias rotas nacionais e eventuais internacionais, mas teve vida curta.

Após a falência da MTA em 2011, a aeronave foi deixada no “cemitério de aviões” do Galeão, onde permanece imobilizada e deteriorada desde então.
  • 727 da Platinu Air
O Boeing 727 da Platinum Air faz parte de um sonho que não decolou.

A companhia brasileira, fundada em 2007 como subsidiária da norte-americana Platinum Commercial Air Cargo, planejava operar voos charter e fretamentos, mas suspendeu a operação antes de decolar, após a ANAC identificar irregularidades em registros e autorização de exportação da aeronave.

Boeing 727 da Platinum Air (Foto: Gabriel Gonçalves (@gigspotter))
Com apenas um avião na frota, nunca se tornou operacional e encerrou atividades por volta de 2009.
  • 727 da Total Cargo
Abandonado há anos no Aeroporto do Galeão, o Boeing 727-243 carrega uma longa e movimentada trajetória internacional antes de encerrar sua vida útil no Brasil.

Boeing 727-243 (Foto: Gabriel Gonçalves (@gigspotter_))
Entregue à Alitalia em 1980, o avião passou por diversas companhias — como PeoplExpress, Continental Airlines e Hinduja Cargo Services — até ser adquirido pela Total Linhas Aéreas em 2000, onde teve seu período mais longevo de operação.

Desde que foi armazenado em 2015, a aeronave encontra-se em visível estado de deterioração, com a pintura removida e os logotipos da Total quase apagados.

Via Pedro Bohnenberger (CBN Rio)

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